A favela contra o coronavírus: como reagem as comunidades mais pobres?

Para tentar minimizar a delicada condição das comunidades, entidades lançaram iniciativas de apoio aos moradores

Uma das grandes preocupações em meio à pandemia do novo coronavírus é a situação das comunidades mais pobres – em especial, as favelas – nas grandes metrópoles brasileiras. Segundo o IBGE, ao menos 11,4 milhões de pessoas vivem nos chamados “aglomerados subnormais”.

Os estados mais populosos do País – São Paulo e Rio de Janeiro – concentram o maior número dessas comunidades. Só na Região Metropolitana de São Paulo, há mais de 2 mil favelas. A cidade do Rio de Janeiro tem mais de 760, com destaque para a maior do Brasil, a Rocinha, com uma população superior a 70 mil moradores.

A superpopulação não se restringe aos estados do Sudeste. Tanto que a segunda maior favela do País – a Sol Nascente, que conta com 56 mil habitantes – fica em Ceilândia, no Distrito Federal, região Centro-Oeste. Belém (PA), no Norte, abriga a quinta maior – a Baixadas da Estrada Nova Jurunas e seus 53 mil moradores.

Quem reside em favela pode estar habituado à histórica negligência de Estado e à ausência de políticas públicas – que limitam as oportunidades de trabalho e educação para melhorar a vida. Mas a tudo isso se soma, agora, o desafio de viver sob a crise provocada pelo coronavírus. A luta pela sobrevivência assume novas proporções.

Campanha da Cufa para ajudar no combate ao coronavírus

Por várias razões – a começar pelas precárias condições de saneamento básico –, esses brasileiros estão mais expostos à pandemia. Onde faltam água tratada e coleta de esgoto, até mesmo a medida mais básica de prevenção ao coronavírus – lavar as mãos com água e sabão – não está ao alcance de todos.

Para tentar minimizar a delicada condição dessas comunidades, entidades como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a Central Única das Favelas (Cufa) e o G10 das Favelas – apoiadas por empresários mais conscientes – lançaram iniciativas de proteção aos moradores. Além de organizar fundos financeiros, coletam e doam alimentos, produtos de limpeza, itens de higiene pessoal e de proteção, com destaque para álcool em gel, máscaras e luvas.

Em São Paulo, a Rede Apoio Humanitário nas e das Periferias cadastra, pela internet, doadores e voluntários nas 32 subprefeituras paulistanas. Frente Favela Brasil, Periferia é o Centro, Rede Geração Solidária, Funani e Nova Frente Negra Brasileira estão à frente do projeto. Na página de cadastro de apoiadores, essas entidades sintetizam o objetivo: “Ampliar as frentes de atuação que visam amparar, nesse momento de crise, famílias faveladas e periféricas que não encontram suporte institucional para seguirem com dignidade diante desse momento avassalador”.

Outro desafio é dar orientações sobre os cuidados individuais, com os familiares e a casa. Nesse ponto, as favelas têm se destacado pela criatividade. As informações são levadas às comunidades por meio de cartazes mais descontraídos, carros de som com músicas adaptadas e adesão local de voluntários. Sem o envolvimento direto da comunidade, é inviável chegar até os pontos de maior dificuldade de acesso, principalmente no alto dos morros.

Nas redes, Coletivo Papo Reto reforça a campanha de orientações

O Coletivo Papo Reto, integrante da frente Juntos pelo Complexo do Alemão, no Rio, é um exemplo de união e originalidade para reagir ao coronavírus. Com 55 mil seguidores no Facebook, o grupo faz constantes publicações informativas em suas redes – sempre com a hashtag #Covid19nasFavelas. “Evitem apertos de mão. A amizade continua”, diz uma das postagens. Outro post, mais ousado, volta-se aos usuários de maconha: “Galera da ‘fumaça’… Nada de rolar o baseado”.

Mas a atuação do Papo Reto não se limita às redes. O coletivo ajuda a espalhar cartazes e faixas no Complexo do Alemão, a fim de popularizar as medidas preventivas. Para o público jovem, o Papo Reto criou até um funk: “Tá ligado no coronavírus? / Deixa eu te passar a visão / Essa doença triste que afetou nosso mundão / Vamos ter consciência e fazer toda a prevenção para nossa comunidade / Lave as mãos frequentemente, com água e sabão / Evite sair de casa para não ter aglomeração”.

No caso do MTST, os informes não se resumem aos cuidados individuais. Com tantos integrantes do movimento residindo em locais com cômodos pequenos e mal arejados, as orientações sobre a casa recebem atenção especial. Eles são instruídos a tomarem medidas como “não compartilhar objetos de uso pessoal” e “limpar regularmente o ambiente e mantê-lo ventilado (janelas abertas)”. Sobre a limpeza rotineira da casa, recomenda-se o uso “produtos usuais”, a exemplo da água sanitária.

A higiene durante as longas locomoções por transporte público (ônibus, trem e metrô) é outro alerta do MTST: “Depois de apoiar nas barras, é preciso higienizar muito bem as mãos. Não sendo possível lavar com água e sabão, o álcool gel deve ser utilizado”. Se o gel higienizador de mão estiver em falta, não há problema: “Sim, água e sabão é o básico e deve ser seguido. Pode-se usar sabonete, sabão em barra e sabonete líquido”, esclarece o movimento dos sem-teto.

Favelas abrigam grande número de trabalhadores de áreas essenciais, que continuam nas ruas

A Cufa lembra que muitos dos moradores das favelas permanecem nas ruas e – não na quarentena –, porque são trabalhadores de serviços essenciais (limpeza urbana, coleta de lixo, caixas de supermercados, frentistas de postos de gasolina, entre outras funções). São brasileiros em alta vulnerabilidade não só pelas carências de suas comunidades – mas também pelo sofrimento diário em transportes públicos precários, demorados e lotados. Para piorar, ao prestarem serviços à sociedade, esses trabalhadores igualmente se submetem a um risco maior de contaminação por coronavírus.

O Covid-19 pôs em quarentena cidades pequenas, médias e grandes pelo mundo afora. Mas os moradores das favelas continuam a sofrer com a ausência do Estado – e também com o sacrifício de, em nome da sobrevivência, estarem na ponta da prestação de serviços essenciais.

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