Reforma do ensino médio: inclusão ou exclusão

Para implantar uma mudança no ensino médio é necessário debate amplo com a sociedade, movimentos sociais e instituições de ensino para encaminhar a melhor solução de educação pública, gratuita e de qualidade que vise a oportunidade igualitária do jovem em seu processo de formação enquanto cidadão.

A Reforma do Ensino Médio encaminha uma mudança na forma de aprendizagem do estudante, sendo a alteração intitulada como Novo Ensino Médio e o primeiro passo para compreendê-la é saber que sua origem foi através de uma Medida Provisória (MP) número 746/2016 em vez de um Projeto de Lei (PL). Qual a diferença? Uma MP pode ser rapidamente aprovada, uma vez que não requer discussão com a sociedade. O Projeto de Lei requer mais tempo por ocorrer um processo de escuta e construção coletiva junto a organizações, sociedade civil até chegar a um melhor produto que atenda as demandas da população para ser aprovado no parlamento. Sem ampla participação popular, a MP 746/2016, tempo depois, foi aprovada no Senado sob a forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 34/2016.

Registra-se o breve histórico para esclarecer e denunciar a ausência de diálogo com a sociedade. Não houve ampla participação dos profissionais da área da educação, movimentos sociais, pais e ou responsáveis, até mesmo os estudantes que sentirão diretamente as mudanças propostas. Temos consciência política e somos convictos de que a escola é o espaço de formação de cidadão, logo é necessário evidenciar quais consequências a reforma do ensino médio trará para a construção do sujeito. Lutamos por uma educação que contribua para a formação do sujeito ativo com consciência crítica, autor da sua história e preparado para o exercício pleno da cidadania e o que a reforma nos propõe, desde a sua constituição, é a formação de sujeitos submissos e alienados por uma educação voltada, em grande parte, para produção de mão de obra barata para mercado de trabalho.

A ideia não é ser contra uma reforma educacional, sabemos que precisamos de uma que possa garantir os direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, ou seja, educação pública, gratuita e de qualidade. Todavia, o que vemos nesta reforma não atende aos anseios e desafios que vivenciamos no chão da escola. Além disso, a metodologia de implementação das alterações propostas é impositiva e pouco adequada ao contexto escolar atual. Sem dúvida, alterações como a ampliação de carga horária escolar, educação à distância, inserção de iniciação científica não são fatores negativos. Combatemos a forma equivocada de inserir tais alterações no sistema de ensino. Para esclarecer o que entendemos como equívoco, podemos citar a ausência da infraestrutura necessária para tais mudanças e que são essenciais para qualidade da aprendizagem.

A reforma, denominada Novo Ensino Médio, traz a inserção de medidas que são preocupantes. Iniciaremos pela forma abrupta de implantação que contraria a exigência de amadurecimento para que ocorram mudanças em um processo educacional. Conforme PLV 34/2016, art. 1º, parágrafo 1º observa-se que “no prazo máximo de cinco anos, tenha pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir da publicação desta lei (ano 2016)”. Entretanto o governo baiano, ao ampliar a carga horária de 2400 para 3000 horas, não percebeu que isso acarreta transtorno para o interior e zona rural da Bahia. Sabemos que, em muitos municípios, o transporte escolar assiste as redes municipais e estaduais. A incompatibilidade de horários entre os horários de início e término das aulas podem comprometer a frequência dos alunos das escolas estaduais. Estamos cientes que o governo do estado propõe assegurar a frequência, afirma que essa ampliação se dará por meio da inclusão de algumas aulas EAD e ou pesquisas (como a denominada projeto de intervenção social). Acerca de aulas EAD, é necessário lembrar a realidade do povo baiano, principalmente da população de zona rural que tem dificuldade de acesso à rede, salientamos que as unidades escolares estaduais possuem conexão frágil. Em relação à pesquisa, pautar o estado que tenha uma agenda intensificada para formação de professores nesse contexto, por ser algo ainda tímido dentro das escolas.

Cabe novamente lembrar que o prazo máximo para a efetivação, conforme a lei, é de cinco anos, ou seja, até 2021. Sendo assim, precisamos verificar a viabilidade e a efetividade da implementação do Novo Ensino Médio ainda este ano, conforme declara o calendário da Secretaria da Educação da Bahia. Precisamos enfatizar que as alterações estruturais propostas podem intensificar as desigualdades socais quanto ao acesso à educação e à garantia de um processo ensino-aprendizagem de qualidade. É urgente aprofundar o diálogo e escuta com o corpo docente, discente, Conselho Estadual de Educação, Fórum Estadual de Educação, Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB) e outros setores que constroem e pensam a educação no estado.

Outro aspecto a ser considerado, encontra-se no artigo 4º ao falar que “o currículo do ensino médio será composto pela Base Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares”. Segundo o que é descrito nos parágrafos deste artigo, o ensino médio apresentará 60% dos conteúdos comuns a todos os estudantes, enquanto 40% restante será destinado ao itinerário formativo escolhido pelo estudante entre as cinco áreas que deseja se aprofundar (Ciências Humanas, Ciências da natureza, Matemática e suas linguagens, Português e suas linguagens ou Educação profissional).

Lamentavelmente, no contexto atual, as oportunidades de escolhas que o Ministério da Educação tem vendido e pronunciado, não será uma realidade para os estudantes. Muitos irão encontrar escolas sem os itinerários que gostariam de escolher. Muitos municípios baianos possuem apenas uma escola de ensino médio ou unidades escolares com dimensões físicas e o quantitativo de profissionais que restringem a oferta de itinerários. Tal condição pode ocasionar a disponibilidade de itinerários que não dialogam com a demanda do mercado de trabalho e ou que dificultem continuidade dos estudos para o ensino superior na região.

Oportuno falarmos que os conteúdos que irão compor o Novo Ensino Médio são os direcionados pela Base Comum Curricular (BNCC). Ela regulamenta quais são as aprendizagens essenciais a serem trabalhadas nas escolas brasileiras, sejam públicas ou particulares, nas três etapas da educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Embora a BNCC direcione as aprendizagens, ressaltamos que pesquisadores, educadores e movimentos sociais discordam quanto às aprendizagens estipuladas pela Base. Dermeval Saviani, no livro Escola e democracia (1999, p.66) afirma que “o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam” o que torna essencial saber quais aprendizagens são propostas pela base para formar um cidadão conectado com seu contexto histórico, dominando o conteúdo necessário para um exercício revolucionário da cidadania e transformação social.

Um último aspecto a ser abordado encontra-se no artigo 3, parágrafo 6 do Projeto de Lei abordando que “a União estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, a partir da Base Comum Curricular (BNCC)”. Consideramos ser grave a União estabelecer esses padrões. É preciso debater qual o padrão básico do ensino médio que garantirá a equidade educacional para todo jovem. Esclarecemos que padrão não significa a homogeneidade, mas sim garantias iguais de acesso à educação, bem como garantias de permanência. Resguardadas essas garantias, pode-se em seguida realizar uma avaliação justa das redes de ensino. Caso contrário, continuaremos a cristalizar as desigualdades, classificando as escolas como melhor ou pior sem reconhecer a necessidade de melhor investimento federal na escola pública para que o problema não seja transferido para as redes estaduais e municipais de ensino.

Implantar uma mudança no ensino médio não pode ser de forma solitária. É necessário debate amplo com a sociedade, movimentos sociais e instituições de ensino para encaminhar a melhor solução de educação pública, gratuita e de qualidade que vise a oportunidade igualitária do jovem em seu processo de formação enquanto cidadão. Não podemos aceitar o sucateamento do ensino nas escolas públicas. Enquanto a realidade das escolas privadas é de ampliação da carga horária presencial, internet, robótica, salas com o mínimo de infraestrutura para dar conta do Novo Ensino Médio. Como vemos, a configuração da reforma intensifica cada vez mais as desigualdades sociais e exclui o povo, as massas, o trabalhador dos seus direitos garantidos pela constituição brasileira. Desta forma, é necessário que as organizações, conselhos, fóruns, sindicatos, estudiosos da educação estreitem cada vez mais os laços para a organização de uma agenda de debate e alternativas em defesa da educação de qualidade para todos.

Juliana Campos é pedagoga e especialista em Orientação Educacional, pós- graduanda em Docência do Ensino Superior, vice-diretora da rede estadual de ensino e membro do Fórum Estadual de Educação da Bahia