Consequências desastrosas da “reforma” trabalhista

Nossa avaliação da reforma trabalhista não é positiva, diz procurador-geral do MPT. Para Alberto Balazeiro, ações na Justiça do Trabalho caíram, mas há ‘carga de demanda reprimida’

HYNDARA FREITAS

Alberto Balazeiro

Alberto Balazeiro assume como novo procurador-geral do Trabalho / Crédito: Humberto Filho/MPT
Alberto Bastos Balazeiro assumiu o Ministério Público do Trabalho (MPT) para uma gestão de dois anos no dia 22 de agosto, após receber 563 votos internamente e ser o primeiro colocado na listra tríplice para o cargo. O novo procurador-geral quer tornar as ações do MPT mais efetivas, e promete diálogo com o Executivo, o Legislativo e Judiciário.

Procurador do Trabalho desde 2008, Balazeiro é baiano e já ocupou o cargo de diretor de assuntos legislativos da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e foi chefe do MPT na Bahia entre 2013 e 2017. Antes de ser indicado para comandar o Ministério Público do Trabalho, Balazeiro ocupava o cargo de diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União.

Em sua visão, a Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, não gerou os empregos que prometia nos dois anos de sua vigência, e o país só viu aumentar a informalidade. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), divulgada no dia 31 de outubro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a informalidade atingiu recorde da série histórica, iniciada em 2012, chegando a 41,4% da força de trabalho ocupada no Brasil.

Houve, sim, diminuição no número de ações ajuizadas – mas na visão do novo PGT, isso não significa diminuição na litigiosidade. “O efeito principal que eu vejo é uma redução de demanda, mas ainda nos parece, apesar da redução de ações, que não houve queda da litigiosidade. Na verdade está se criando, perigosamente, uma carga de demanda reprimida”, disse.

O PGT ainda diz se preocupar pelo aumento dos trabalhos gerados por aplicativos, como entregas e transporte de passageiros. “Esse cara da bicicleta, ele não é dono da bicicleta, ele não é dono da comida, ele não é empregado da empresa que faz comida nem da empresa que presta serviço. Ele é o quê? É esse tipo de emprego que queremos atrair para o Brasil?”, questiona.

Confira a íntegra da entrevista:

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Quais são as principais frentes de trabalho da sua gestão?

O maior desafio aqui é tornar a atuação mais efetiva e resolutiva. A gente teve uma reforma trabalhista recente, e esse cenário aprofundou um debate que já existia na categoria que é o debate de como tornar a nossa atuação mais efetiva. É aquela história: vale mais a pena atuar no atacado ou no varejo?

A ideia é que o maior debate nosso no momento, e é nisso que vai se centrar a nossa gestão, é fortalecer a atuação do MPT em projetos que tragam formas de você medir resultados e devolver à sociedade o que ela investe. Para poder estruturar esses projetos e essa mudança na forma de atuação, a gente está apertando a gestão.

A gente vive uma realidade em que as instituições públicas, principalmente o Ministério Público, após a emenda constitucional 95, sofrem restrições financeiras, então decidir onde investir faz parte da própria lógica do projeto. É melhorar a gestão para melhorar a atuação. Por fim, o último eixo que a gente está entrando como prioritário é a imagem: como as instituições de Justiça e o Ministério Público do Trabalho por vezes sofrem ataques, sempre injustos, a gente precisa ter uma melhor projeção para a sociedade.

Com mais resultados, eu consigo demonstrar melhor à sociedade o quanto a gente devolve, o quanto a gente realiza de prestação de serviços. Mais operações de combate ao trabalho escravo, mais operações de combate ao trabalho infantil, regularização das condições de trabalho no setor público, promoção da liberdade sindical, enfim, tornar mais efetivas as nossas áreas de atuação prioritárias.

O presidente Jair Bolsonaro, em um de seus primeiros pronunciamentos após tomar posse, disse ser a favor do fim da Justiça do Trabalho. E de tempos em tempos o tema vem à tona com projetos de parlamentares. Como o MPT vê essas ameaças?

A nossa atuação é sempre voltada ao diálogo, para reconhecer os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e tendo nesta tônica temos procurado abrir espaço seja com este ou com qualquer outro governo. Por outro lado, a gente sabe que a instituição Ministério Público é essencial. O próprio artigo 127 da Constituição reconhece essa essencialidade, o que torna uma ideia de eventual extinção, algo que nem se cogita como real.

Todavia, para poder debater qualquer tipo de mudança, a gente tem que debater a eficiência. Reforçar a eficiência como forma também de abrir canais de diálogo. A nossa atuação é técnica, de defesa de um direito social, e isso continua em qualquer governo. O que a gente procura é abrir canais de diálogo para poder esclarecer quanto a isto. Também é papel nosso não ter uma instituição de portas fechadas.

A nossa defesa de direitos sociais exige diálogo. Então, precisamos dialogar até para poder demonstrar nossas posições. E, a partir daí, o convencimento, eventuais correções de um lado ou de outro, mas sempre avançando.

Um dos primeiros atos de Bolsonaro foi a extinção do Ministério do Trabalho, transformando-o em secretaria. Houve algum impacto negativo?

Nossa preocupação em relação a este tema é em relação a uma possibilidade de enfraquecimento da fiscalização. Há até uma ADI no Supremo examinando essa extinção. Nós temos mantido contatos constantes com o secretário Rogério Marinho, há um debate sobre normas regulamentadoras (NRs), há um debate sobre eventual mudança da legislação, mas a nossa preocupação é que a fiscalização não esmoreça, que não haja redução da capacidade do Poder Executivo de fiscalizar.

Mas já foi observada alguma diminuição nessa fiscalização?

De alguma maneira, como há uma redução das estruturas, há uma tendência a que se verifique essa redução. Inclusive o próprio debate das NRs é prejudicado, por exemplo. Já de algum tempo, eu quero também registrar, que há um desmonte histórico do Ministério do Trabalho e Emprego, não é um desmonte só na extinção do ministério. Isso aprofunda um processo que já vinha em curso. A carreira tem um número imenso de auditores fiscais aposentados cujas vagas não foram repostas, inclusive tinha uma ação civil pública nossa, antiga, na região Norte, que visava obrigar a realização de concursos para ajudar a estruturar o Ministério do Trabalho.

Muitas das nossas destinações de TACs [termos de ajustamento de conduta] e de ações civis públicas ajudaram a estruturar órgãos de fiscalização. Então há um desmonte que se aprofundou com a extinção e a nossa preocupação é não reduzir a fiscalização. Esse é o mote. O nome que se dê, o local onde esteja, o que importa é valorizar uma carreira que é uma carreira de Estado. A auditoria fiscal do trabalho é uma carreira de Estado, não de governo. E é uma carreira que tem muitos serviços prestados.

A reforma trabalhista completou dois anos recentemente. Quais as principais mudanças que podem ser observadas nas relações de trabalho e na Justiça do Trabalho?

O MPT tem uma posição institucional contrária ao texto da reforma que foi aprovada. Embora a gente precise ter uma série histórica para fazer uma avaliação – inclusive há uma pesquisa sendo realizada pela Escola Superior do Ministério Público da União tratando dos efeitos provocados, a relação de causa e consequência – o que a gente verificou até agora é que há dois tipos de situação.

Primeiro, a guerra da comunicação. Com a reforma, vendeu-se uma ideia de que se pode tudo. Por exemplo, a terceirização. Agora você pode demitir seu empregado e contratar um terceirizado? Isso é falso. Porque isso não é terceirização. Se eu demito um empregado e continuo dando ordens a ele, continuo pagando o salário dele, isso não é terceirização. Isso é intermediação ilícita de mão de obra: isso é fraude. Isso, com reforma ou sem reforma, continua sendo vedado. Só que a comunicação não foi feita devidamente.

O segundo ponto que preocupa a gente é o crescimento da informalidade. As últimas pesquisas estão demonstrando um acréscimo da informalidade. Então até agora não se verificaram, ao menos matematicamente, os resultados. Os empregos não foram gerados pela reforma. Porque eu sempre identifico que a reforma de qualquer tipo de legislação trabalhista não é, por si só, o que faz aumentar nem empregabilidade, muito menos o crescimento econômico. O que faz movimentar a empregabilidade é o ciclo econômico. Até porque, isso os empregadores com maior carga de pesquisa conseguem identificar, quem compra é quem ganha. Se o empregado tem um salário menor ou condição precarizada, ele não compra. E o empresário não produz. E aí começa a cadeia inteira. A nossa avaliação destes dois anos não é positiva.

E quais foram as mudanças principais na Justiça do Trabalho?

As pesquisas identificaram uma queda no número de ações. A nossa preocupação é que a queda nesse número de ações seja algo artificial. Uma coisa é reduzir porque diminuiu a litigiosidade, outra é diminuir o número de ações porque se está vedando o acesso à Justiça. A questão da sucumbência na Justiça do Trabalho fez com que as pessoas tivessem receio de ingressar em juízo.

É aquela história. Quando eu era criança, adolescente, não existia juizado. Mas a briga deixava de existir? Ela existia, mas as coisas eram resolvidas de outra maneira, inclusive no insulto pessoal, com troca de socos. Hoje em dia, quando uma operadora de celular não funciona a gente não vai trocar um soco com o vendedor, a gente vai no juizado. Então, quando você veda o acesso, você faz com que a demanda fique reprimida. É o que está acontecendo e esse é um efeito sentido aqui no Ministério Público.

Há situações que demandam provas, e provas delicadas. Por exemplo, assédio sexual e assédio moral. Ação de assédio sexual e assédio moral, basicamente, é feita a partir de testemunhas, é uma prova tênue. Como é uma prova muito tênue, você tem um risco de perder maior, concorda? Se a prova é difícil, o risco de perder a ação é maior. Reduziram-se as demandas judiciais desse tipo de ação. E as denúncias estão vindo para onde? Para o Ministério Público do Trabalho, que não tem risco de sucumbência. Então o efeito principal que eu vejo é uma redução de demanda, mas ainda nos parece, apesar da redução de ações, que não houve queda da litigiosidade, na verdade está se criando, perigosamente, uma carga de demanda reprimida.

Lembrando que uma carga de demanda reprimida não traz estabilidade judicial. Subindo para o macro, aqui os empregados não vão trocar murro com os empregadores, mas vai afetar a estabilidade social.

Quais as matérias trabalhistas mais importantes que estão no Supremo Tribunal Federal?

Tem muitas matérias no Supremo, principalmente sobre a reforma trabalhista. Mas uma especial é um recurso de repercussão geral que trata, inicialmente, da questão das horas in itinere e que o ministro Gilmar Mendes ampliou bastante. Este recurso é, no momento, o que mais preocupa porque ele trata sobre sindicalismo, reforma sindical, contribuição, porque trata sobre os limites do poder negocial. A norma coletiva trata da troca de benefícios. Esse tema eu classificaria hoje como o mais importante.

Há outros temas como a questão indenizatória, que é a limitação pelo salário para efeitos de indenização por dano moral, que é uma aberração. Isso gera efeitos graves. O caso de Brumadinho é bizarro. O refeitório ficava embaixo da barragem.

Se você imaginar que essa reforma criou um tipo de indenização por dano moral por salário, ocorre que se eu estivesse passando e morresse, geraria uma indenização cível, alta. Se eu sou empregado e estou sob a responsabilidade da empresa, eu recebo menos do que uma pessoa que está passando na rua. Sabe o que acontece? Os familiares das pessoas que morreram, trabalhadores, estão dizendo que o empregado estava ali passando na hora, e não trabalhando. É melhor dizer ‘estava passando ali’ do que que era empregado. Isso é uma coisa inconcebível.

A indenização civil é maior do que a trabalhista, sendo que a trabalhista é para o hipossuficiente. Isso é uma ficção legal que não pode produzir bons resultados.

Nos últimos anos, com o aumento da informalidade, houve um crescimento expressivo nos trabalhos por meio de aplicativos de transporte e entrega. Essa é uma questão que preocupa o MPT?

É uma área que preocupa muito. A gente não é contra a tecnologia, o Ministério Público do Trabalho não é contra o progresso nem contra nenhum tipo de atividade. O que a gente é contra é a uma pessoa passar 12 horas dentro de um carro dizendo que não é empregado, sem poder ir para casa. As equações só são boas quando todo mundo ganha. A situação pior é daquele cidadão na bicicleta. Aquilo me incomoda profundamente. Eu não peço comida daquilo.

Eu também não vou na loja daquela marca espanhola porque tem trabalho escravo. Eu não vou, não compro nada de jeito nenhum, porque tem trabalho escravo na cadeia. Uma roupa sai 5 reais e o cara vende por 500. Não pode estar certo, isso não é mais-valia, isso é desumano. Esse cara da bicicleta, ele não é dono da bicicleta, ele não é dono da comida, ele não é empregado da empresa que faz comida e nem da empresa que presta serviço. Ele é o quê? É esse tipo de emprego que queremos atrair para o Brasil,é esse tipo de renda? É isso que a gente quer para o Brasil? Então o debate é muito mais profundo, o debate é: que tipo de país nós queremos?

Uma vez eu vi um artigo de um historiador num jornal, ele dizia o seguinte: que o Brasil precisa de atividades degradantes para as pessoas receberem dinheiro e terem renda. Quando a gente fala uma frase dessa, que é uma frase bizarra, significa dizer o seguinte: nós queremos um Brasil de terceiro mundo. O debate quando se faz uma afirmação desse tipo, que precisamos de trabalho degradante, é que queremos um país degradado.

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HYNDARA FREITAS – Repórter