A longa história do preconceito contra os chineses

Um oriental que tiver a cortesia de andar com máscara terá provavelmente mais riscos de ser agredido pelos brutamontes que encontrar por perto

É uma coincidência, claro. Mas não poderia ser mais diabólica. Algum tempo atrás, Donald Trump entrava em guerra comercial com a China; queria mais barreiras contra as importações. Depois, vieram as acusações contra a Huawei. A empresa de comunicações está na ponta da tecnologia nos celulares 5G; os americanos suspeitam de um conluio com o governo da China, para fins de espionagem.

Os antigos temores de um “perigo amarelo” já estavam em pleno curso, portanto. E agora, parece de propósito que o coronavírus tenha aparecido justamente na China. O medo se materializa, pode ser identificado no microscópio, nas estatísticas e nos jornais. É como se as defesas psicológicas contra o preconceito já estivessem enfraquecidas de antemão.

No Brasil, não é grande a hostilidade contra chineses. São especialmente impopulares no Japão e, para meu espanto, na Suécia e na República Tcheca. Talvez não dure muito, mas tudo muda com o coronavírus. Nenhuma pessoa de olhos puxados está confortável quando espirra ou tosse dentro de um metrô em qualquer grande cidade.

Pode ter nascido em Atenas de pais tailandeses, pode ter nascido em Hong Kong e se mudado para Seattle em 1983. O preconceito se espalha, como qualquer doença. Em Cagliari, no sul da Itália, um filipino foi hospitalizado depois do ataque de um grupo de jovens. A CNN mostra cenas brutais no metrô de Nova York: uma mulher oriental sai correndo de um vagão e é espancada por um possesso.

Sempre admiramos os orientais, em especial pelo que vemos das cidades japonesas, porque usam máscara quando estão resfriados. Novamente, parece de propósito: a proteção esconde o rosto, mas não os olhos puxados. E um oriental que tiver a cortesia de andar com máscara terá provavelmente mais riscos de ser agredido pelos brutamontes que encontrar por perto.

Tudo se junta: nacionalismo econômico, ódio aos direitos humanos, o recorrente orgulho de não ser “politicamente correto”, a cultura da porrada, a piada racista, o meme imbecil.

Contra a China, o preconceito tem particularidades. “Esses malditos chineses comem tudo”, reclamou o prefeito de uma cidade italiana: cachorro, morcego, besouro… No país do espaguete (mas as massas não foram trazidas da China por Marco Polo?), há algo de quase religioso nos preceitos alimentares.

Outra velha acusação contra os chineses cai como uma luva no caso do coronavírus: a de que são insidiosos, sutis, enigmáticos. Para as pessoas da minha geração, um único nome resumia esse comportamento: o doutor Fu Manchu. Esse “gênio do mal” foi criado por Sax Rohmer, autor de novelas policiais de grande sucesso, também traduzidas no Brasil.

A especialidade do vilão eram os assassinatos misteriosíssimos, perpetrados por meios invisíveis: fumaça verde saindo de um sarcófago, fios de seda delicados e cortantes, serpentes rápidas, carrapatos fatais. Atacadas pelo “Grito de Rangun”, vítimas enlouquecidas arrojavam-se da janela em suposto suicídio.

O “Beijo dos Zaiates” é a marca que fica no pescoço de quem morre pela picada de um inseto – atraído pelo perfume de uma flor exótica. No mundo de Sax Rohmer, mercadores vendem escorpiões para que famílias chinesas matem suas próprias filhas no berço. Fu Manchu tem uma coleção própria.

Um filme trash da década de 1960, dirigido por Jess Franco, mostra o gênio do crime (vivido por Christopher Lee) num plano para dominar o mundo. Hoje seria até bem-vindo, quem sabe: congelar os oceanos graças a um derramamento de cristais de ópio. Nesse cúmulo da bobajada, talvez se encontre a chave do mistério envolvendo a ficção de Fu Manchu.

Em meados do século 19, as potências ocidentais forçaram a China a se abrir para as importações. Em déficit com suas importações de chá e porcelana, os ingleses começaram a produzir ópio na Índia para que os chineses comprassem.  As duas Guerras do Ópio impuseram a liberação da droga no império chinês.

Em matéria de insídia e genialidade para o mal, não é pouca coisa. Dá para entender que, para se desviar da própria culpa, os imperialistas criassem um vilão que inconscientemente os espelhasse.

A globalização dá suas voltas; eis o retorno de Fu Manchu. Quem sabe até os italianos, agora, passem a sofrer numa segunda leva de preconceito. Mas, no medo de uma crise econômica mundial, talvez todos os adversários tenham de se dar as mãos.

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo

Autor

2 comentários para "A longa história do preconceito contra os chineses"

  1. Gabriel disse:

    Vcs esquerdistas são a pior escoria do planeta Terra. E esses chineses malditos vão pagar caro pela sua crueldade e desumanidade. Esse site é asqueroso como todos vcs da esquerda podre são.

    PAU NO CU DE VCS SEUS LIXOS ???

  2. Vitória disse:

    Comentário mais ridículo, você acha que só o chinês que são generalizados? nos outros países nós brasileiros somos conhecidos como um povo burro sem educação e pelo seu tipo de comentário deu para entender o porque somos generalizados dessa maneira, leia um livro e melhore seu vocabulário. Pessoas que pensam como você envergonha o nosso país.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *