Furar bolhas: como fugir do game over

Os influenciadores hoje pautam temas e ocupam mais espaço que qualquer movimento estudantil.

Nem só de viúvos da ditadura, neoliberais ideológicos e de velhos moralistas conservadores é construída a base de apoio a Bolsonaro. E é preciso estar atento a isso. Há, por exemplo, uma expressiva parcela de jovens que foi cooptada para as trincheiras do presidente. São os gamers, youtubers e hackers, gente que domina as redes sociais e a comunicação dos novos tempos. E que não são necessariamente bolsonaristas-raiz.

A aproximação de Bolsonaro com esse grupo, aliás, não é estratégia local. Trump fez igualzinho nos Estados Unidos. O livro Engenheiros do Caos conta com detalhes o movimento pensado por Steve Bannon em direção a essas comunidades digitais, que findaram por comprar a ideia de que Trump estava ao seu lado, na batalha contra o establishment político e midiático.

Por aqui, a farsa também colou. Mas não é que Bolsonaro tenha ganhado a competição. Simplesmente, estava jogando sozinho. A esquerda teve dificuldade de se colocar diante desse novo jeito de fazer política e de flertar com novos atores. De certa maneira, menospreza sua importância.

Esses dias, Guilherme Boulos, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, deu um passinho para fora da bolha. Participou de um podcast apresentado por dois youtubers oriundos de canais dedicados a jogos e de público majoritariamente de direita. Os comentários respeitosos e até receptivos dos anfitriões e também dos espectadores indicam que é necessário, sim, ampliar o debate.

Não vai dar para contar só com os iguais, eles são poucos. E se as lideranças políticas tradicionais afastaram-se do povo, que hoje tem novas feições, não se pode desprezar o poder dos que conseguem alcançar plateias diversas. Num país tão desigual, estruturado em tantas injustiças e equívocos, a esquerda não deve construir mais muros e castelos.

Uma pesquisa da Ideia Big Data mostrou, no ano passado, que 47% dos brasileiros entre 18 e 24 anos consomem informação sobre política nas redes. Os influenciadores hoje pautam temas e ocupam mais espaço que qualquer movimento estudantil.

O dirigente e o intelectual perderam protagonismo, não são mais os únicos a ocuparem os postos de porta-voz. Muitas vezes estão tão distantes da realidade das ruas e das redes que têm dificuldades de interferir nela. Há vários agentes em cena, com amplificadores em punho, e não se deve desdenhar deles, como muitos fazem com Anitta e Felipe Neto. Formação política e visão de mundo distintas não impedem a construção de pontes.

Estamos falando sobre os jovens conectados que hoje marcham com Bolsonaro, mas também serve para os evangélicos, por exemplo. Não há que se demonizar um credo, porque muitas de suas lideranças são péssimas. É preciso recompor o elo com as pessoas, e é mais provável que isso aconteça hackeando as estruturas que fingindo que elas não existem.

Afinal, não há como convencer alguém de que suas ideias são melhores se você sequer está disposto a apresentá-las e a ouvir o que vem do outro.

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