Eurico Ângelo de Oliveira Miranda

Eurico foi, durante mais de 30 anos, um nome ligado diretamente ao Vasco e falar de Vasco era também falar de Eurico Miranda, bem ou mal.

Por Wevergton Brito Lima*

Eurico Miranda

Desde que soube, nesta terça-feira (12), da morte de Eurico Miranda, tenho lido muitos depoimentos de vascaínos sobre nosso ex-dirigente. Uma parte significativa expressa o seguinte sentimento: “Passei minha vida criticando o Eurico, não pensei que iria ficar tão triste com sua morte”.

É certo que existem tristezas “fingidas”, politiqueiras, mas a tristeza genuína, tanto dos vascaínos que o admiravam incondicionalmente quanto de alguns que o criticavam não é difícil de entender. Eurico foi, durante mais de 30 anos, um nome ligado diretamente ao Vasco e falar de Vasco era também falar de Eurico Miranda, bem ou mal.

Seu estilo, seu jeito de argumentar, sua firmeza que por vezes se transformava em truculência, marcaram toda uma geração de vascaínos.

Seu legado é motivo de avaliações díspares: existem tanto aqueles que o santificam, quanto aqueles que o demonizam.

Para surpresa de alguns, confesso que entendo mais as razões daqueles que o santificam.

Digo isso com a tranquilidade de quem passou a maior parte da vida associativa no Club de Regatas Vasco da Gama fazendo oposição cerrada a Eurico Miranda.

Porém, sempre escrevi, mesmo em textos críticos, que Eurico era atacado pela mídia muito mais pelas suas virtudes do que pelos seus defeitos.

E que virtudes Eurico tinha?

Como eu me considero, em termos de Vasco, antes de mais nada um torcedor, para mim a principal virtude de Eurico foi ter sido o condutor (principalmente como vice-presidente de futebol) de 15 títulos importantes que eu vi das arquibancadas – Nove campeonatos cariocas (87, 88, 92, 93, 94, 98, 2003, 2015, 2016), Um torneio Rio-SP (99), Três brasileiros (89,97,2000), Um Mercosul (2000) e Uma Taça Libertadores (98).

Esta coleção invejável de títulos ajudou em muito a despertar uma profunda má vontade contra Eurico em boa parte da mídia carioca, extremamente parcial a favor do Flamengo, principalmente no caso do rubro-negro grupo O Globo, que construiu uma imagem de Eurico para lá de antipática, no que contava com a colaboração do próprio Eurico, pródigo em atitudes e declarações politicamente incorretas e algumas francamente indefensáveis.

Outra coisa que despertou a ira da mídia comercial, mas que colocará o nome do Eurico em um lugar especial do nosso futebol, foi sua heroica e quase solitária briga contra isso que vocês vão ler aí embaixo:

Dono dos Knicks expulsa torcedor após pedido para que venda o time: “Divirta-se vendo pela TV”

“Ora, o que tem isso a ver com Eurico?”, perguntará o leitor. Tudo. Quem tiver paciência de clicar no link verá que o bilionário James Dolan, dono do Knicks, expulsou um torcedor do ginásio por conta de uma crítica recebida e o proibiu de retornar. James Dolan pode fazer isso, afinal, é o dono do time e dono do ginásio.

Pois bem, esse modelo, onde o time ou clubes têm dono, e se o dono quiser muda as cores da camisa, troca o time de cidade, sem que o torcedor possa apitar nada, era praticamente um consenso na mídia comercial na década de 90, auge da ideologia neoliberal (hoje novamente em voga, infelizmente) onde tudo deveria ser privatizado, o que provocou no escritor português José Saramago o seguinte desabafo em forma de versos (trecho):

“privatize-se tudo / privatize-se o mar e o céu, / privatize-se a água e o ar, / privatize-se a justiça e a lei, / privatize-se a nuvem que passa, / privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos (…) E, já agora, privatize-se também / a puta que os pariu a todos”.

Pois bem, nestes longínquos anos 90, Zico, esse mesmo, o Galinho de Quintino, era Secretário Nacional de Esportes do Governo Collor e editou uma lei obrigado todos os clubes, em um determinado prazo, a se transformarem em empresas.

Já pensou amigo vascaíno: um mesmo empresário compra o Vasco e o Flamengo, faz uma pesquisa de mercado e conclui que o melhor em termos mercadológicos é fundir os dois clubes? Eu, particularmente, em um caso destes, vou pra luta armada, mas é bom parar por aqui pois o atual presidente do Vasco, se ler este artigo, é capaz de considerar uma boa ideia.

Voltando ao assunto original: quem foi que levantou a voz, naqueles tempos trovejante, a denunciar e combater este absurdo, até que ele fosse revogado? Ele, mesmo, Eurico Miranda.

Desde então Eurico virou inimigo juramentado da mídia, esta mesma mídia esportiva nutella que ajudou a acabar com o Maracanã através da exaltação das arenas. Mídia esportiva do 7 x 1, formada por pessoas que, em sua maioria, se jogaram bola alguma vez na vida foi no condomínio com seguranças e babás assistindo. Gente que se você perguntar se assistiu um jogo na geral é bem capaz de te processar por injúria.

“Quer dizer então, caro articulista, que a morte redimiu Eurico Miranda?”, indagará de novo o leitor que, hoje, convenhamos, está um tanto provocador.

Não, as críticas que eu tinha ao Eurico que me fizeram militar na oposição vascaína permanecem, ao meu ver, justas, apenas tento não enxergar a vida e as pessoas como uma tábua rasa, despida das contradições que lhes são inerentes. Também tento não agir como falsos moralistas, ultimamente tão em moda, sempre com o dedo em riste a apontar para as supostas imoralidades alheias, julgando a tudo e a todos com métricas que em nenhum momento usam para si mesmos.

Eurico foi sim, uma figura contraditória, com virtudes e muitos defeitos, alguns deles graves e que redundaram em prejuízo ao Vasco que ele tanto amava. Contudo, uma coisa é certa, ele é uma figura impossível de ser avaliada por parâmetros simplistas ou preconcebidos e deixa seu nome marcado na história do Vasco e do futebol brasileiro.

De minha parte, durante os anos áureos de Eurico Miranda, era comum encontrar torcedores rivais que, mordidos diante das vitórias do Vasco, sem mais nada para falar, encontravam uma única saída: “E o Eurico Miranda, hem? Que vergonha…”. Para estes, minha resposta, que tinha o único objetivo de deixar o sujeito ainda mais irritado, era sempre a mesma: “Eurico Miranda não, mais respeito, para você é Eurico Ângelo de Oliveira Miranda”.

Em janeiro de 2018, por uma eventualidade eu estava sozinho na sala da presidência do Vasco usando um computador disponível. Era o dia da posse da nova diretoria administrativa. Eurico apareceu do nada, vindo do elevador privativo. Olhou para mim com cara de zangado. Expliquei, apressado, que o Grande Benemérito Ricardo Vasconcellos havia me autorizado a usar aquele computador. Ele não foi pra sua mesa. Puxou uma cadeira e sentou do lado da mesinha de trabalho em que eu estava. Depois de um curto silêncio ele falou: “só dormi três horas esta noite”. Soltei um burocrático: “É mesmo, presidente?”. Já haviam se passado dezoito anos desde a última vez em que eu tinha estado com Eurico em uma conversa. Ele estava acostumado a receber, semanalmente, talvez uma centena de pessoas, mas para minha surpresa, pergunta, do nada: “continua comunista?”. Eu ri e disse que sim. Ele então, também rindo: “Você e o (Grande Benemérito) Luís Fernandes, os comunistas do Vasco”. Daí a pouco ele se levantou e foi para sua mesa. Igualmente me levantei, me despedi e saí do recinto. Encontro uma pessoa que pergunta se havia alguém na sala da presidência. Sem pensar, respondi, com certa solenidade: “Sim, Eurico Ângelo de Oliveira Miranda”.