A morte de João Pedro e a responsabilidade solidária do STF

A suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do novo coronavírus, determinada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), é uma espécie de válvula de escape que evita o arrebento iminente.

É preciso conter o uso intencional da força letal, sistematicamente emprega pelas polícias, contra a população negra. É uma exigência antiga do movimento negro brasileiro, uma condição inescapável para o funcionamento real da democracia e realização do desenvolvimento econômico do país. Infelizmente, durante muito tempo esse desiderato foi ignorado pelas instituições e pela mídia em geral. A suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do novo coronavírus, determinada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), é uma espécie de válvula de escape que evita o arrebento iminente.  Mas o problema é generalizado no Brasil com ou sem Covid-19.

A decisão do ministro Fachin, conforme Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635), com pedido de medida liminar, patrocinada pelo PSB em novembro de 2019, refere-se à suspensão de diversas ações previstas no Decreto Estadual Nº 27.795/2001 e no Decreto Nº 46.775/2019 do governador Wilson Witzel. Em junho de 2019, o PSOL já havia patrocinado a ADPF 594, com pedido de concessão de medida cautelar, também contra os atos do governante com espírito genocida, tal qual Jair Bolsonaro.

ADPF é o remédio indicado para proteger os preceitos fundamentais da Constituição Federal. Witzel se elegeu prometendo violar os direitos fundamentais dos pretos e pobres residentes nas favelas do Rio. Já no cargo máximo do Executivo estadual, ele chegou a dizer que, se tivesse autorização da ONU, mandaria um míssil para explodir as pessoas da Cidade de Deus.

No mês em que a primeira ADPF completa um ano de protocolada e 199 dias corridos de tramitação da ADPF 635, período com registro de aumento constante de mortes envolvendo ação policial, inclusive o extermínio do garoto João Pedro, finalmente sai uma decisão. É importante lembrar que, fruto da política genocida do governador fluminense, mais de 1.400 pessoas já haviam sido exterminadas em apenas nove meses de gestão. Mesmo assim o STF demorou a decidir. Demorou porque para as instituições brasileiras as vidas de negros(as) e indígenas pouco importam.

Com efeito, o STF poderia ter evitado que o destino de um adolescente negro, de 14 anos, fosse suprimido da mesma forma que as vidas de Ágatha Félix (8 anos) e Jenifer Silene Gomes (11 anos) foram liquidadas alguns meses antes. Precisou eclodir os protestos contra o racismo nos EUA para o Supremo Tribunal Federal agir, buscando se livrar das críticas vindouras.

A decisão do ministro Fachin é uma boa solução. Porém, ela não deve se restringir apenas ao período de pandemia e nem ser circunscrita ao Rio de Janeiro.

Embora outros governadores não tenham feito declarações abertas e nem editado atos tão violentos quanto os de Witzel, é sabido que as polícias no Brasil agem de igual forma e com os mesmos requintes de crueldades, quando se trata de pessoas negras e indígenas.

Por outro lado, não é possível uma única ADPF que enquadre todas unidades da federação. Cada caso é um caso, com requisitos próprios e definidos. O art. 103 da Constituição Federal fixa os legitimados ativos para a propositura da Arguição, que são os mesmos da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pelas circunstâncias e composição política de cada estado, não é tarefa fácil formular novas ADPF´s no mesmo sentido da 594 e da 635.

Quais seccionais da OAB, de diretórios partidários, dos sindicatos ou de entidades de classe tomarão para si essa responsabilidade agora? O PSB e o PSOL merecem todo aplauso e respeito por ter tido uma atitude corajosa de furar a bolha retórica de combate ao racismo. O desafio está lançado e a pressão é determinante para que mudanças efetivas possam acontecer em favor das vidas negras e indígenas.

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