Brasil deve descartar equipamento espionado pelos EUA, diz pesquisador

Para Vitelio Brustolin, suspeitas e indícios são suficientes, na inteligência, para determinar o uso ou o descarte de equipamentos

Uma “falha de inteligência”. Segundo o pesquisador Vitelio Brustolin, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e de Harvard, esta é a única razão que explica o fato de o Brasil continuar a usar equipamentos de criptografia da empresa suíça Crypto AG. Conforme denunciado em pesquisa liderada por Brustolin e divulgada na semana passada, a soberania nacional esteve – e ainda está – em risco, uma vez que, durante décadas, a Crypto AG foi controlada secretamente pela CIA.

Os equipamentos foram utilizados por órgãos do Estado brasileiro, incluindo a Marinha. Em entrevista ao jornal O Globo, o pesquisador afirma que as suspeitas contra a Crypto AG não são novas. “Foi o caso da Argentina, durante a Guerra das Malvinas (1982). A Argentina perdeu a guerra e a adulteração nas máquinas de criptografia foi uma das razões para a derrota”, afirma. “Em 1992, um executivo da empresa foi sequestrado no Irã e revelou a fraude. A partir de 1995, passaram a ser publicadas reportagens cada vez mais frequentes sobre a adulteração de equipamentos da Crypto AG.”

Para Brustolin, nenhum país pode se submeter a esse controle, mesmo se houver apenas indícios de fraudes. “Para nós, cientistas, é necessário coletar provas e evidências para a publicação de um artigo como esse. Para os serviços de inteligência de um país, não é necessário ir tão longe”, diz. Segundo ele, “a suspeita de que os equipamentos podem estar sendo adulterados já deveria ser suficiente para que parassem de ser utilizados. Afinal, trata-se da comunicação confidencial e estratégica de um país”.

O caso se agrava, a seu ver, depois que a até a NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) reconheceu a fraude. “Documentos secretos dos Estados Unidos, que demonstram o acordo da CIA com a Crypto AG, foram desclassificados em 2014. Isso gera pelo menos três perguntas centrais”, afirma Brustolin. “Primeiro: como é possível que não haja ‘indícios de comprometimento do sistema de comunicações’, diante de toda a informação disponível a qualquer pessoa sobre isso? Segundo: como os órgãos de inteligência do Brasil deixaram isso passar? Terceiro: por que a Marinha do Brasil continuou adquirindo equipamentos de criptografia dessa empresa entre 2014 e 2019? Apenas uma falha de inteligência explica isso.”

Na semana passada, a Marinha informou que não abrirá mão dos equipamentos, ignorando os alertas dos especialistas. De acordo com Brustolin, isso “põe em risco não apenas a eficácia dos nossos submarinos – mas também as suas operações e as vidas de pessoas dentro deles e em nosso país”.

O pesquisador exemplifica: “A Marinha afirma que ‘utiliza softwares e algoritmos próprios para a proteção de dados sigilosos, uma criptografia de Estado, totalmente restrita e desenvolvida no âmbito da Força’. Se isso é verdade, por que foi adquirido software da Crypto AG, conforme o Portal da Transparência revela? Por que foi adquirida, da própria Crypto AG, licença para o uso desse software? Os equipamentos que a Marinha adquiriu de 2014 a 2019, o seu software e a sua licença foram pagos com dinheiro público. Qual é o sentido de gastar dinheiro público com algo que não será utilizado?”.

“No mais, quem pode acreditar nos sistemas de comunicação dos nossos submarinos, depois de as próprias agências de inteligência dos EUA admitiram que fraudaram os equipamentos?”, questiona o pesquisador. “A CIA só se desfez da Crypto AG em 2018. O Brasil comprou um sistema em 2014 e continuou adquirindo software e licença para ele até 2019. Será que a CIA, que era dona da empresa, não fez nada no sistema?”

Para o Brasil, há a possibilidade de desenvolver seus próprios produtos tecnológicos, em especial sistemas de comunicação via rádio, por meio da Imbel – “uma empresa estratégica de defesa do Brasil”, conforme Brustolin. “Por que não investir na ampliação e diversificação da produção nacional do hardware, já que, segundo a Marinha, os softwares e os algoritmos já são produzidos no Brasil?”, diz ele. “Os equipamentos da Crypto AG custaram milhares de dólares, e não milhões. O quanto valeria para o Brasil investir nessa área e nos tornar menos vulneráveis e dependentes de países estrangeiros? Quanto nos custa continuarmos dependentes?”

Com informações do O Globo

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