Moro x Clã Bolsonaro: quem dará a palavra final sobre as milícias?

 O “pacote anticrime” anunciado nesta segunda-feira (4) pelo ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) tem tudo para desagradar ao clã Bolsonaro. Um dos focos do projeto – o combate a organizações criminosas – cita nominalmente o PCC (Primeiro Comando da Capital), o Comando Vermelho e as milícias.

Por André Cintra

Bolsonaro e Moro

Nos últimos dias, porém, tem ficado cada vez mais comprovada a relação entre a família Bolsonaro e as milícias que agem à margem da lei no Rio de Janeiro. O vínculo mais notório une o ex-deputado e agora senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) ao ex-capitão da Polícia Militar Adriano Magalhães da Nóbrega, também conhecido como “Gordinho” e “Urso Polar”. Conforme o Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ), Nóbrega – que está foragido – é um dos chefes da milícia do Rio das Pedras e do todo-poderoso Escritório do Crime, suspeito de envolvimento na execução da vereadora Marielle Franco (PSOL).

Em 2003, Gordinho e mais sete integrante do 16º BPM (Olaria) foram homenageados na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – eles receberam moções de louvor na por iniciativa de Flávio Bolsonaro. Um ano depois, na mesma Casa, receberam a Medalha Tiradentes. Passadas poucas semanas, eles participaram do sequestro, da tortura e da extorsão de três jovens da favela de Parada de Lucas, sendo depois “apontados como os executores do morador Leandro dos Santos Silva, de 24 anos”.

Em 2007, reportagem do jornal O Dia escancarou a simpatia de Flávio Bolsonaro pelos milicianos. “No primeiro mês de seu segundo mandato na Assembleia – foi reeleito com 43.099 votos –, Bolsonaro já votou contra a instalação da CPI das milícias e, inclusive, planeja apresentar um projeto regulamentando a atividades das ‘polícias mineiras’”.

O parlamentar acabara de ingressar na Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Por trás da defesa da legalização das milícias, o então deputado usou um verniz demagógico, de cunho social: “As classes mais altas pagam segurança particular. E o pobre, como faz para ter segurança? O Estado não tem capacidade para estar nas quase mil favelas do Rio. Dizem que as milícias cobram tarifas, mas eu conheço comunidades em que os trabalhadores fazem questão de pagar R$ 15 para não ter traficantes”.

Mas Flávio Bolsonaro não parou por aí. Em janeiro passado, o jornal O Globo revelou que Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, respectivamente mãe e mulher de Nóbrega, trabalhavam no gabinete de Flávio na Alerj. No período em que ambas estavam lotadas na Casa, o Escritório do Crime também era acusado de “extorsão de moradores e comerciantes, agiotagem, pagamento de propina e grilagem de terras”.

Vale lembrar que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, escondeu-se justamente na comunidade do Rio das Pedras, berço das milícias cariocas, quando passou a ser alvo de investigações. Queiroz e Nóbrega foram colegas de batalhão. O colunista Celso Rocha de Barros ironizou na Folha de S.Paulo: “Se o Coaf não tivesse feito seu trabalho, já teríamos milicianos fazendo churrasco no Palácio da Alvorada, brindando com os generais, escolhendo Moro para zagueiro do time na pelada”.

“Segurança na comunidade”

O presidente Jair Bolsonaro é outro entusiasta das milícias. Em 2003, diante de denúncias contra um grupo de extermínio que agia na Bahia, ele foi só elogios à lógica criminosa do esquadrão da morte: “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio”.

Em 2005, apenas quatro dias depois da condenação de Adriano Nóbrega a 19 anos e seis meses de prisão, Bolsonaro respaldou publicamente a atuação ilegal do miliciano, a quem qualificou como “brilhante oficial”. Segundo ele, foi “o primeiro da Academia da Polícia Militar”. A condenação do “jovem de 20 e poucos anos” fazia do ex-PM um “coitado”, que merecia a absolvição.

Em dezembro de 2014, pouco depois de sua última eleição a deputado federal, Bolsonaro discursou na tribuna da Câmara em defesa dos milicianos. A seu ver, a milícia não podia ser acusada de extorsão e, mais do que isso, ajudava a “organizar a segurança” nas comunidades cariocas.

“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes”, disse Bolsonaro, na ocasião. “Existe miliciano que não tem nada a ver com ‘gatonet’, com venda de gás. Como ele ganha R$ 850 por mês – que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro – e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de ‘gatonet’, venda de gás ou transporte alternativo”.

No ano passado, na condição de candidato a presidente, Bolsonaro voltou a fazer a apologia das milícias em entrevista à rádio Jovem Pan: “Tem gente que é favorável à milícia, que é a maneira que eles têm de se ver livres da violência. Naquela região onde a milícia é paga, não tem violência”, afirmou.

Ao tomar posse no Planalto, Bolsonaro nomeou o ex-deputado federal Carlos Humberto Mannato (ES) como secretário especial da Casa Civil da Presidência para a Câmara dos Deputados. Manatto é conhecido por ter atuado no Esquadrão da Morte, a Scuderie Le Cocq – que, segundo o Ministério Público Federal, executou 1.500 pessoas apenas no Espírito Santo.

Diante de tantas evidências, uma dúvida se impõe: será que a ofensiva de Sergio Moro contra as milícias é mesmo “pra valer”? De que lado ficará o clã Bolsonaro nessa contenda? Aceitarão ideias de Moro, como a autorização para agentes policiais se infiltrarem nessas organizações criminosas?

No conjunto, a despeito de preservar os movimentos sociais, o “pacote anticrime” está repleto de retrocessos e medidas polêmicas. De todo modo, terá Moro autonomia para, em um e outro ponto, ir em direção tão oposta à histeria bolsonarista?