Extinção do CEITEC é crime de lesa-pátria e traição nacional

Uma brutal política de desmonte do Estado Nacional foi posta em marcha e presenciamos os ataques contra as universidades públicas, os institutos de pesquisa, os institutos federais, as empresas nacionais, públicas ou privadas, e a qualquer instituição ou entidade que guarde qualquer relação com a perspectiva de desenvolvimento nacional soberano.

Indústria de semicondutores CEITEC.

Ciência, inovação, tecnologia, educação, soberania nacional, desenvolvimento econômico e social. Palavras e conceitos que, ao raiar dessa terceira década do século XXI, caminharão cada vez mais próximos. Não é mais possível negar que para alcançar uma posição forte e autônoma no tabuleiro geopolítico internacional, a melhoria das condições de vida e autodeterminação do seu povo e a defesa da sua soberania nacional, um país não pode deixar de avançar suas fronteiras do conhecimento, investindo maciçamente na pesquisa e na produção do conhecimento técnico-científico.

Entretanto, os países ricos e os em ascensão robusta já ocupam muitos dos nichos relacionados à escala de produção de conhecimento e inovações científicas e tecnológicas, dominando o mercado mundial nos setores que realmente induzem ao desenvolvimento de suas nações. Não é tarefa fácil, para um país como o Brasil, conseguir romper essa bolha e adentrar no seleto grupo que domina a ciência, os métodos e a tecnologia que garantem o protagonismo no mercado de ponta mundial.

Construir um parque industrial voltado para o desenvolvimento de pesquisas e produção hightech, não acontece da noite para o dia. Pressupõe um projeto nacional de desenvolvimento, ancorado em uma atuação marcante do Estado enquanto financiador e protetor das pesquisas e indústrias nascentes, ou em desenvolvimento, sejam elas públicas ou privadas. Do contrário, não é possível avançar por todas as etapas do processo, que geralmente demanda pesquisa – por vezes de longo prazo -, incubadoras de desenvolvimento, enfrentamento ao assédio, coerção e boicote perpetrado por multinacionais e governos concorrentes, inserção e conquista de mercados, aquisição de competitividade, consolidação de uma política permanente de inovação, para citar alguns dos desafios. Por vezes, tudo isso pode levar décadas. Portanto, não pode estar condicionado aos interesses imediatistas do mercado, e sim delineado nas estratégias de médio e longo prazo do Estado Nacional.

Infelizmente, o Brasil, que se agarrou à ideia de ser o “país do futuro” e nunca do presente e, atualmente, vem se tornando o país do passado obscurantista, ao longo das últimas décadas enveredou por caminhos que o afastaram, cada vez mais, da possibilidade de se colocar no Olimpo das potências mundiais. Na Nova República, com exceção de um pequeno surto industrializante, em meados da primeira década do século XXI, assistimos a um processo permanente de desindustrialização vinculado à uma total falta de concepção de um projeto de desenvolvimento nacional – uma nau à deriva, sem um itinerário ou um porto de chegada. Situação que se deteriorou, ainda mais, após o fatídico golpe de Estado, perpetrado em 2016.

De lá para cá, a destruição acentuou-se celeremente. Uma brutal política de desmonte do Estado Nacional foi posta em marcha e presenciamos os ataques contra as universidades públicas, os institutos de pesquisa, os institutos federais, as empresas nacionais, públicas ou privadas, e a qualquer instituição ou entidade que guarde qualquer relação com a perspectiva de desenvolvimento nacional soberano.

Após a privatização e desnacionalização da Embraer e o assédio privatista permanente sobre os Correios, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, a Eletrobrás, a Petrobrás, a Telebrás e até mesmo sobre a Casa da Moeda – para citar os em maior evidência – a sanha antinacional entreguista voltou-se para o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. (Ceitec). Publicado no dia 15 de dezembro de 2020, o Decreto presidencial Nº10.578 dispõe sobre a dissolução societária do Ceitec, evidente crime de lesa-pátria e traição nacional.

CEITEC

Menos conhecida do grande público e mesmo das redações dos grandes grupos midiáticos, que defendem, diuturnamente, o saque e a destruição do patrimônio nacional, o Ceitec é uma empresa estatal, com sede em Porto Alegre – RS, que tem no seu escopo a produção de semicondutores, microeletrônica e áreas correlatas.

Fruto de um longo processo, que começa a ser delineado ainda no ano 2000, através de um protocolo de intenções firmado entre os três níveis de governo, instituições de ensino superior e empresas privadas, ganha densidade em 2005, nos parques tecnológicos da UFRGS e da PUCRS, tendo sua criação autorizada em julho de 2008, pela Lei nº11.759, e é oficializado em novembro do mesmo ano, através do Decreto 6.638. Sua inauguração, que contou com a presença do então presidente Lula e da futura presidente Dilma Rousseff, ocorreu em 05 de fevereiro de 2010.

A estatal brasileira é, ou era, a única fábrica de chips e alta tecnologia da América Latina. Dimensionar os efeitos deletérios dessa extinção não é tarefa simples.

Em primeiro lugar, reitera-se a total falta de compromisso da elite local e de seus asseclas no Governo Federal, no Judiciário, no Legislativo Federal e nos grandes conglomerados midiáticos, com qualquer tipo de projeto soberano de país. Entregues à orgia financeira, abandonaram qualquer perspectiva nacionalista. Sua atuação, sistemática, é no sentido de transferir nosso patrimônio público, arduamente construído, ao capital privado.

Demagogicamente, o decreto de extinção e as justificativas expostas no site do Ministério da Economia, mostradas a seguir, distorcem e manipulam a realidade, apontando, cinicamente, os motivos do crime:

“– o setor de atuação do Ceitec é caracterizado por intensas mudanças tecnológicas, que demandam elevados e contínuos investimentos em P&D e a rápida adaptação das empresas, o que não é compatível com as limitações do modelo de empresa pública;

– a receita líquida de vendas do Ceitec não acompanha o crescimento das despesas com pessoal e as receitas totais cobrem, historicamente, menos de 10% de suas despesas; e

– mesmo que os cenários projetados pelo Ceitec se concretizem, ainda seriam necessários aportes da União, por alguns exercícios, para a cobertura dos custos da companhia, além de relevantes reestruturações de forma a aumentar sua geração de caixa.”

Ou seja, o governo federal sabe que se trata de um setor estratégico, que demanda investimento, pesquisa e desenvolvimento. Por outro lado, deixa claro sua falta de capacidade gerencial e administrativa, bem como sua ideologia ultraliberal, ao apontar que empresas públicas seriam ineficientes. Aparenta não compreender a necessidade de aporte de mão-de-obra especializada nestas áreas de ponta, além de investimento que proteja e estimule essas indústrias em sua jornada de desenvolvimento. Reconhece que o Ceitec apresentou um cronograma de estruturação e consolidação, descartado por motivos ideológicos e antinacionais, que caracterizam um governo subserviente a interesses externos, notadamente aos interesses imperialistas.

Manifestação contra o desmonte do CEITEC

Quando da sua criação, o Ceitec teria como uma de suas principais fontes de recurso um contrato para fabricar os chips para os passaportes emitidos pela Polícia Federal, o que não se concretizou. Estranhamente, esse contrato foi firmado com uma empresa italiana. O centro conseguiu firmar contratos importantes, principalmente para a identificação e rastreamento de animais, medicamentos, pessoas e veículos, bem como autenticação, gestão de inventário e controle de ativos, dentre outras. Mas o grande salto veio com contrato firmado com a Pirelli para a produção de chips a serem instalados em toda a sua produção mundial de pneus, o que possibilitaria, para além do elevado aporte de recursos, a abertura de um nicho significativo no mercado mundial. O decreto de extinção inviabiliza todo esse processo.

Desde os big data, passando pela inteligência artificial e a internet das coisas, além de uma vasta gama de produtos e serviços cotidianos em nossas vidas, como comunicações, transportes, indústria, saúde, educação, defesa, agronegócio e entretenimento, vivencia-se uma verdadeira revolução graças à micro e nano eletrônica, gerando uma dependência crescente de circuitos integrados, ou seja, chips que, em constante evolução, constituem uma das fronteiras tecnológicas mais importantes no mundo atual – uma área vital e estratégica. 

Desistir de uma empresa que já investiu milhões em pesquisa e formação de pessoal qualificado, que vinha se consolidando como altamente promissora para nossa economia e desenvolvimento soberano, atuante em um setor sensível e em franca expansão mercadológica, deve fazer a concorrência rir muito, num misto de incredulidade e escárnio. Coreia do Sul, Malásia, Índia, Rússia e China, investem maciçamente no setor com grande aporte de recursos públicos, ante os desafios para o desenvolvimento da cadeia eletroeletrônica, dada sua complexidade, elevados custos de formação de pessoal especializado e equipamentos e da competitividade inerente.

Para além de tudo isso, e talvez o mais importante efeito da criação do centro, foi o retorno de cérebros para o país. Nas palavras do presidente Lula, quando da inauguração do Ceitec: “A coisa mais extraordinária é que, em 60 dias, nós conseguimos trazer de volta para o Brasil praticamente 100 engenheiros para trabalhar nessa fábrica – pessoas que são altamente qualificadas e que estavam, por falta de oportunidades, trabalhando no exterior (…). É isso que vai dar ao Brasil a dimensão de uma grande nação. O Ceitec é apenas o começo de uma caminhada do Brasil para um futuro muito promissor”.

Não é o que está acontecendo. Após o golpe de 2016, nossas melhores mentes estão se retirando do país, nossos engenheiros são “empreendedores” de aplicativos de transporte e assistimos a um desmonte sistemático do nosso Sistema de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação. Cortes de verbas atingem e paralisam outros projetos de grande importância para a nação, como o acelerador de partículas, Sirius, e o trem de levitação magnética, Maglev-Cobra. Em 2021, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) terá uma redução estimada em R$ 4,8 bilhões na previsão orçamentária do governo.

Infelizmente, enquanto parte das forças progressistas e de esquerda abandonam conceitos como luta de classes, imperialismo e soberania nacional, em nome de pautas mais “palatáveis”, o discurso neoliberal grassa nas mentes da população, sem antagonismo radical. Nossas perspectivas se tornam, cada vez mais, sombrias e retrógradas. A derrubada desse decreto inconstitucional, seja através do STF ou do Congresso Nacional, deve ser uma pauta de luta prioritária!

Em que pese o manifesto contra a extinção do Ceitec, assinado por várias entidades, imagino que, a esta altura, deveríamos estar espumando, indignados, gritando e brandindo espadas e escudos, como bárbaros às portas do império! Ou, ao menos, de sua sucursal. O que está acontecendo?

Paulo Basso – Professor no Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento – CEDET, Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica, IFSULDEMINAS – Campus Poços de Caldas e Presidente do PCdoB Poços de Caldas/MG

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