Revista Princípios se renova para os desafios do novo século
Revista mais longeva da esquerda brasileira renova perfil editorial e formato para influenciar ainda mais o debate político, cultural e social do país.
Publicado 03/09/2020 18:46 | Editado 04/09/2020 15:32
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Leia aqui o editorial da nova edição
A edição 159 da revista Princípios chega às mãos dos leitores com uma nova proposta editorial. Com quase quatro décadas de existência, a revista renova seu formato, perfil e conselho editorial para se inserir no debate nacional qualificada para os desafios da nova ordem política e econômica.
A pandemia, as novas configurações geopolíticas internacionais, a crise financeira, ascensão de governos autoritários, os avanços tecnológicos e reconfigurações da classe trabalhadora aceleram transformações que demandam reflexões mais densas e ousadas. Do mesmo modo, a velocidade das redes sociais e portais de notícias tornam revistas irrelevantes se não forem capazes de um debate mais estrutural e menos conjuntural.
Foi com este tom de desafio que a nova edição foi lançada nesta quarta-feira, com apresentação dos envolvidos na empreitada, sob a mediação da socióloga Ana Prestes, também editora-executiva da revista. Antes, um vídeo mostrando a cara e temática de cada edição desde seu primeiro número, em 1981, ainda sob o regime militar, mostrou a jornada épica do debate nacional e o retrato das transformações velozes pelas quais o país passou nesses 39 anos.
Ana Prestes lembrou que a revista Princípios nasceu sob o comando do presidente do PCdoB, João Amazonas, “num contexto de transição entre um regime de exceção e uma democracia que lutava por nascer”.
Ao longo dessas quase quatro décadas, a revista princípios, que já é a mais longeva revista marxista do Brasil, participou de todos os principais debates teóricos, políticos, ideológicos do Brasil. Entre esses debates, ela destacou a luta pelo socialismo, o novo projeto de desenvolvimento e as principais causas da nação, sejam econômicas, culturais ou políticas.
A novidade é que ela vem com o desafio de se inserir ainda mais no debate acadêmico, com novo formato, novo design gráfico e um conselho editorial reformulado e ampliado a partir da edição 159, que já está disponível no site da Livraria Anita Garibaldi ou em sua versão digital no site da revista.
Entre as personalidades que prestigiaram o lançamento, falaram o historiador da ciência da UFBA, Olival Freire Jr, que foi editor entre 1993 e 2002; o jornalista Pedro de Oliveira, editor entre 2002 e 2005; o jornalista Adalberto Monteiro, editor entre 2006 e 2018; a historiadora Flávia Calé, presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), a jornalista Rosanita Campos, representando a Cátedra Claudio Campos da Fundação Maurício Grabois; o professor de Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas, representa os autores da edição 159; o filósofo da Unicamp, João Quartim de Moraes, membro do conselho editorial da revista; o economista da UFBA, Renildo Souza, que coordenou o dossiê Trabalho e Proletariado do século XXI na edição 159; o sociólogo da UFRB, Nilson Weisheimer, editor-executivo da revista; o jornalista e professor da UFMA, Fábio Palácio, editor; o historiador Júlio Vellozo, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e editor; o presidente nacional da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo e a vice-governadora de Pernambuco e presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos.
Desafio para tempos de ruptura
Júlio Vellozo considera um feito, em si, a revista Princípios ter uma trajetória tão constante, influenciando o debate marxista na política, na academia e na ciência.
Ele identifica a grande viragem histórica em que se dá a renovação da revista, a partir de uma grande ruptura, “como foi de 1848, da Primavera dos Povos, que produziu um giro teórico muito importante para a esquerda mundial e o marxismo”. Ele também comparou o momento para a esquerda similar à ruptura que foi a Comuna de Paris, a Primeira Guerra Mundial, com a abertura para uma era de revoltas e revoluções, e da queda das experiências socialistas do leste europeu após 1989.
A nova Princípios se candidata a encarar essa ruptura num período novo no Brasil, com a emergência de um governo como Bolsonaro, mas também para o mundo. “Um período marcado por uma crise econômica gravíssima, um novo êxodo no mundo, uma crise climática com reflexos enormes, uma crise do velho modelo de dominação da democracia liberal, que vai sendo abandonado pelas elites e o declínio relativo dos EUA, que vai sendo ultrapassado de forma dolorosa, tortuosa e complexa pela China”, pontua Vellozo.
Segundo ele, essas mudanças pedem para fazermos um esforço teórico grande diante do novo. “O que já sabíamos é insuficiente para interpretar esse novo tempo, por isso a Princípios se renova para continuar essa revista forte, pujante e ligada nos acontecimentos teóricos no mundo”, diz ele.
Ele considera que a revista pode cumprir o papel do soldado batedor, abrindo caminhos, especulando, testando hipóteses, para elaborar a teoria da revolução do nosso tempo.
O desafio da ampliação do impacto da Princípios
Renato Rabelo destacou o contexto de surgimento da revista em 1981, “num período marcado pelo começo do fim do regime militar, no contexto da irradiação ampla da luta pela liberdade no pós-ditadura”. Ressaltou a importância do comando de João Amazonas naquele momento de reestruturação das forças políticas e do partido dos comunistas. “Era um momento delicado em que destacados quadros e dirigentes foram assassinados pela ditadura militar”.
Ele homenageou o comando da revista neste período, desde João Amazonas, passando por José Reinaldo de Carvalho, Rogério Lustosa, Olival Freire Jr, Pedro de Oliveira, José Carlos Ruy e Adalberto Monteiro, até 2018. Citou o “rol precioso” de intelectuais, pesquisadores, cientistas, jornalistas, artistas, lideranças políticas e sociais agregados voluntariamente pela revista.
Hoje, diz ele, acumula-se quase dez mil páginas de um rico acervo de formulação teórica marxista e progressista e muitos artigos com diagnósticos, tendências e caminhos a seguir.
Ele citou a base do conteúdo da revista nesse período. No início foi dado destaque a questões de princípios, da base teórica, e da identidade no novo contexto de redemocratização. Ele sublinhou o debate de João Amazonas sobre a crise teórica do socialismo e o caminho soviético, assim como as questões relativas à história do Brasil, suas potencialidades e impasses. A revista ainda teve papel importante no debate sobre a Constituinte de 1988, assim como no debate sobre o novo projeto de desenvolvimento para o Brasil e o enfrentamento dos rumos nefastos que o país tomava sob o neoliberalismo.
“Agora, partindo dessa significativa herança, e seguindo esse justo lema de renovação, no início desse século em que vivemos tempo de aporia, impasses e entroncamentos, o desafio teórico político se torna exigente de maiores horizontes e instrumentos modernos de comunicação”, defendeu Renato. Segundo o dirigente, a Fundação Maurício Grabois vem desenvolvendo esforços em dois planos, estar mais sintonizada com o tempo histórico e estar a altura da missão revolucionária do alcance de uma nova sociedade socialista.
Renato mostrou que a revista vinha cumprindo um papel híbrido de revista de fôlego com jornal conjuntural, conforme o jornal A Classe Operária deixou de circular. Ele observa que a imprensa digital, hoje, é um espaço enorme para o debate conjuntural, em tempo real, que torna uma revista quadrimestral inadequada para isso.
Assim, a revista muda de projeto visual, passa a ser imprensa em formato livro, com periodicidade quadrimestral e passa a abordar temas de fundo, ensaios, estudos e pesquisas, tornando-se um periódico científico. A revista que já estava qualificada no novo Qualis na Capes como A4, fará adequações para estar presente em base de dados nacionais e internacionais de periódicos teóricos, possibilitando a ampliação de impacto da revista.
“Portanto, são novas tarefas, novos desafios, que nos colocam numa posição mais avantajada na determinante frente da luta de ideias. Bravo! Viva!”, saudou ele.
Uma revista rastreável e repercutida
Olival Freire Jr ressaltou a juventude dos editores que aceitaram aceitar o desafio da edição da revista. “É uma evidência de renovação da revista muito importante”, disse ele, fazendo referência à trajetória de Fábio Palácio como intelectual.
Ele comparou o momento da criação da revista, com o atual, em que a luta de esquerda era de resistência contra a ditadura. “A criação da Princípios, como do jornal Tribuna da Luta Operária, como a decisão de dirigentes de assumir a legenda do Partido Comunista do Brasil, que não era trivial nem automática devido à corrente interna contrária a isso, era uma aposta na ascensão do movimento democrático”, afirmou Olival, enquanto vivemos momentos de contenção, retrocesso e conservadorismo.
Ele apontou o desafio de tornar a revista clara e didática nos argumentos que oferecerá para a militância, nesse momento em que a esquerda é oposição ao governo. Como cientista, Olival ressaltou a importância da presença digital e acadêmica da revista. “Quem não tiver rastreabilidade no mundo digital não vai aparecer”, declarou, apontando a importância de estar na plataforma adequada e ser repercutida pela qualidade e impacto de seus artigos.
Contribuições que marcam época
Pedro de Oliveira disse que, ao assumir a edição da Princípios, baseou-se na frase de João Amazonas que dizia que a jornada do movimento revolucionário era de longo curso. “Por isso, era preciso uma revista que à luz do marxismo, perscrute os dilemas da luta presente, investigue a realidade brasileira e internacional e fundamente o futuro do nosso movimento”, parafraseou ele.
Oliveira observou que o surgimento da revista se dá apenas dois anos após a Anistia que possibilitou o retorno de Renato Rabelo e João Amazonas do exílio. Assim, a revista lutou pela consolidação da redemocratização, assim como pela participação dos comunistas da Constituinte de 1988. Logo depois, no início dos anos 1990, houve o vendaval anticomunista, e a revista deu uma grande contribuição para o desvendamento do neoliberalismo e seu papel de tentativa de recolonização da América Latina através da Alca.
O jornalista continua seu relato lembrando que, ao assumir funções executivas no governo brasileiro, pela primeira vez, o Partido Comunista teve, a partir de 2003, na Princípios, uma aliada na construção de um projeto nacional de desenvolvimento.
Ele concluiu homenageando camaradas que morreram jovens e contribuíram muito com a revista: Rogério Lustosa, Edvar Bonoto e Augusto Buonicore. Ele ainda destacou a importância pioneira de Olival Freire Jr e Luis Fernandes.
A nova florada de Princípios
Adalberto Monteiro comparou a revista a uma árvore forte, sadia e com abundância de seiva com uma florada nova para a nova etapa. Para ele, a longevidade da revista vem pelo fato da revista manter fidelidade aos ideias do seu fundador João Amazonas. “Segundo, que a Princípios é uma obra coletiva de vários editores e comissões editoriais que a mantiveram viva”, explicou ele, citando os nomes que trabalharam na revista durante sua passagem pela editoria.
Ele lembrou que a revista enfrentou no início do Governo Lula o tema dos comunistas em governos de coalizão, em que são minoria, e como empreender uma transição do neoliberalismo para um projeto de desenvolvimento. Com a aprovação de um novo programa do Partido em 2009, que traça um caminho da revolução no Brasil a partir de um projeto nacional de desenvolvimento. “Um genuíno produto do marxismo aplicado à realidade brasileira”, sintetizou.
A crise mundial do capitalismo deflagrada a partir de 2007, e o conceito de nova luta pelo socialismo também foram tratados na revista, assim como a memória e a história da luta proletária no Brasil. Ele concluiu apostando sua confiança na capacidade do conselho editorial de, a partir do legado da revista, “continuar a se entrelaçar ainda mais ao pensamento avançado, estabelecendo um intercambio e diálogo ainda mais intenso com a universidade e a intelectualidade brasileira”.
Um Brasil de escritores e leitores
Flávia Calé ressaltou a importância da Princípios se renovar para uma realidade em que a autonomia sobre a produção do conhecimento científico se torna imperativa, uma questão de soberania.
Ela relatou que a pós-graduação se expande pelo território nacional, ampliando o escopo de temas nacionais, na medida em que a região Sudeste dominou por muito tempo a produção científica.
“Passamos a formar anualmente 60 mil mestres e 22 mil doutores no Brasil, o que significa um aumento expressivo de produtores e leitores de conteúdo acadêmico e científico”. Ela ressalta a importância da revista Princípios se abrir para o diálogo com todo esse público da universidade ávido por leitura e vontade de publicar.
“Eu quero destacar uma característica da Princípios que é necessária para o avanço do conhecimento de fronteira que é a interdisciplinaridade. Vivemos sob o signo da compartimentalização do conhecimento que leva a uma visão fragmentada dos grandes problemas teóricos e práticos da sociedade”, afirmou Flávia, apontando a carência de revistas que trazem no seu núcleo essa interdisciplinaridade, um potencial a mais para o sucesso da revista, pela amplitude de público que pode agregar.
No momento em que o conhecimento e a ciência são atacados, ela considera fundamental o diálogo com a sociedade para o impacto do papel da ciência para o desenvolvimento da nação. Para ela, o pensamento progressista, transformador e marxista tem um espaço importante no debate da universidade com capacidade de dar resposta aos desafios contemporâneos.
A contribuição ao nacional-desenvolvimentismo
Rosanita Campos considera importante e oportuno ter o foco da Princípios na academia, no momento em que “a ciência é questionada, a cultura desprezada e a educação destruída”.
“Nossa tarefa é fazer o resgate do pensamento nacional-desenvolvimentista e dos principais teóricos dessa corrente, decisiva desde a década de 1930”, disse ela sobre a
Cátedra Claudio Campos, que deve lançar livro sobre o assunto, assim como estimular debates.
Para ela, só um partido prestes a completar cem anos tem condições de apresentar uma publicações, uma Fundação como a Maurício Grabois e dirigentes como João Amazonas que condensam essa história tão bem.