País vive ‘desconstitucionalização’, diz representante do Cimi

Em live do Portal Vermelho, Antônio Eduardo Oliveira, secretário-executivo do Cimi, comentou desmonte da proteção ao meio ambiente e ataque aos direitos dos povos indígenas.

Antônio Eduardo Oliveira concede entrevista

O país vive um processo de desconstitucionalização com o governo de Jair Bolsonaro, avalia Antônio Eduardo Oliveira, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Segundo Oliveira, o problema do ataque a direitos dos povos indígenas e descumprimento das leis ambientais está longe de estar circunscrito à pasta do Meio Ambiente, comandada por Ricardo Salles. É uma política de governo e tem respaldo inclusive dos militares, tidos como “moderados”.

“Nós vivemos um projeto de desconstitucionalização. É um governo que não tem a mínima consideração pelas leis. Não só [no que diz respeito] ao meio ambiente, mas com relação à população brasileira. O direcionamento do governo é um direcionamento totalmente contrário aos interesses da população, às conquistas, às políticas públicas. Há uma distorção completa. O Salles tem que sair, sim, mas tem que sair junto com o governo e a gente espera que haja essa conscientização da população”, afirmou o secretário-executivo.

Oliveira deu as declarações nesta quarta-feira (4) durante live do Portal Vermelho, em que comentou o desmonte das estruturas de proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas pelo governo, a situação das comunidades tradicionais durante a pandemia e as eleições nos Estados Unidos com seus possíveis desdobramentos para a política ambiental brasileira.

Fim das demarcações

Segundo Antônio Oliveira, desde o início do governo Bolsonaro fez valer o seu discurso de campanha, contrário aos povos indígenas. Durante as eleições de 2018, o então candidato disse que não demarcaria “nem mais um centímetro” de terra indígena se eleito.

“Ao ser empossado, ele continuou estabelecendo uma política de governo contra as demarcações, contra os povos indígenas, contra o meio ambiente, pois os territórios indígenas têm também essa função. Preservam não só recursos naturais como também a biodiversidade, além da cultura de um povo”, comentou o secretário-executivo do Cimi. Segundo ele, basta o discurso de Bolsonaro para causar estragos, uma vez que os invasores de terras indígenas se sentem seguros da impunidade.

“No nosso relatório de violência, que foi lançado no dia 30 de setembro, houve um aumento de mais de 100% das invasões não só nos territórios indígenas, como em áreas de preservação das populações tradicionais, motivados por esse discurso do presidente e dos seus ministros, principalmente o Ricardo Salles, o Nabhan Garcia, que é do Ministério da Agricultura mas ligado ao Incra e muitos generais que estão no governo”, afirmou.

Ainda em 2020, é esperada uma decisão que pode significar um “respiro” para os povos indígenas no que diz respeito às terras. O Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), emitido ainda sob o governo Temer, tem sido usado para não demarcar terras das populações indígenas, por estabelecer, entre outras, a condicionante do marco temporal, que determina que os povos indígenas só podem reivindicar terras nas quais estavam no dia 5 de outubro de 1988.

Em maio, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos do parecer da AGU. O pedido de suspensão foi feito dentro de um processo sobre reintegração de posse da terra indígena do povo Xokleng, em Santa Catarina. Em maio do ano passado, o Supremo decidiu que este processo terá repercussão geral. Ou seja, o que for decidido em relação aos Xokleng vinculará todas as instâncias judiciais. O plenário discutirá também se mantém a medida cautelar deferida por Fachin.

O julgamento havia sido marcado para o dia 28 de outubro, mas foi suspenso no dia 22 pelo presidente da Corte, Luiz Fux. Segundo Antônio Oliveira, há uma articulação para que o STF volte a pautar a matéria e entidades da sociedade civil acreditam em uma vitória dos povos indígenas.

“Existe uma mobilização dos povos indígenas, movimentos sociais, várias organizações nacionais e internacionais e a gente acredita que, se for a julgamento, vamos ter maioria no STF para reafirmar o direito dos povos indígenas, o direito do indigenato. A nossa Constituição, além de reconhecer os direitos dos povos indígenas, reconhece de várias populações, é muito democrática. Nós não podemos agora voltar atrás e dizer que o Brasil é um só, de uma população só, e que as outras têm que ser integradas ou então ser eliminadas”, comenta.

Interesses econômicos

Segundo Oliveira, o discurso da “integração” dos indígenas à sociedade adotado por Bolsonaro é o mesmo dos militares nos anos 1970. Os objetivos, afirma, são exclusivamente econômicos.

“É interesse do capital que isso aconteça. Se os índios negociam seus territórios, saem dos seus territórios, abre para a exploração do agronegócio e do capital. O discurso não é inocente. Há um discurso intencionado de que os índios têm direito a alugar suas terras, a arrendar suas terras, vir para a cidade, viver como não-índio”, diz.

Pandemia entre os povos indígenas

O secretário-executivo do Cimi comentou ainda sobre as dificuldades dos povos indígenas durante a pandemia para ter acesso a atendimento médico, alimentos e medicamentos. O novo coronavírus matou 900 indígenas e contaminou 30 mil, segundo ele.

“Quando a pandemia chega no Brasil, já tinha acontecido o desmonte do programa Mais Médicos. Ao serem retirados, não houve a recomposição dessas equipes médicas. As áreas indígenas e de comunidades tradicionais ficaram completamente desprovidas desses recursos, desses profissionais. A medida tomada foi de fechar os territórios, algumas vezes entrando em conflito com órgãos de segurança”, comentou.

Segundo Antônio Oliveira, mesmo sob pressão do legislativo e do judiciário, o governo não agiu até hoje para proteger essas populações, que tiveram de se valer da ajuda das Organizações Não-Governamentais (ONGs), tão atacadas pelo presidente da República.

“O pessoal contou muito com a solidariedade da sociedade civil organizada, que atuou levando medicamentos, produtos de higiene. Houve uma soma no sentido de atuar para que a pandemia não viesse a exterminar muitas das populações indígenas”, declarou.

Eleições nos EUA

Com relação às eleições presidenciais nos Estados Unidos, que no momento pendemo para uma vitória do candidato democrata, Joe Biden, Oliveira acredita em uma intensificação da pressão sobre o governo Jair Bolsonaro do ponto de vista ambiental se de fato Trump for derrotado.

“Em um primeiro momento, vai haver um certo reflexo, sim. Pois o atual governo segue diretamente as ordens de Donald Trump. O Biden parece que vem com uma outra concepção política. Não que os Estados Unidos sejam bonzinhos. Mas essa sinalização que o Biden coloca, no sentido de ter um cuidado maior com a natureza e, ao mesmo tempo, com as políticas sociais, nos dá uma certa esperança no sentido de que vai fragilizar mais ainda esse governo aqui. E aí depende muito da gente aproveitar esse momento, no sentido de dar um passo à frente e construir uma unidade já com vistas a 2022”, defendeu.

Confira aqui o bate-papo completo:

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