Venezuela e Brasil: maldição do petróleo na geopolítica internacional
As recentes intervenções dos EUA nos dois países foram necessárias, na ótica militar estadunidense, para que houvesse rápido deslocamento da produção do Oriente Médio para as Américas.
Marco Aurélio Cabral Pinto, CartaCapital
Publicado 18/02/2019 12:48
Os recentes acontecimentos políticos na Venezuela recuperam relações neocoloniais estabelecidas pela “nova direita” norte-americana e as sociedades periféricas da América do Sul.
No caso de Venezuela e Brasil, mostram o quanto o estatuto neocolonial decorre da disputa sobre os desígnios, não do povo, mas do “ouro negro”. Em jogo, a indústria com elevado valor geopolítico e financeiro internacional – motor das fábricas, dos transportes e das armas.
As quantidades de petróleo produzidas globalmente são coordenadas pelo hierarquizado e pequeno rol de megaempresas petrolíferas e resquícios de Estados soberanos na Ásia. Mas os preços são definidos a partir de expectativas formadas dentro do complexo financeiro-midiático internacional.
Com isso, a geopolítica internacional norte-americana no século XXI parece resultar muito mais das contradições entre as diplomacias do dinheiro e das armas do que entre ideologias ou princípios morais.
O objetivo do presente artigo é propor hipóteses sobre a intrincada situação corrente na Venezuela, com especial atenção ao papel do continente sul-americano frente ao tabuleiro internacional do petróleo.
Conforme se procurará argumentar, as recentes intervenções norte-americanas no Brasil e na Venezuela foram necessárias, na ótica militar dos EUA, para que houvesse rápido deslocamento da produção do Oriente Médio para as Américas.
Como pano de fundo, a estratégia do complexo industrial-militar em promover, nos próximos 18 meses, tensões nas relações pérsico-israelense que o permita renovar-se como governo nas eleições de 2020. Sem o deslocamento da produção, as chances de instabilidade nos preços de petróleo seriam grandes o suficiente para fugir ao controle dos banqueiros, contraparte interessada na (geo)política dos EUA.
A América do Sul abriga porção segura da produção de petróleo. Isto faz com que a queda esperada de produção no Oriente Médio, motivada por aumento de risco político nos próximos meses, possa ser compensada pelos campos venezuelanos e brasileiros. Com isso, o desenvolvimento da produção na América do Sul torna-se necessário para que os preços internacionais não venham a se instabilizar nos mercados de capitais e, com isso, inviabilizar o funcionamento do sistema industrial-comercial global.
A Importância de Venezuela e Brasil na oferta internacional de petróleo
De acordo com o boletim de janeiro de 2019 da International Energy Agency (IEA), a demanda por petróleo em 2019 irá aumentar de maneira relativamente suave e esperada, acompanhando a tendência de crescimento de cerca de 1,5 milhão de barris de petróleo diários ao ano.
A queda de produção nos EUA torna o país mais dependente das importações de petróleo e, consequentemente, atua no sentido de fortalecer o aparato militar global norte-americano.
Cerca de 40% do aumento da demanda global deve-se dao crescimento da China. A necessidade de exploração de hidrocarbonetos não passará, porém, de 1,5% da produção mundial em 2019.
Considerando-se estoques disponíveis e normalidade nos mercados, o sistema produtor mundial não parece enfrentar dificuldades para prover o “ouro negro” em bases logísticas. Contraditoriamente, em situação de normalidade não há espaço para aceleração da acumulação por parte dos produtores.
Segundo a IEA (jan-19), espera-se crescimento mundial da produção em 1,4 e 1,7 mbpd em 2019 e 2020, respectivamente. Por outro lado, a capacidade ociosa entre os integrantes da OPEP encontra-se estimada em 1,5 mbpd. Já com relação aos preços, dado que o volume transacionado em mercados futuros e spot supera em cerca de cem vezes a produção física, ocorre volatilidade, sujeitando-se estes ao jogo diário de expectativas administrado pelo complexo financeiro-midiático global.
Entre as dimensões mais sensíveis para a construção de preços encontram-se as expectativas de instabilidade política nos distritos petrolíferos. Ocorre que esta variável é dinamizada, até certo ponto, pela instrumentalização, por parte das petroleiras, do complexo industrial-militar norte-americano.
A lógica da intervenção militar dos EUA esbarra, por sua vez, no jogo de disputas no Oriente Médio, seja entre os povos árabes, seja entre estes e Israel. O protagonismo militar dos EUA na região tem sido orientado pelo alinhamento de interesses judaico-cristãos.
A Venezuela, por sua vez, experimentou diminuição significativa na produção desde meados de 2014. A produção brasileira, ao contrário, cresce a partir do mesmo ano, mediante facilitação para exploração estrangeira. Ou seja, uma das razões para o “golpe dos corruptos” parece ter sido a necessidade, por parte dos EUA, de incrementar a produção no Brasil.
O Brasil multiplicou suas reservas em cerca de 8 vezes e a Venezuela, cerca de três vezes e meia entre 2005 e 2015. Ou seja, a fronteira de expansão mundial de reservas comprovadas encontra-se há uma década e meia na América do Sul. Espera-se que boa parte do incremento anual de 1,5 mbpd venha dos campos de Brasil e Venezuela.
A mudança da embaixada para Jerusalém
É esperado que o risco político no Oriente Médio venha a ser substancialmente elevado em 2019, em consequência da iniciativa de transferência para Jerusalém da capital do Estado de Israel. Não como fato isolado, mas como elemento adicional em território com tensões históricas crescentes.
Em dezembro de 2016 foi publicada a Declaração de Cooperação entre integrantes da Organização de Países Exportadores de Petróleo e países não-alinhados sob liderança da Rússia (Azerbaijão, Bahrain, Brunei, Cazaquistão, Malásia, México, Oman, Rússia, Sudão do Norte e do Sul).
Neste acordo, renovado até o presente momento, as nações se comprometeram a voluntariamente cortar produção em cerca de 1,5 mbpa (capacidade ociosa).
Trata-se de concertação com claro objetivo de interferir na formação de preços e, assim, defendê-los contra movimentos estratégicos das partes que não integram o acordo. Cabe lembrar que o acordo não conta com a adesão das potências ocidentais e a Venezuela ocupa, desde fins do ano passado, a presidência da OPEP.
As sanções contra o Irã compreendem esforços dos EUA para reduzir a zero o número de barris exportados pelo regime dos aiatolás. Em agosto de 2018, o país havia cortado a produção em cerca de 0,6 mbpd.
Enquanto os EUA ameaçam seus aliados na Europa e Ásia para substituição de fornecedor, o Irã tem concedido descontos sobre fretes e seguros que podem ser atrativos para países importadores em situação financeira delicada, como a Grécia, Itália e Turquia. Dos cerca de 1,7 mbpd produzidos pelo Irã, cerca de 82% têm como destino a China e a Índia.
O Irã conta ainda com meios para fechamento do estreito de Ormuz, por onde passam cerca de 20 mbpd. Nada disso será necessário, porém, se a demanda sino-indu não encontrar outras fontes de fornecimento baratas e confiáveis.
No atual estado de coisas, uma eventual escalada em conflito com o Irã teria como partes prejudicadas diretas China e Índia. E os EUA não parecem interessados em arrastar boa parte do mercado consumidor do planeta para a penúria econômica e política. A saída parece o rápido incremento da produção na América do Sul, prévio a qualquer ação tempestiva no golfo pérsico. É por esta razão que a dinâmica da exploração não poderia permanecer subordinada a projetos nacionais independentes. Há urgência na escalada de produção.
Enquanto o Brasil parece mais que disponível em atender aos interesses neocoloniais norte-americanos, a Venezuela resiste. Ocorre que as sanções econômicas devem se abater sobre a sociedade bolivariana de maneira inclemente.
O estado de penúria é avançado e há urgência em retomar a normalidade. Por esta razão, ainda que Donald Trump não tenha condições de fomentar uma “guerra justa” contra o Irã até 2020, muito provavelmente estas condições estarão disponíveis ao mandato subsequente.
*Marco Aurélio Cabral Pinto é professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e conselheiro na central sindical CNTU