Dalwton Moura: Assim tropeça a humanidade

“O jogo é jogado segundo antigas regras invisíveis, em que a "meritocracia" perde desde a largada, para quem pega três ônibus partindo do último subúrbio aflito pra fazer a mesma prova”.

Por Dalwton Moura*

Transporte público Fortaleza

Ruas da Aldeota da lotadas em pleno domingo. Não, não é eleição. Uma semana após mergulharem o país no fascismo legitimado pelo voto, centenas de pais guiando carros importados com adesivos do candidato das armas deixam seus filhos e filhas, bromélias crescidas nas melhores estufas, seus campeões bem nutridos com Sucrilhos, para disputarem no Enem uma vaga em universidades nas quais hão de ser mais uma geração a se reproduzir no andar de cima, repetindo a dominação.

Nossa casta superior, facilmente visível nos nomes de famílias ricas e tradicionais da taba de Alencar nos outdoors e cartazes de "primeiro lugar geral pra valer" em Medicina, Direito, Engenharia, Odontologia. O jogo é jogado segundo antigas regras invisíveis, em que a "meritocracia" perde desde a largada, para quem pega três ônibus partindo do último subúrbio aflito pra fazer a mesma prova.

Enquanto o jovem bem vestido lamenta o infortúnio de ter sido sorteado para fazer a prova em escola pública, vivenciando, ao menos por dois dias, uma realidade de "cadeiras duras, salas sem ar condicionado, colégios acabados". A escola pública que todos dizem defender, com "educação em primeiro lugar". Assim tropeça a humanidade e assim se mantêm estruturas de poder. Ontem como hoje. Com a diferença de que os mesmos pais zelosos, mães corujas, dentro de suas Hilux com ar condicionado, talvez não façam a menor ideia do que será feito do país em que seus filhos, por mais que vivam dentro da bolha particular do Rio Mar ao Iguatemi, da Dom Luis ao Cocó, não poderão escapar às imprevisíveis consequências de uma teocracia militar que se gaba e se orgulha da própria estratégia de apostar na arma, na violência, no choque. No quanto pior melhor, enquanto afunda o resto do resto de civilização que um dia fomos. Fomos?

*Dalwton Moura é jornalista.

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