Arievaldo Viana foi fazer cordel na eternidade

Uma grande perda para a cultura popular, a morte de Arievaldo Viana repercutiu no Ceará e gerou profunda comoção.

Ilustração: Klévisson Viana

A morte cordelista e artista plástico Arievaldo Vianna neste sábado (30), após ser internado em decorrência de uma infecção bacteriana, provocou grande comoção na cultura popular, em especial no Ceará. O artista foi um importante nome para a educação cultural e para a disseminação da literatura de cordel. Autor de  dezenas de livros e centenas de cordéis, sempre esteve ligada às lutas populares, trabalhou com entidades sindicais, fez campanha eleitorais de candidatos de esquerda e conquistou a amigos em todos os lugares por onde esteve.

Ao lado do irmão Klévisson Viana, também cordelista e ilustrador, lançou várias obras pela editora Tupynanquim.  A parceria dos irmãos e integrantes de uma família ligada à cultura popular de Canindé, cidade natal, rendeu livros como “A botija encantada ou o preguiçoso afortunado”, “A moça que namorou com o bode”, “O crime das 3 maçãs” e “Rodolfo e Leocádia ou a força do sangue”.

No ano 2000, Arievaldo criou o projeto Cordel na Sala de Aula cujo objetivo era democratizar a leitura na escola públicos do Ceará. A iniciativa era uma forma de usar a poesia popular como paradidático entre os alunos. Com o objetivo de incentivar a alfabetização, a ação foi adotada em diversas escolas do país. No mesmo ano, foi eleito membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.

“Perdemos não só um grande poeta e difusor da literatura de cordel nos ambientes culturais, mas, principalmente nas escolas, promovendo nos mais diversos rincões do Brasil a promoção da leitura através da literatura de cordel. Perdemos um amigo. Celebremos sua obra poética e sua memória”, diz o secretário da Cultura do Estado, Fabiano Piúba, em nota da Secretaria de Cultura do Ceará.

Selei o tejo!

Na página do Facebook de Arievaldo Viana, amigos, colegas de trabalho, conterrâneos e admiradores do artista postaram mensagens, versos, fotos e ilustrações. Uma das mais belas é a de Eduardo Macedo, cujo texto é ilustrado por um desenho feito após a morte de Arievaldo. Diz Eduardo:

Ilustração: Eduardo Macedo

“Dia triste esse 30 de maio. Foi-se Arievaldo Viana, colega de poesia, cabra do meu maior apreço. Fui apresentado a ele pelo irmão, meu amigo Klévisson Viana que sugeriu que ficasse a seu cargo a redação da apresentação da minha Gesta do Touro Corta-Chão, em 2013. Encabulado, mandei um e-mail ao poeta perguntando sobre a possibilidade e, no dia seguinte, já estava escrito o texto. Qual não foi minha satisfação! Aí começou nossa amizade, selada pelos interesses comuns ao cordel, às artes em geral e à cerveja gelada. Os acontecimentos políticos também eram assunto constante em nossas conversas e quando ele se referia ao estado caótico em que fomos lançados desde a ruptura democrática de 2016 dizia que a vontade que tinha era de “selar o tejo” e partir pra bem longe, onde as notícias das terras civilizadas não chegassem – talvez a distante constelação onde orbita o planeta São Saruê.

Foi um baque. Ainda está sendo. Perder alguém do quilate de Arievaldo é perda pessoal, nacional, cósmica. Mas vai o poeta e fica a poesia, conforme a máxima do grego Hipócrates.

Saudades, meu amigo!

Ao poeta Arievaldo

– Selaste o tejo, poeta?

– Fui no rumo do “não sei”,

Aonde, ao fim, todos vão,

Branco, preto, escravo e rei.

– Não te apressaste, poeta?

– Isto nunca saberei.

Sobre o tempo ninguém sabe;

Comece agora ou se acabe,

Certo foi que aqui passei.

– Que espera encontrar, poeta?

– São Saruê inda hei

De alcançar nos insondáveis

Cosmos que ora imaginei.

* * *

Luz de lamparina, folheto de feira,

Casa de farinha, alpendre enluarado.

Das ondas do rádio ao mar esverdeado,

Singrado, cortado por goiva em madeira.

Do baú sem fundo da mente altaneira

Decolam pavões para o supralunar,

Sua gente a bordo, menino a sonhar

Com tempos passados, presentes, vindouros.

Num tejo arreado de pratas e ouros:

Quixote a galope na beira do mar.

Poema rimado, medido e pintado

Em matizes fortes, coradas, vibrantes.

Um Leandro Gomes, Bocage, um Cervantes,

Mil casos hilários deixou registrado.

Em sala de aula o cordel estudado.

Gaiato ao sorrir, rijo ao pesquisar.

Mas se imperativo fosse pelejar

De pena arrojada partia fiel

Brandindo com versos em prol do cordel!

Quixote a galope na beira do mar.

* * *

– Selei o tejo, poeta;

Pisei na folha e risquei.

Parceiro do PCdoB

Para o PCdoB cearense Arievaldo fez inúmeras campanhas eleitorais, produziu publicações, criou ilustrações, peças, marcas e versos que marcaram muito contribuíram para atualizar a comunicação no partido no Ceará e torna-la mais acessível ao grande público. Em reconhecimento, a direção estadual do partido emitiu uma nota de pesar bem ao estilo do homenageado misturando um pouco de prosa com versos em literatura de cordel. Diz a nota dos comunistas cearenses:

Arievaldo Viana foi fazer cordel na eternidade

No final da manhã deste sábado, 30 de maio, a Comissão Política Estadual do PCdoB encerrava a sua reunião quando foi surpreendida com a notícia da morte precoce de Arievaldo Viana, artista multifacético, talentoso, amigo do nosso Partido, a quem os militantes podiam chamar de camarada com carinho e com imenso respeito pela sua arte.

Artista plástico, designer, poeta, Arievaldo Viana transbordava de si, era tantos que quase não cabia em um só. Sua alegria e gentileza permanecerão sempre em nós. Foram inúmeras as ocasiões em que Ari colaborou com o PCdoB, participando das nossas campanhas eleitorais, ajudando na nossa propaganda e na nossa comunicação.

Sua partida tão precoce entristece a todos nós, que partilhamos do seu convívio, que ombreamos com ele em tantas e tão renhidas batalhas democráticas. É um momento de muita dor para todos nós. Não temos como aquilatar o impacto da sua partida para a cena cultural cearense e para as lutas democráticas do nosso povo.

Arievaldo Viana foi um artista popular, um artista que colocou a sua arte sempre a serviço do nosso povo, dos seus anseios, dos seus sonhos, da sua busca por justiça e pela construção de um mundo novo. Cordelista de rara sensibilidade, jogou papel fundamental no resgate e na divulgação de poetas populares, juntamente com seu irmão Klévisson Viana. Seu trabalho com o cordel na sala de aula, na escola, tem reconhecimento nacional. Pela sua produção de cordel ocupava, com justeza, a cadeira de número 40 na Academia Brasileira de Literatura de Cordel.

É uma perda devastadora para todos nós. Prestamos a nossa solidariedade a sua família, nos irmanamos no pesar e na dor e nos somamos aos incontáveis amigos e admiradores que neste momento choram e reverenciam a memória de Arievaldo.

O poeta é merecedor de todas as homenagens. Aqui fica a nossa, dos comunistas cearenses, nestes versos pobres e de pé quebrado que não chegam nunca aos pés da sua rica poesia.

Siga em paz, poeta Arievaldo Viana, vá versejar nos campos da eternidade, pois eterna é a obra que você nos deixa como legado.

A cara feia e feroz

Que assombra qualquer vivente

Passou bem perto da gente

Com seu bafejo atroz

Num golpe fatal, veloz

Sem demonstrar piedade

Sem dó e sem caridade

Golpeou nossa alegria

Arievaldo é poesia

Nos campos da eternidade

Partiu tão cedo o amigo

Companheiro de jornada

Foi um fiel camarada

Lutou sem temer perigo

Trazia os versos consigo

E espalhava lealdade

Mas veio a fatalidade

E fez a dura razia

Arievaldo é poesia

Nos campos da eternidade

Comissão Política Estadual do PCdoB – Ceará

Fortaleza, 30 de maio de 2020

O editor do Portal Vermelho, Inácio Carvalho, há décadas amigo de Arievaldo, com quem trabalhou na comunicação do PCdoB cearense, manifestou- se nas redes sociais. Carvalho afirmou: “Ari, amigo muito querido, como pensar que a vida pode ter saído de você? Um sujeito que fez da criatividade um segredo do viver. Que fez, ao lado do seu mano Klévisson, o cordel chegar à tantos que não conheciam os versos da literatura popular. Que inovou nas ilustrações e levou pro rádio a cultura popular. A vida lhe deixou mas você não deixará nunca as nossas vidas”.

Conheça a trajetória da família Viana na cultura popular

Repercussão em prosa e versos

Diversos artistas também prestaram suas homenagens nas redes sociais. “Um dia de lágrimas, mas também de celebrar a vida e a arte de um dos grandes artistas de nosso tempo”, ressalta o poeta Mailson Furtado. O vencedor do Prêmio Jabuti de 2018 constata: “Arievaldo é/será pra sempre!”

“O grande Arievaldo Vianna, grande poeta, pesquisador, ainda um primo distante (e tão próximo) de algumas gerações – como o mesmo me disse – e um dos maiores contadores de história que conheci, nos deixa hoje”, lamenta Mailson.

O Sindicato dos Petroleiros do Ceará e do Piauí também prestou homenagens para o artista. “Ari será sempre lembrado não só pelo seu talento artístico e defesa da cultura nordestina, mas pelo seu humor”, indica o texto. Arievaldo Vianna foi funcionário do sindicato durante anos. “(Ele) deixou um verdadeiro legado de artes, charges e ilustrações na defesa da Petrobrás e dos trabalhadores brasileiros”, afirma a entidade.

O amigo e escritor Bruno Paulino lamentou o falecimento do cordelista. “Não consigo escrever muita coisa, estou sentido e choroso. Arievaldo foi um dos maiores artistas brasileiros de qualquer tempo.um João Grilo pós-moderno. Figura humana de raríssima dignidade. Que São Francisco das Chagas, possa acalentar e aquecer os nossos corações”, diz.

Em homenagem, ainda conta um pouco das histórias que compartilharam entre si. Segundo Bruno, Arievaldo foi um dos responsáveis por ajudá-lo no mercado literário. “Foi o companheiro de boêmia mais engraçado que conheci, o maior contador de causos do mundo. Por fim, foi meu parceiro em muitos projetos”, lembra. “O Arievaldo Vianna foi meu Patativa do Assaré e meu Monteiro Lobato”, indica.

 Veja outras homenagens ao artista Arievaldo Vianna:

Marcos Mairton@MarcosMairton

Faleceu hoje um dos maiores cordelistas em atividade no Brasil: Arievaldo Viana.
Grande artista e grande pessoa. Vai fazer muita falta à família, aos amigos (dentre os quais me incluo) e à arte brasileira.
Não foi COVID19. Foi uma bactéria.

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Zé Wellington@zewellington

Acabei de receber com muita tristeza a notícia do falecimento do poeta e cordelista Arievaldo Vianna. Uma perda sem tamanho para o cordel e para a literatura cearense. Fica seu grande legado para a cultura cearense, nordestina e brasileira.

Com informações do jornal O Povo e do PCdoB-CE

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