Ipea traça perfil de jovens do Recife que não trabalham nem estudam 

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que 23% dos jovens brasileiros não trabalham nem estudam. A pesquisa inédita foi apresentada ontem (3), na sede do Ipea, em Brasília, e faz um mapeamento da chamada geração millennial (nascidos entre 1981 e 1996) em nove países da América Latina. O Recife foi a única cidade brasileira pesquisada e serviu de amostra para o País.  

Pesquisa do Ipea traça perfil de jovens do Recife que não trabalham nem estudam - Divulgação

Foram ouvidos 15 mil jovens, entre 15 e 24 anos de idade no Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Haiti, México, Paraguai, Peru e Uruguai. O estudo tem o objetivo de retratar a nova geração de trabalhadores desses países e apontar novos caminhos para as políticas públicas para a juventude.

Joana Costa, pesquisadora do Ipea, explica que o Recife foi escolhido por apresentar dados sociais que espelham bem a realidade da região. Foram ouvidos 1.488 jovens moradores da capital, de todas as classes sociais, em bairros como Brasília Teimosa, Cordeiro, comunidade Entra a Pulso, Dois Irmãos, Água Fria, Campo Grande, Espinheiro, Graças, Aflitos e Boa Viagem.

Para Joana Costa, existem muitos preconceitos acerca dos jovens que nem trabalham nem estudam, a começar pelo termo “geração nem-nem”, atribuído a eles. “É uma visão estereotipada a de que esses jovens não têm interesse nem querem nada”, diz a pesquisadora. No Brasil, 77% aspiram concluir o nível superior e apenas 4% aceitam como normal estarem fora da escola e sem emprego daqui a um ano. “O alto grau de esperança e perspectiva é uma boa notícia”, afirma a pesquisadora.

Segundo o estudo, 31% deles estão procurando trabalho, principalmente os homens, e 64% dedicam-se a tarefas domésticas, neste caso, geralmente mulheres, que cuidam de filhos pequenos ou de outros membros da família, como é o caso de Mayara Freire, 23 anos, que concluiu o ensino médio em 2016.

“Minha rotina é de dona de casa. Tenho uma filha que está com cinco meses, e hoje cuido da bebê e da casa. Atualmente, moro com meu companheiro e minha sogra, e me dedico 100% à maternidade”, explica a jovem, que já chegou a trabalhar de carteira assinada. Quando terminou o ensino médio, Mayara queria cursar uma faculdade de administração. Sonho que precisou ser adiado. “Quero sim voltar a trabalhar e estudar. Não me sinto bem estando ‘parada’”, afirma. Hoje, a principal fonte de renda dela é a venda de doces feitos em casa.

Obstáculos

Os jovens ouvidos na pesquisa mencionaram vários obstáculos que os impediram de seguir com os estudos regulares e dificultam o acesso ao mercado de trabalho. O ensino de baixa qualidade, a falta de capacitação e de experiência profissional são os principais. Ainda foram citados os preconceitos de raça, classe social e aparência.

Ex-aluno de escola pública, Ederroges Tavares,19, só conseguiu o primeiro emprego formal (como jovem-aprendiz) após passar por uma série de capacitações no Instituto João Carlos Paes Mendonça de Responsabilidade Social (IJCPM). “Quando terminei o ensino médio fiquei sem perspectiva, porque não passei na universidade pública e não tinha dinheiro para particular.

Ajudava meu pai a trabalhar e conseguia dinheiro para comprar e revender roupa. Cheguei a procurar emprego, mas sempre cobravam mais qualificação ou curso específico”, relata Tavares.
Há três anos no IJCPM, o jovem fez cursos de inglês, informática e aprimoramento ao mercado de trabalho. Em fevereiro, começa a ser jovem aprendiz de vendedor numa loja do Plaza Shopping.

Para Enid Rocha, diretora adjunta de Pesquisa e Políticas Sociais do Ipea, a pesquisa, realizada em parceria com a Fundación Espacio Público do Chile, o Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional (IRDC) do Canadá e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra quais são as motivações dos jovens quando eles têm que decidir entre o estudo e o trabalho.

“Essa pesquisa inova porque aborda questões importantes, como as aspirações para o futuro e as habilidades cognitivas e psicoemocionais desses jovens, elementos importantes para se avançar em espaços sociais”, diz Enid.

A secretária executiva de Direitos Humanos da Prefeitura do Recife, Elizabete Godinho, participou do lançamento do estudo no Ipea e diz que os dados vão servir para aprimorar as políticas públicas municipais. “Em que pese já termos agendas e programas voltados para o jovem, agora partimos de uma base de dados que amplia nossos conhecimentos e indica claramente como aprimorar para impactar positivamente nossa juventude”, diz Godinho. A secretária pretende organizar no próximo ano um seminário no Recife para apresentação do trabalho.

Números

O estudo Millennials na América e no Caribe: trabalhar ou estudar? revela que, apesar das habilidades técnicas e socioemocionais dessa geração, o baixo desempenho em matérias como matemática e as poucas oportunidades do mercado de trabalho limitam o desenvolvimento dos jovens.

Em todos os países pesquisados, o contingente maior dos que não trabalham nem estudam é de famílias de baixa renda. As taxas são maiores no México (25%), El Salvador (24%), no Brasil (23%) e no Haiti (19%).

As diferenças entre homens e mulheres jovens são evidentes no levantamento. O número de mulheres chega a ser o dobro do de homens. Esse fenômeno quase triplica em países como El Salvador e Brasil.

A pesquisa indica, ainda, que 70% dos jovens que trabalham são empregados em atividades informais. Entre aqueles que estão dentro do mercado formal, há uma alta rotatividade de mão de obra. No Brasil, a rotação excessiva no mercado de trabalho é outro fator que compromete a trajetória de futuro.

(*) Publicado originalmente no Jornal do Commercio edição de 04/12/2018.