Weintraub tentou afundar o MEC, mas tropeçou na própria incompetência

Ministro deixou o cargo nesta quinta-feira (18) após gestão fracassada e desgaste junto ao STF

O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub

“O objetivo é acalmar os ânimos. Colocar a bola no chão, pôr (a Educação) para rodar, republicanamente, e respeitando as diferentes opiniões”, afirmou Abraham Weintraub no dia 9 de abril de 2019, ao tomar posse como ministro da Educação. Catorze meses depois, ele deixou o cargo de forma humilhante nesta quinta-feira (18), sendo reconhecido como o mais reacionário titular a já passar pela pasta.

Sua gestão acumulou fracassos, e Weintraub ainda se tornou alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Sua demissão passou a ser discutida nos corredores de Brasília depois que veio a público a bravata, dita em uma reunião ministerial no dia 22 de abril, de que, por ele, colocava “esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.

Quando parecia que a situação se desanuviava, Weintraub atacou de novo. No domingo (14), ele foi ao encontro de manifestantes fascistas, ligados ao mesmo grupo que lançara fogos contra o prédio do STF na noite anterior. Em público, repetiu o absurdo que havia proferido em privado, sobre o que pensava dos integrantes da mais alta corte do país e qual o destino que esperava para eles.

Na quarta-feira, o STF negou um pedido para excluir Weintraub de um inquérito que investiga a disseminação de fake news e o financiamento desses grupos. Outro Poder, o Legislativo, já havia convidado o ministro ao plenário do Senado para explicar suas declarações.

Nas redes sociais, o ministro utiliza a defesa da liberdade de expressão para tentar justificar seus crimes. Sobre a fala na reunião ministerial, escreveu que “não ataquei as leis, instituições ou a honra de seus ocupantes. Manifestei minha indignação, liberdade democrática, em ambiente fechado, sobre indivíduos”.

A explicação não convenceu os ministros do STF. Marco Aurélio de Mello disse que a frase foi imprópria. Alexandre de Moraes afirmou que a declaração “constitui ameaça legal à segurança dos ministros” do Supremo. Celso de Mello, o decano, denuncuou uma “aparente prática criminosa”.

A toda tentativa de enquadrá-lo ou a seus aliados, Weintraub retoma a afronta. Um dia depois de Alexandre de Moraes ter determinado o cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão contra aliados do bolsonarismo no inquérito das fake news, o então ministro postou um vídeo ao lado de um dos investigados, o blogueiro Allan dos Santos. Na filmagem, em 28 de maio, disse que Allan “não está sozinho, não” – e mandou um abraço nas “famílias de brasileiros que foram agredidas e tiveram seus lares violados”.

Em uma postagem seguinte, comparou o processo judicial com a Noite dos Cristais, episódio em que grupos paramilitares nazistas perseguiram e assassinaram judeus na Alemanha na década de 1930, durante a ascensão do nazismo. O paralelo inaceitável provocou uma dura reação da Confederação Israelita do Brasil.

Foi assim desde o primeiro dia. Quando completou seis meses à frente do MEC, em outubro do ano passado, Weintraub já contabilizava 60 interpelações judiciais por ataques e declarações, uma impressionante (com ss e não com c, como o ministro chegou a escreveu no Twitter em um de seus muitos deslizes com a língua portuguesa) média de uma a cada três dias.

Se fosse um exímio administrador com uma língua incontrolável, o ministro ainda poderia ter algo a mostrar. Mas os fracassos de sua gestão foram tão ruidosos quanto seus depoimentos. A discussão sobre o Fundeb (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica) – um assunto árido, mas que significa bilhões de financiamento à educação – não anda por absoluta falta de iniciativa do MEC.

O Enem 2019 teve uma lambança na correção de milhares de provas, que demorou a ser acertada – o total de atingidos foi pequeno, mas o medo de uma falha em seu próprio exame provocou aflição a milhões. O exame deste ano estava mantido mesmo diante da pandemia – até o ministério ser forçado a adiar a prova.

Para completar a nota 0, Weintraub tentou se aproveitar da pandemia para nomear reitores nas universidades federais com uma canetada, já que há titulares em final de mandato e a pandemia dificulta a realização de eleições. A medida provisória que previa esse despautério típico de regimes autoritários foi devolvida pelo Congresso ao Planalto. Foi apenas a quarta vez que isso aconteceu em mais de 30 anos de democracia.

Na opinião de entidades educacionais, Weintraub deixou como marca a ruptura de diálogo do governo federal com professores, estudantes, universidades e redes de ensino. Embora não tenha conseguido avançar ou concluir nenhum dos projetos anunciados para a Educação, Weintraub teve a atuação esperada pelo presidente Jair Bolsonaro ao pôr em pauta no MEC uma agenda ideológica e atrasada.

“Sem nunca ter trabalhado com educação, Weintraub não estava no ministério por acaso, mas para cumprir um papel político, replicar o posicionamento ideológico do governo. Ele não olhou para as questões educacionais – mas cumpriu o papel que esperavam dele, de transmitir uma mensagem política”, diz o educador Mozart Neves Ramos, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Desde que assumiu o ministério, Weintraub atacou universidades e institutos federais, criticou pesquisadores, estudantes e professores. Mas ações concretas não avançaram, como a tentativa de mudar a forma de escolha dos reitores e o nefasto programa Future-se para alterar o financiamento do ensino superior.

“As ações dele não andaram porque a sociedade se organizou e reagiu, mas acredito que ele tenha alcançado o seu objetivo de transformar o MEC em um instrumento de ideologia. Ele desmoralizou as universidades públicas, ofendeu estudantes, retirou bolsa e recurso de pesquisas”, afirma Iago Montalvão, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Reitores de universidades e institutos federais disseram que, mais do que os ataques e ofensas, a inação do ministro para buscar soluções para os problemas do ensino superior é que prejudicou o desenvolvimento nos últimos meses. Entre as “questões urgentes” que estão pendentes, Jadir José Pela, presidente do Conif (Conselho de Reitores dos Institutos Federais), cita o orçamento de 2021.

“Só esperamos que o próximo ministro entenda o papel e importância da rede federal de ensino. A gente não via isso com o Weintraub, que nunca defendeu nosso orçamento ou projetos para o nosso desenvolvimento”, disse Pela.

Apesar dos embates mais evidentes com as universidades, as entidades destacaram que a ausência de projetos para a educação básica também deixa marcas. Além de não consegur a aprovação do Fundeb, Weintraub descontinuou ações para o Ensino Médio, o programa para a expansão de escolas em tempo integral e a construção de creches.

“Esperamos que agora seja possível retomar os programas parados e voltar a discutir ações para a educação básica. Estamos em um momento bastante complicado para o ensino no país e não podemos perder tempo com questões ideológicas”, diz Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (entidade que representa os secretários municipais de Educação).

Presidente-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, disse que a saída de Weintraub ocorre em um dos momentos mais críticos da educação brasileira, que emergencialmente precisa de um novo modelo de ensino por causa da pandemia e está em situação financeira próxima ao colapso. “Weintraub não deixou legado nenhum, marca nenhuma. Mas a inação em um momento como o que vivemos significa ainda mais destruição, mais prejuízo”, disse.

Com informações da Época e da Folha de S.Paulo

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