Jurista afirma que ampla defesa é questão civilizatória

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda não concluída, sobre alegações finais, "é óbvia e só existe esse debate devido ao quadro autoritário que vivemos", diz jurista e professor da PUC-SP, Pedro Serrano. Para ele, revelação de Rodrigo Janot, de que pretendia matar Gilmar Mendes,"é trágica, porque mostra como o país está".

Pedro Serrano - Foto: Guilherme Santos/Sul21

A decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que, nesta quinta-feira (26), formou maioria (7 votos a 3) a favor de que réus delatados devem falar por último nas alegações finais, nos processos da operação Lava Jato em que foram objeto de delação premiada, “é uma decisão óbvia”. “Só existe esse debate devido ao quadro autoritário que vivemos no país. É evidente que, se alguém delata, está acusando um outro, e o acusado tem que saber da acusação para se defender. Isso é de uma obviedade imensa”, diz o jurista Pedro Serrano.

Para ele, consequentemente, a polêmica em torno do julgamento do Habeas Corpus 166.373 se deve ao fato de o Brasil estar em um momento em que não há normalidade em relação ao processo penal. “Se houvesse, não haveria nem debate. Não deveria haver dúvida.” Na decisão até agora conhecida, o tribunal só reconheceu a obviedade “para que o sistema de justiça brasileiro não seja ridicularizado no exterior, como já está sendo em algumas questões”.

Serrano afirma que achou interessante o voto do ministro Alexandre de Moraes, por mostrar indiretamente que o julgamento não trata de uma questão formal, como alguns defendem, afinal, o que está em discussão são os princípios da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório.

“Não é uma formalidade – continua o jurista –, é uma questão civilizatória, um marco civilizatório. Não há norma jurídica mais relevante do que esse tipo de norma. Significa que o sujeito tem que saber do que ele é acusado para se defender.”

Em seu voto, Moraes declarou que esses princípios são indissociáveis da República. “Não há Estado de direito sem devido processo legal, ampla defesa e contraditório.” Na opinião de Serrano, defender o contrário é kafkiano. “Isso só é burocracia para quem quer condenar a priori, sem levar em conta a defesa ou que pode cometer uma injustiça.”

Quem defende teses contra os princípios, acrescenta, age “de maneira primitiva, de forma irracional e anticivilizatória contra um direito fundamental.” O entendimento expresso por Moraes “é pacífico no processo penal contemporâneo moderno e civilizado”, observa o jurista. Em seu voto, o ministro notou que, na Suprema Corte dos Estados Unidos e no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, esse entendimento é consolidado.

O Supremo adiou a conclusão do julgamento para 2 de outubro, quando vai esclarecer a abrangência da decisão. “Temos que aguardar. Não está claro qual o universo de processos que vai ser atingido. Eu creio que vão ser poucos.” O ministro Dias Toffoli anunciou sua posição favorável à tese vencedora, mas ressalvou que imporá “limitações” em seu voto.

Serrano acredita que o STF já deveria ter declarado nulos todos os processos em que houve desrespeito à ampla defesa, estendendo a decisão para todos eles. “Mas o Supremo é tímido e creio que não vai deixar de ser. Deve criar critérios e reduzir a decisão a poucos casos.”

Especialista em Direito Constitucional, Serrano vê um movimento em que uma parte relevante da sociedade – especialmente a classe média – começa a perceber que, apesar de o combate à corrupção ser correto, houve muito abuso nos processos. “Você não pode ter juiz com intenção política, procurador agindo politicamente. Uma parte da sociedade vai reconhecendo isso, mas é ainda muito tímido, um movimento que pode sofrer um refluxo a qualquer hora. Não há nada a comemorar.”

Rodrigo Janot

Na opinião de Serrano, a revelação do ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, de que chegou a ir armado ao STF com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes “foi uma intempestividade”. “Não tem nenhuma racionalidade no que ele falou. Foi infeliz. Não é um bom exemplo democrático a dar à sociedade o ex-procurador geral da República falar que ia armado ao Supremo matar o ministro.”

O episódio é visto por alguns como dramático, por outros como trágico ou mesmo cômico. Para o jurista, ele é trágico. “Porque mostra como o país está. Não se faz esse tipo de revelação íntima por nenhum interesse, nem o de vender livro. As pessoas têm que reaprender a ideia da responsabilidade republicana”, diz.

“Quem ocupa cargos relevantes de poder, antes do poder tem um dever. No Estado democrático de direito, o poder vem amalgamado à noção de dever. Não existe poder sem dever”, conclui.