Combustíveis: alterar a política para baixar os preços

Abstraindo os fatores que diferenciam as situações de 2018 e de 2020, numa comparação simplificada, sob a ótica dos preços, podemos dizer que o quadro atual já é pior do que o existente quando a grande greve dos caminhoneiros começou

Fato gerador da crise é nova política de preços da Petrobras

Os preços dos combustíveis têm aumentado de maneira geral. Entre setembro e novembro de 2019, por exemplo, houve dez altas consecutivas. O ano terminou com a gasolina 28% mais cara e o diesel 19%. (O Globo, 28/11/2019). 

Como houve queda das cotações internacionais do petróleo, nesses quase dois meses de 2020, houve quatro reduções de preços nas refinarias. Mas, computando tudo, o preço do diesel nos postos chegou a R$ 3,80 / litro, em 25 de janeiro passado, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), valor que, depois, caiu um pouco.  

Em 21 de maio de 2018, quando começou a grande greve dos caminhoneiros (da qual participou também, ilegalmente, empresas distribuidoras), o preço do diesel vinha numa escalada ascendente e chegara aproximadamente a R$ 3,70. 

Abstraindo os fatores que diferenciam as situações de 2018 e de 2020, numa comparação simplificada, sob a ótica dos preços, podemos dizer que o quadro atual já é pior do que o existente quando a grande greve começou.  

O problema tem repercutido. Todos falam em querer abaixar o preço dos combustíveis. Ideias de como fazer isto têm sido levantadas.   

Bolsonaro apresentou logo uma. Em seu estilo tosco e fanfarrão, sapecou no portão do Palácio da Alvorada: “Eu zero o imposto federal se os governadores zerarem o ICMS”, os seja, desafiou os governadores a dispensarem o Imposto de Circulação das Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis, caso em que ele abriria mão dos impostos federais, o PIS e o PASEP, o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, além do COFINS, que é a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social. 

A 11 de fevereiro passado, o Fórum de Governadores considerou essa proposta “populista e irresponsável” (Correio Brasiliense 06/02/2020).  

Na verdade, Bolsonaro deu vazão a uma bravata inconsistente. Os governos estaduais não têm condições de abrir mão do seu ICMS sobre combustíveis, nem o governo federal (que Bolsonaro chama de “eu”) pode abrir mão do PIS/PASEP e do COFINS.  

O ICMS sobre combustíveis é responsável por aproximadamente 20% da arrecadação do ICMS de cada um dos estados. O diretor do Comitê de Secretários de Fazenda (Comsefaz), André Horta, estima que a arrecadação de ICMS, somente sobre a gasolina, chegará a R$ 60 bilhões para o conjunto dos entes federados em 2020. 

Por força de dispositivo constitucional, 25% desse ICMS são destinados aos municípios e não são vinculados a despesas, o que é fundamental para os municípios pequenos e também para os grandes. Em São Paulo, por exemplo, esse tributo financia os gastos com USP, Unesp e Unicamp. 

O PIS/PASEP e o COFINS recolheram R$ 24,604 bilhões em 2019, quantia que chegou a R$ 27,402 bilhões se acrescentarmos a parte de R$ 2,798 bilhões da CIDE (G1, 05/02/2020). Claro que dispensar esses recursos criaria enormes problemas para a administração pública, já em dificuldades. 

Sem nenhum apoio, Bolsonaro passou a fazer variações de seu palpite. Disse que o ICMS do combustível seria cobrado nas refinarias, e não nas bombas; que a legislação seria mudada por uma Lei Complementar e que o ICMS teria um valor fixo por litro de combustível. 

No citado Fórum dos Governadores em Brasília, Paulo Guedes tranquilizou a todos. Disse que qualquer medida mais abrangente para o caso só a longo prazo, no bojo de uma reforma tributária e de um novo pacto federativo; que “a fala do presidente deve ser entendida como um apelo e um chamamento para que o tema da tributação seja enfrentado pelo país” (Correio Brasiliense, 12/02/2020). Nada mais.  

O blindado fato gerador da crise

É incrível como, em todo esse processo, discute-se tudo menos o fato gerador da crise dos preços altos nos combustíveis no Brasil, que foi a “nova política de preços da Petrobras”, chamada de Paridade de Preços Internacionais, PPI, implantada no dia 14 de outubro de 2016, sob os auspícios do presidente da empresa Pedro Parente, indicado por Michel Temer. E por que essa “nova política”, não é discutida? Porque reflete a orientação do Fundo Monetário Internacional, o FMI.

A “nova política” é o desdobramento de três movimentos em curso no Brasil: o aumento da exportação do óleo bruto, a redução do refino no Brasil e o crescimento da importação de derivados.

Para que o produtor estrangeiro dos derivados possa ser regiamente pago, é vital que seus produtos aqui vendidos o sejam por preços elevados, inclusive os derivados de óleo produzido e refinado aqui no Brasil, a preços bem menores que os internacionais. 

O objetivo da “nova política” é justamente nivelar os preços dos combustíveis vendidos no Brasil aos internacionais, reajustando-os, se necessário, até diariamente. 

Desde que essa “nova política” foi aplicada, os preços dos combustíveis subiram assustadoramente e este foi o fator decisivo, não único, que levou à greve dos caminhoneiros de 2018. 

O governo Temer, no sufoco, aceitou alterar a periodicidade dos reajustes, criou subsídios, definiu prazos para acomodar insatisfações, mas proclamou que não alteraria a política. Mexeu no acessório, não no essencial.    

A deformação do setor petrolífero brasileiro cresceu. A exportação do petróleo, que chegou a 100 milhões de barris em 2005, ultrapassou 350 milhões em 2017. Nossas refinarias, que têm capacidade para refinar 2,5 milhões de barris/dia, estão processando 1,6 milhão. Importamos 15 milhões de barris de óleo diesel em 2005, 80 milhões em 2017; 5 milhões de barris de GLP (o gás de cozinha) em 2005, 20 milhões em 2017. Enquanto no passado exportamos gasolina, importamos 28 milhões de barris em 2017. O etanol, criação brasileira, está sendo em grande parte importado dos Estados Unidos, que o produz a partir do milho.

Configura-se no setor de combustíveis um sistema neocolonial: exportamos cada vez mais matéria-prima, petróleo; refinamos aquém do possível; importamos cada vez mais derivados, o produto que exportamos, depois de refinado no exterior.

Nossos preços internos foram indexados a dois fatores externos, as cotações do petróleo e do dólar. Na época da greve de 2018, os dois subiram ao mesmo tempo, os preços dos combustíveis dispararam e a greve parou o país. O mercado interno de combustíveis já estava dolarizado. 

Essa política não reflete os interesses do Brasil. Os problemas que cria não são superados com paliativos, como mudanças na periodicidade dos ajustes, nem na taxação maior da gasolina que do diesel, nem com subsídios para alguns setores. A política errada, que já parou o Brasil e que continua a ameaçá-lo, precisa ser alterada. 

A mudança necessária deve ser feita sem penalizar a Petrobras, sem cortes de impostos que sacrificariam serviços à população, sem benefícios fiscais a setores favorecidos e sem subsídios que oneram o caixa da República. 

Propostas que alteram a política e pode encaminhar soluções adequadas para o caso já têm sido apresentadas por entidades e estudiosos, com naturais variações. Mereceram pouca atenção dos órgãos governamentais.

A ideia básica que permeia essas propostas é fazer com que o custo do petróleo extraído no Brasil, mais o custo do refino local, mais os impostos que lhes são cobrados aqui, formem o custo final do combustível no Brasil e seja vendido por esse preço aos brasileiros. Equiparar este custo nacional aos preços internacionais é dolarizá-lo, e é escorchar o povo brasileiro. Uma conta simples pode ser feita. 

Em números aproximados, o custo de extração do óleo do pré-sal no Brasil é de US$ 7/barril, segundo a Petrobras (DCI 14/06/18). Somando-se outros custos, como depreciação de equipamentos, amortização de investimentos etc., o custo total de produção do óleo do pré-sal chega a US$ 20/barril.

A Petrobras informa que o preço mínimo do barril de petróleo que viabiliza um projeto no pré-sal (o “breakeven” ou preço de equilíbrio) está “entre US$ 30 e US$ 40 o barril” (Valor, 31.10.2017). Para efeito de cálculo tomemos a média, US$ 35, que cobre o preço de produção no pré-sal, US$ 20/barril, com 75% de lucro.

Se a esse preço de equilíbrio, US$ 35/b, somarmos o preço do refino, que é US$ 3/b, concluiremos que o preço médio do derivado é de US$ 38 o barril. Computando as despesas administrativas, de transportes e similares poderemos chegar a US$ 45 o barril.

Este é que é o preço médio do derivado no Brasil, que deveria ser cobrado nas refinarias da Petrobras, e que já inclui lucro alto para a estatal.

Levando em conta o câmbio dos últimos tempos (R$ 4,00 por dólar), esse custo nacional médio chegaria a R$ 180/b. Como o barril tem 159 litros, ficaria em R$ 1,13/litro.

Antes da greve de 2018, as refinarias estavam cobrando cerca de R$ 2,35/litro, em média, pelo derivado!!!

Para chegar às bombas, o combustível tem que pagar os impostos (Cide, PIS/Cofins, ICMS) e tem também que garantir o lucro da revenda. Aceita-se que tudo isto dá em média R$ 0,90/litro. Portanto, o preço final médio dos combustíveis nas bombas ficaria em torno de R$ 2,03/litro, digamos R$2,5/litro. Levando em conta as reduções de preços nas últimas semanas, ainda assim o preço do diesel nas bombas esteve em 25 de janeiro passado em R$ 3,8.

Então, que se passa com nosso país? O Brasil tem o petróleo, o extrai, transporta-o em seus dutos, refina-o, cobra os impostos devidos e na hora de vender ao brasileiro usa o preço internacional, que é muito maior. Por quê?

Argumenta-se com os interesses dos acionistas da Petrobras. Na verdade, desde que FHC vendeu ações da Petrobras na Bolsa de Nova York, mais da metade das ações da empresa está em mãos do capital privado, a parcela mais significativa é estrangeira, e dentro desta a maior parte é americana. Mas o acionista controlador é a União, que tem maioria do capital votante (maioria pequena!) e que também é o maior acionista individual.

O investidor de Nova York quando comprou ações da Petrobras sabia que teria que se ajustar aos interesses do acionista principal da empresa, que era a União brasileira. A estatal não pode apenas estar atrás de lucros extraordinários para esses acionistas, inclusive porque já remete cerca de 40% desses lucros ao exterior, aos Estados Unidos. A estatal tem que olhar para a sociedade que a criou, a mantém e a controla.

Os brasileiros têm direito a pagar o custo nacional pelo produto nacional, sem prejudicar ninguém. O preço do produto importado deve ser o preço internacional, assim como, quando o produto local for vendido lá fora, especialmente o excesso de produção do petróleo, há que se vender pela cotação internacional. Assim é que ganham muito dinheiro os países que têm grandes jazidas de petróleo. 

Alterando-se a política de preços da Petrobras, garantindo-se que o produto nacional seja vendido aos brasileiros pelo preço de sua produção, com seguro lucro para o produtor, e assegurando-se que o produto importado tenha o natural preço internacional, no conjunto, haveria um significativo rebaixamento do preço dos combustíveis no Brasil. 

Problema: isto seria aceito se prevalecesse, aqui, o ideal do Brasil e brasileiros acima de tudo, e não o da “America first”. 


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