Ricardo Lewandowski diz que presunção de inocência é cláusula pétrea

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski diz que a Constituição de 1988 no seu artigo 60, parágrafo 4º, definiu como cláusulas pétreas o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Para ele, a presunção de inocência, com toda a certeza, integra a última dessas cláusulas.

Por Iram Alfaia

“Daí a relevância da presunção de inocência, concebida pelos constituintes originários no artigo 5°, LVII, da Constituição, com a seguinte e cristalina dicção: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória’, o que, a toda a evidência, subentende decisão final dos tribunais superiores”, defendeu.

No seu voto, que considerou procedente as Ações Declaratórias Constitucionais (ADcs) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do PCdoB e do Patriota, que pedem a constitucionalidade do artigo 283 do Código do Processo Penal (CPP) pelo qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, Ricardo Lewandowski diz que o artigo da CPP está plenamente compatível com o artigo 5º, inciso LVII, da Carta.

Com base nesse argumento, o ministro explicou que aos juízes não é permitido por meio da interpretação acabar ou minimizar a presunção da inocência, pois “esbarrariam nos intransponíveis obstáculos das cláusulas pétreas, verdadeiros pilares de nossas instituições democráticas."

“Mesmo aos deputados e senadores é vedado, ainda que no exercício do poder constituinte derivado do qual são investidos, extinguir ou minimizar a presunção de inocência, plasmada na Constituição de 1988”, alertou.

Segundo ele, a presunção da inocência foi concebida como um antídoto contra a volta de regimes ditatoriais, como a ditadura militar de 1964. “Sequestros, torturas, desaparecimentos e o encarceramento sistemático de dissidentes políticos eram praticados sob as vistas de um Judiciário emasculado pelos atos de exceção, quando não complacente com os desmandos”, lembrou.

Antes de proferir seu voto, Lewandowski diz que ao ser empossado no STF, em 16 de março de 2006, assumiu o compromisso de cumprir a Constituição e as leis, sem concessões a opinião pública ou publicada e nem a grupos de pressão.

“E desse compromisso jamais me desviei e não posso desviar-me agora, pois tenho o inequívoco dever, sob pena inclusive de prevaricação, de dar estrito cumprimento à vontade do legislador constituinte e ordinário, especialmente quando o texto normativo não comporta, como é o caso dos autos, qualquer margem de interpretação”, afirmou.

Retrocesso jurisprudencial

O ministro afirmou que, num país em que aproximadamente 17 mil juízes são responsáveis por 100 milhões de ações, não se pode desconsiderar a possibilidade de erros judiciais, o que confere ainda mais relevância ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Lewandowski enfatizou que os desdobramentos decorrentes do julgamento do Habeas Corpus 126292, quando o STF passou a permitir a prisão após segunda instância, resultaram num enorme número de prisões decretadas de forma automática.

Para ele, esse julgamento configurou um “retrocesso jurisprudencial”, pois a presunção de inocência foi concebida como antídoto contra a volta de regimes ditatoriais. Para ele, a Constituição de 1988 não é uma ‘mera folha de papel’ que pode ser rasgada sempre que contrarie as forças políticas do momento.