USP estuda resistência de “superidosos” à covid-19

Pesquisadores buscam entender as causas genéticas responsáveis pela diferença nas reações imunológicas de pessoas jovens que morrem e idosos que sobrevivem à covid-19

Pessoas com mais de cem anos que sobreviveram ao covid-19 são considerados os superidosos para pesquisadores de genética da USP Foto: Prefeitura de Manaus

A covid-19 apresenta grande variabilidade clínica, atingindo tanto pessoas jovens, que desenvolvem formas letais da doença, até pessoas com mais de 80 anos, os chamados superidosos, que contraem a doença e se recuperam. Curiosos com essa diferença, que indica a influência de fatores genéticos, pesquisadores da USP estudam a resistência dos superidosos à covid-19, relacionando causas genéticas e reações imunológicas desses organismos.

A professora Mayana Zatz, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da USP e coordenadora do Centro de Pesquisas sobre Genoma Humano e Células-Tronco, conversou com o Jornal da USP no Ar sobre esse estudo. Ela conta que a diferença entre a intensidade das reações a uma doença é regulada por nossos genes, e que, mesmo antes da pandemia, os pesquisadores do centro já realizavam pesquisas que mostravam que pacientes com as mesmas mutações genéticas podiam apresentar formas graves ou leves da mesma doença, além de estudos que acompanham as vidas de superidosos.

São 1200 pessoas com mais de 60 anos, que vêm tendo sequenciado seu genoma, desde o ano 2000, pela Faculdade de Saúde Pública, em estudo coordenado pela pesquisadora Ieda Duarte. Este que é o maior coorte de estudo com idosos da América Latina busca entender porque algumas pessoas conseguem envelhecer saudáveis tanto do ponto de vista físico como cognitivo.

“Quando começaram a sair as primeiras notícias de pessoas com mais de 90 anos que tiveram covid-19 e se curaram, isso foi ao encontro do que nós já estávamos estudando. O que estamos vendo é que algumas pessoas possuem um perfil genético que as fazem resistir a qualquer ‘desaforo’ do ambiente, inclusive ao coronavírus”, explica Mayana. Algumas dessas pessoas que chegam aos cem anos são obesas, sedentárias e fumaram a vida inteira, por exemplo.

Amostras estão sendo coletadas para se tentar explicar o mecanismo que oferece essa resistência, considerando pessoas jovens que vão a óbito, mesmo sem comorbidades, e as pessoas assintomáticas e resistentes. “Estudamos um caso de uma família onde um senhor de 72 anos teve o quadro clínico com duas semanas de internação e a mãe dele de 98 anos que vive com ele não teve absolutamente nada”, relatou.

Mayana fala de pessoas assintomáticas que apresentam anticorpos do vírus e aquelas que nem sequer apresentam os anticorpos, mesmo tendo contato com doentes, que são os resistentes ao vírus. Ela diz que seria importante tentar levantar qual é a proporção da população tanto de um perfil genético, quanto do outro. Outro estudo procura entender qual mecanismo determina essa resistência. Pode ser uma imunidade advinda das células T, estudo em colaboração com o Jorge Kalil e Edésio Cunha que estudam a parte imunológica. Em outro estudo, os pesquisadores infectam em laboratório o coronavírus nas células dessas pessoas resistentes para saber como ele age, se não penetra nas células ou se penetra e não destrói as células.

Várias linhas de pesquisa relacionadas à resistência ao coronavírus estão sendo realizadas, incluindo a análise de populações. A professora explica que “nos bancos de dados internacionais, geralmente as informações são de populações europeias, mas estamos encontrando várias diferenças na nossa população, que é etnicamente diversa”, e que ainda existem muitas dúvidas a respeito da imunidade ao SARS-CoV-2, dependentes de tempo e recursos para descobrir os fatores genéticos envolvidos.

Por isso, este estudo é tão importante por focar no perfil étnico diverso da população brasileira. A pesquisa demanda muitos recursos para dar continuidade e os pesquisadores estão com escassez solicitando ajuda. A pesquisa pode fazer descobertas reveladoras sobre a população brasileira. Um dos genes identificados internacionalmente com o câncer de mama, por exemplo, foi encontrado numa das superidosas de 93 anos da mostra brasileira, que nunca teve nenhum tipo de câncer.

Pessoas que dizem que nunca ficam gripadas podem ter algum tipo de predisposição de resistência a esse tipo de vírus. Na baixa taxa de contagio e letalidade da pandemia no Japão, mesmo sem o governo decretar restrições de lockdown, estudiosos chegaram a cogitar esta hipótese da população japonesa já ter sido exposta de alguma forma a coronavírus e criado resistência a este novo.

Os estudos estão focados na análise da resistência de superidosos, bem como de pessoas que convivem, como casais, ou familiares, nos quais um dos indivíduos contraiu a doença e o outro não. Caso seja o seu caso, é possível participar das pesquisas do Centro de Estudos como voluntário. Para isso, basta enviar um e-mail para estudocovid@gmail.com.

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