Trump, União Europeia e a opção pela guerra

A pandemia faz estragos, mas o imperialismo não dá tréguas. O primeiro Diretor-Geral da Organização para a Proibição das Armas Químicas, OPAQ, foi impedido de testemunhar no Conselho de Segurança da ONU por EUA, Inglaterra e França (abrilabril.pt, 15.10.20).

O brasileiro Bustani ia defender os inspetores dissidentes da OPAQ que acusam a respectiva chefia de ignorar as suas inspeções no local do alegado ataque com armas químicas em Douma, na Síria, em 2018, e de optar por publicar conclusões diferentes, com a versão politicamente correta dos países que usaram o pretexto para um ataque com mísseis à Síria.

Não é a primeira vez que Bustani enfrenta as mentiras belicistas. Em 2002 foi afastado da OPAQ sob pressão dos EUA, por enfrentar a cabala das inexistentes armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Desta vez, a França de Macron alinha com Trump. E a Alemanha de Merkel também. A versão alemã do caso Skripal, que também envolve a OPAQ, ultrapassa o limite do ridículo. Mesmo admitindo que o governo russo quisesse envenenar Navalny e que para tal tivesse usado um agente nervino «oito vezes mais mortífero do que o gás VX» (Telegraph, 2.9.20), custa a acreditar que de novo a vítima milagrosamente sobreviva. E nem uma criança acredita que, estando Navalny no seu território, os maléficos russos não acabassem o que alegadamente começaram. Mas o governo russo deixou Navalny sair vivo do país. E como sublinha o Ministro do Exterior russo Lavrov falando para homens de negócios europeus (5.10.20), a «clínica [alemã, civil] Charité também não encontrou quaisquer agentes tóxicos do chamado grupo Novichok nas amostras de Navalny. Foi a clínica da Bundeswehr [militar] que anunciou o achado». Nenhum perfume consegue esconder o cheiro a provocação e mentira. Mais uma.

Não se deve subestimar a gravidade da opção dos países que mandam na UE em alinhar com as provocações dos EUA à Rússia e à China. Face às sanções impostas pela UE, diz Lavrov: «talvez já não haja bases que permitam lidar com a Europa a longo prazo e não podemos estar certos de que os nossos parceiros europeus respeitem os seus compromissos. […] No meio da estagnação mental em Bruxelas, estes processos ganham ímpeto sobretudo na Alemanha. […] a Alemanha está-se a tornar o ator mais destacado em concretizar uma forte e duradoura viragem anti-russa em todos os processos em curso na UE».

Que a UE decida afundar-nos juntamente com os EUA, país à beira da implosão social, política e sanitária, não é coisa pequena. Diz o General Carlos Branco, no seu mais recente livro (p.49): «Num quadro em que a potência dominante vê a sua liderança ameaçada, não é mera figura de retórica equacionar a possibilidade dos EUA travarem de forma violenta a ascensão do competidor. São vários os indícios que credibilizam essa hipótese. A concretização da supremacia nuclear americana e o fim da MAD (1), associada ao emprego alargado de armas nucleares tácticas, são ameaças objetivas à segurança internacional, que podem assumir rapidamente contornos dramáticos. São projetos reais e verosímeis. Estranha-se o silêncio dos críticos de Trump sobre este tema central». O anunciado novo normal pandêmico é, afinal, muito velho e anormal.

(1) A sigla MAD vem da expressão em inglês “Mutual Assured Destruction” – Destruição Mútua Assegurada, conceito que impediria a deflagração de uma guerra nuclear pelo equilíbrio do poder de destruição dos contendores. Os EUA tentam, principalmente desde Ronald Regan, romper com este equilíbrio. A sigla também representa uma referência à palavra MAD – Loucura (Nota da Redação).

Fonte: Avante!

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