Arruda Bastos: De baladeira a vidraça

“Como cidadão, serei oposição firme e fiscalizadora, diferente da que tivemos, que só enxergava defeitos. Vou reconhecer os avanços e criticar os retrocessos. Não serei mais vidraça, serei baladeira, mas com responsabilidade”.

Por Arruda Bastos*

Arruda Bastos

Fui criança em um tempo que não existiam brinquedos tecnológicos. Eu só me divertia com futebol, peão e baladeira, e sei, por experiência própria, que essas atividades são um inferno para as vidraças por ser seu principal verdugo. Hoje, já como avô, tenho mesmo é preocupação com o Beyblade do meu netinho Levi.

O estilingue, atiradeira ou baladeira é um brinquedo que dispara um projétil impulsionado pela mão com auxílio de elásticos. Sua base é construída com um galho em forma de Y. É um brinquedo que ajuda na concentração, coordenação e atenção. Diverte crianças e adultos, só não vale matar passarinhos, calangos nem quebrar a vidraça do vizinho.

Com essa reminiscência e valendo-me de um provérbio chinês que diz que “é muito fácil ser pedra, o difícil é ser vidraça”, da popular assertiva de que agora você vai saber “o que é bom pra tosse”, que desenvolvo esta crônica.

Durante muito tempo, talvez uns 35 anos, administrei a Saúde em diversas funções e sempre estive na posição de vidraça, levando estilingadas de todos os lados. Algumas, confesso, até justificadas, mas a maioria não. Era puro oportunismo de quem fazia oposição.

Com a vitória de Bolsonaro, outro grupo político vai assumir o poder e, pelo andar da carruagem, com muitas pessoas inexperientes. Espero que elas aproveitem para entender as dificuldades de dirigir a Saúde em um país com a complexidade do nosso.

Será, sem dúvida, uma oportunidade ímpar para alguém que nunca ocupou um cargo de gestão saber “o que é bom pra tosse” na administração de um sistema público de saúde universal, subfinanciado, com dificuldades gerenciais e poucos recursos humanos.

Para quem passou a vida como baladeira, ficar na condição de vidraça agora vai ser interessante de ver. Aguardo hospitais sem filas, corredores sem pacientes, cirurgias eletivas sem demora, atenção básica com muitos médicos e nos trinques. Como se dizia na época da Copa do Mundo do Brasil, uma saúde padrão FIFA.

Que o próximo governo possa resolver os nossos problemas é o que desejo do fundo do meu coração. Como cidadão, serei oposição firme e fiscalizadora, diferente da que tivemos, que só enxergava defeitos. Vou reconhecer os avanços e criticar os retrocessos. Não serei mais vidraça, serei baladeira, mas com responsabilidade.

*Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-secretário da Saúde do Ceará.

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