Wilson Baltazar, crítico e pesquisador de cinema, morre no Ceará

Wilson Baltazar tinha mais de sete décadas dedicadas ao cinema. O crítico, que já tinha complicações de saúde, foi internado na sexta-feira (24) com sintomas da Covid-19

Wilson Baltazar foi pesquisador, memorialista e crítico de cinema. l Foto: divulgação / Allef Fragoso

Figura importante para a memória e história do cinema cearense e apaixonado pela sétima arte desde a década de 1940, crítico, pesquisador, cineclubista e o colunista do jornal O Povo,Wilson Baltazar morreu na madrugada deste domingo, 26, aos 84 anos. Wilson já tinha complicações de saúde e deixa esposa, três filhos e três netos.

Nascido em 10 de setembro de 1935, viu o primeiro filme ainda criança, em 1942. No extinto Cine Majestic, assistiu à sessão de “Às Portas do Inferno”, dirigido por Robert Z. Leonard, e desde então não parou de dedicar-se ao cinema, tendo visto mais de 50 mil filmes ao longo da vida. Na história da cinefilia de Fortaleza, Seu Wilson, como ficou conhecido em reverência pela trajetória, participou de muitos movimentos importantes. Ele foi membro do Clube de Cinema de Fortaleza, fundado em 1948 por Darcy Costa e do qual participavam os críticos L. G. de Miranda Leão, Tavares da Silva, Enondino Bessa, J. G. Andrade, Inácio Almeida, Frota Neto, Cláudio de Sidou e Costa, Clinete Sampaio e Feijó Benevides. Também compôs o projeto Cinema de Arte.

Nos anos 1980, passou a ser membro da comissão julgadora do Troféu Samburá, entregue pela Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará, prêmio criado pelo jornalista Frederico Fontenele em parceria com Nirton Venâncio e Wilson. “Coordenei o Samburá de 1985 a 2008 e, logo depois de mim, foi ele quem participou de todos os júris”, lembra Frederico, que trabalhou no O POVO de 1975 a 2015. “A gente se conheceu antes ainda, na fila para o cinema de arte do Cine Diogo, em 1974. No jornal, na época, eu tinha uma página de cinema e ele começou a fazer uma seção das estreias a partir de 1979, escrevia como colaborador”, afirma.

Frederico destaca como principal qualidade de Wilson Baltazar a “abnegação ao cinema”. “Ele era muito fiel ao compromisso. Hoje em dia é muito fácil ver filme, mas ele só contava na época com filme de cinema. Em momentos de folga, saía de uma sessão para entrar imediatamente em outra”, recupera. Ao longo de décadas, Wilson também reuniu registros sobre cada filme que via, como comentários e observações, em caderninhos que são valiosos arquivos da história do cinema em Fortaleza. “Ele era uma memória viva de filmes, é daquele que escreveram à mão toda a lista de filmes que assistiram, com todas as datas. São coisas que às vezes que o Google não tem”, compara Frederico.

O acervo de anotações de seu Wilson foi base para diversas pesquisas acadêmicas sobre assuntos ligados ao cinema, como a recente tese de doutorado da socióloga Juliana Justa, “Somos todxs estrelas pornô?: A produção de subjetividades-vitrine no Cine Majestick (Fortalaze/CE)”. “Na função de jornalista (na qual atuou por mais de 50 anos) responsável por divulgar na mídia impressa os filmes que entrariam em cartaz e suas resenhas, fez questão de incluir os filmes pornográficos. Como era um profissional bastante prestigiado, convenceu aos seus superiores com o argumento de que os filmes explícitos também eram cinema de qualidade”, escreveu, sobre Wilson, a pesquisadora na tese.

O cineasta e cineclubista Gabriel Petter dirigiu um curta sobre o pesquisador em 2017. “Cinemeiro”, que está disponível no YouTube, surgiu como forma de ressaltar a importância de Seu Wilson para a cinefilia cearense. “Nossa relação vem antes do curta, desde 2011 ele era dos frequentadores mais habituais do Cineclube 24 Quadros”, explica. A amizade surgiu nesse contexto, assim como o projeto do filme. “Há muito tempo queria prestar essa homenagem a ele, que é um cinéfilo e uma pessoa que testemunha a transformação desse meio aqui em Fortaleza. Ele é história viva”, define.

“Ele tinha devoção pelo cinema, era capaz de andar de onde morava até o Dragão do Mar para assistir filme, procurava acompanhar todos os que eram lançados e se lamentava quando não conseguia fazer isso”, destaca Gabriel. O crítico de cinema Ailton Monteiro, amigo de Seu Wilson há anos, também ressalta essa relação do pesquisador com a sétima arte. “O cinema o mantinha vivo. Ele pegava ônibus, ia para longe apesar da idade e das dores no corpo, mas quando os filmes começavam, ficava logo com o olho brilhando, alegre por estar naquele ambiente de paraíso que era a sala de cinema”, rememora.

No livro “Trajetória da Crítica de Cinema no Brasil”, lançado pela Associação Cearense de Críticos de Cinema, Ailton ficou responsável, junto do pesquisador de cinema Diego Benevides, do capítulo sobre a crítica no Ceará, no qual Wilson Baltazar foi um dos entrevistados. Seu Wilson era membro honorário da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine) desde a criação do grupo. “Frequentador assíduo de diversos cinemas, cineclubes e festivais pela cidade, Baltazar testemunhou as transformações do tempo diante o cenário cinéfilo no Estado. Nesse momento difícil, sua partida nos enche de tristeza pelo adeus e nos invade também de gratidão por sua história marcada na memória da crítica cearense”, homenageia a Aceccine em nota.

Assista “Cinemeiro”:

Fonte: O Povo