EUA: Com o apoio de Sanders, é possível Biden pender para a esquerda?

Assim como Hillary Clinton, Biden venceu a nominação enquanto perdia a batalha de ideias. Como ela, ele já indicou que autorizará a influência de seus rivais sobre a plataforma do Partido. Desta vez, no entanto, será preciso mais do que uma série de promessas vazias.

Basquete nunca foi o esporte de Joe Biden. Sua destreza no futebol americano o ajudou a ser representante de classe no Ensino Médio. Também lhe deu confiança para superar a gagueira que o acometeu durante a infância. Mas para vencer em novembro, ele vai precisar responder a uma questão que é perguntada com mais frequência nas quadras de basquete: ele pode ir mais à esquerda?

O apoio recebido de Bernie Sanders pôs fim à montanha-russa vista durante as campanhas primárias. Lembre-se: ele era o candidato que, após dominar as pesquisas nacionais por meses, ficou na quarta colocação em Iowa e, depois do quinto lugar em New Hampshire, foi reduzido ao argumento de que “ainda não acabou”. Quem apostou seu futuro no apoio esmagador de cidadãos negros e hispânicos, percebeu em Nevada que os latinos preferiam Sanders. No entanto, a fé de Biden na sua base de afro-americanos foi mais do que justificada na Super Terça, quando os eleitores negros lhe deram o retorno que normalmente se consegue somente com um desfibrilador.

Leitores fieis sabem que “The Nation” preferia outro indicado. Isso nos colocou na companhia de muitos outros (especialmente de eleitores com menos de 45 anos), cujo suporte será essencial para derrotar Donald Trump, um presidente cuja reeleição seria uma catástrofe sobre todas as causas que valorizamos. Negar a Trump a chance de indicar mais um membro para a Suprema Corte já deveria ser uma razão mais do que suficiente para sair de casa em 3 de novembro. Mas se a composição da Corte fosse um grande motivador, ele não teria sido eleito em 2016.

Assim como Hillary Clinton, Biden venceu a nominação enquanto perdia a batalha de ideias. Como ela, ele já indicou que autorizará a influência de seus rivais sobre a plataforma do Partido. Desta vez, no entanto, será preciso mais do que uma série de promessas vazias.

A carta de Biden acolhendo os apoiadores de Sanders e lhes dizendo que “são mais do que bem-vindos, são necessários” foi um passo na direção correta. Também foi correto o tom da live na internet anunciando o endosso de Sanders, assim como a notícia de que as equipes dos dois democratas vão trabalhar juntas na elaboração de políticas para Economia, Educação, Imigração, Saúde, Justiça e Mudanças Climáticas.

Mas essa força-tarefa precisa ser mais do que uma intenção. Ela precisa refletir o reconhecimento que, como Sanders demonstrou com muita propriedade, o futuro do Partido Democrata está na esquerda. Se a grande conquista da campanha de 2016 foi mudar o centro da política dos EUA, em 2020 Sanders foi além, construindo uma verdadeira e diversa coalização, formada por jovens de todas as raças, trabalhadores, latinos e progressistas. Sem o apoio desse movimento, uma vitória dos democratas em novembro estará fora de alcance.

A sabedoria convencional diz que a escolha dos Democratas sempre deve se voltar para o centro em novembro, se quiser obter a vitória. Diante do atual cenário, isso não seria apenas tolice. Seria criminalmente negligente.

Biden demonstrou o desejo de reverter esse curso ao centro, adotando, ainda no mês de março, as ideias de Elizabeth Warren a respeito da reforma da Lei de Falências. Quando ele anunciou suas propostas para diminuir para 60 anos a idade para ter acesso ao Medicare e perdoar dívidas de estudantes de baixa renda, ele deu o devido crédito a Sanders.  

No entanto, serão necessários mais do que gestos para receber um apoio efetivo dos apoiadores de Sanders. A respeito de imigração e encarceramento, Biden tem ajustes a fazer, particularmente para atender os anseios das comunidades latinas, atualmente aterrorizadas pelo medo da deportação. Da mesma forma sobre a Seguridade Social: ele precisa renegar seu passado de político mais preocupado com orçamentos do que sofrimento humano. Biden precisa mostrar que entendeu que retornar ao passado (seja em nossas políticas ou no nosso sistema de saúde) simplesmente não é uma opção.

A atual pandemia e o colapso econômico são uma oportunidade perfeita para colocar em prática esse novo pensamento. Sanders pode ter apoiado Biden, mas como apontou o New York Times recentemente, “a realidade endossa” Sanders. A questão é o quanto dessa realidade será aceita por Biden.

Tradução e edição: Fernando Damasceno