Por que amamos odiar?

Paredão, eliminar, imunizar, matar simbolicamente, e escolher sobreviventes vencedores que passaram por todas as humilhações é a estrutura que nos adestra e naturaliza o darwinismo social.

Lucas Koka Penteado

Impressionante o que está acontecendo no #bbb21. O Lucas Penteado, o ator, rapper, negro, abandona o BBB colocando a única questão que vale a pena colocar diante de um programa cuja estrutura é a do “zoológico humano”, que cria um ambiente de confinamento artificial e pressão psicológica onde as pessoas expõem o pior de si!

Por que esse programa existe e é celebrado e desejado? Qual a sociedade e os espectadores que querem participar na zona de conforto das suas casas como os juízes do mundo?

Por que amamos odiar? Paredão, eliminar, imunizar, matar simbolicamente, e escolher sobreviventes vencedores que passaram por todas as humilhações é a estrutura que nos adestra e naturaliza o darwinismo social. Vença o mais hábil!

Em um momento em que nós estamos confinados por uma pandemia, e milhares de pessoas estão em suas casas também sofrendo pressão, assédio, bullying, o #BBB21 virou um espelho amplificado de tudo o que a sociedade tem de pior: a ideia do jogo de sobrevivência e de rivalidade dos mais fortes, dos mais articulados, dos mais capazes de “jogar” com domínio das narrativas.

São muitas situações e vale analisar com mais cuidado para além dessa histeria canceladora das pessoas.

O problema não é a Karol Conká e nem o Lucas: é o que o programa exige! Narrativas de superioridade moral, autoestima avassaladora, produção de rivalidade, exigência de ultra performance sob pressão absurdas para vencer no jogo da casa e no jogo social.

O Lucas e a Karol Conká são artistas incríveis e pessoas com personalidades complexas, com defeitos, loucuras, todas tratáveis ?  e não caricaturas.

No BBB viram caricaturas e são reduzidas a tipos! O BBB é pedagógico!

Mas acredito que no futuro um reality show que permite humilhação, coloca as pessoas em risco de saúde mental, observa sem intervir em situações de bullying e opressão em nome do “show tem que continuar“, audiência e publicidade poderão ser banidas e execradas. Não as pessoas! Mas o dispositivo!

Existe hoje uma indústria do ódio (o negócio da polarização política, das fake news , do cancelamento midiativo, etc). Onde estão os jogos de empatia? Os jogos de formação política, os jogos de solidariedade, etc?

Os jogos romanos com gladiadores e animais também foram um espetáculo e entretenimento popular, desejado e festejado na Roma antiga.

Podiam ser usados como uma forma de execução pública para criminosos condenados, que eram levados para a arena para serem crucificados, queimados vivos, mortos a espada, ou mortos por animais selvagens.

Cada penalidade era diferenciada de acordo com a posição e a classe social do criminoso.

O garoto Lucas ao desistir de ganhar um milhão, ao desistir do BBB depois de assumir que é bissexual e ser zoado, depois de ter sido identificado como o “garoto problema”, o que não segura a onda com álcool, o que não sabe se portar e perde a linha etc etc etc.

O garoto da perifa que não domina os códigos, fez o que milhares de garotos performam na vida: são levados a desistir, pode ser desistir da família, desistir da escola, desistir de um emprego ou do maior programa de entretenimento do Brasil e de um milhão.

Mas sua saída e desistência não são um problema “seu”, colocam em xeque o sistema todo! Uma empresa ética talvez acabasse com o BBB nessa saída ou na sua atual forma!

Viva os que tem coragem de sair dos sistemas! Nós espectadores ainda não estamos nesse patamar a que Lucas chegou de desconstrução!

Lucas deu um foda-se para o BBB, para seus anunciantes, para a sociedade dos juízes do mundo e para todos nós!

Só quem já perdeu tudo na vida e não tem mais nada a perder tem essa coragem e liberdade! #bbb21

P.S. E a gente confinado em outro BBB com um personagem genocida destruindo a casa, uma mulher suspeita de matar o marido na Câmara dos Deputados, escroques mil tomando conta do Estado. Vamos direcionar nosso ódio e fúria, essa energia julgadora é impressionante, para quem está destruindo o Brasil.

IVANA BENTES

Foi secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura. É professora, curadora e pesquisadora acadêmica, atua na área de comunicação e cultura, foi diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.

Da Mídia Ninja

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