Especialistas veem com preocupação lei para educação domiciliar

Para Carlota Boto, o projeto é inconstitucional, pois na Lei de Diretrizes e Bases está prevista a frequência escolar

Projeto que regulamenta educação domiciliar segue na Câmara – Foto: Pixabay

Na Câmara dos Deputados avança um projeto relacionado ao homeschooling — ou educação domiciliar — com aval do Ministério da Educação.

O ministro Milton Ribeiro já sinalizou em fala que as crianças aprendem bem em casa, mas especialistas da educação veem medidas com preocupação. A pandemia tem revelado a dificuldade das crianças e pais em lidarem com a educação à distância e a perda na formação psíquica e social da criança em não frequentar o ambiente escolar.

Segundo uma estimativa da Associação Nacional de Ensino Domiciliar, essa modalidade de ensino teria por volta de 18 mil alunos no País, o que corresponde a cerca de 0,04% do total de estudantes brasileiros no ensino regular. 

O STF já analisou uma ação a respeito considerando que falta regulamentação ao tema, mas ainda não há projetos do governo ou do Congresso que regulamentem claramente o assunto. A professora Carlota Boto, do Departamento de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP, diz que o projeto é “inconstitucional e fora do escopo legal”. 

“Consta da Constituição que cabe aos pais zelar pela frequência escolar e está prevista, na Lei de Diretrizes e Bases, a realidade de quatro horas diárias e 200 dias letivos para que todas as crianças tenham acesso à educação obrigatória”, explica. Para ela, essa é mais uma medida para retirar a responsabilidade do estado sobre a educação pública, uma questão histórica no país.

A professora, que vê com tristeza as posições postas pelo Ministério da Educação e Ministério da Família acerca do tema, reforça como a pandemia tem demonstrado a falta que a escola faz e como os país passaram a valorizar o papel do educador. Para ela, o ministro desqualifica todo um sistema de ensino e todo um projeto de educação republicana posta no país há mais de um século.

Com os projetos são vagos e não regulamentam, os pais não precisariam ter nenhuma especialização para exercer o controle sobre a educação dos filhos. Para Carlota, isso desqualifica a expertise da escola e a capacitação pedagógica dos professores. “Se qualquer um pode ensinar, o ensino deixa de ser uma especialidade que exige formação, vivência e conhecimento específico. Como se alguém se propusesse a tratar as doenças dos próprios filhos em vez de levá-los aos médicos”, declarou.

Carlota explica que a escola ocupa um lugar de transição na vida da criança, entre a vida privada e a pública. Ela prepara o indivíduo para a disputar a esfera pública. O contato com a diversidade e diferença permite uma formação de caráter, habilidades e valores que a família não tem condições de suprir sozinha.

“A família tende à homogeneidade e a escola lida sobretudo com a diversidade, e é necessário que o jovem possa lidar com o campo da pluralidade quando ingressar efetivamente como cidadãos na vida social”, explica, acrescentando que a criança que estuda com professores particulares em casa perde todo um universo de formação.

A educadora observa que a troca de professores representa uma diversidade que a constância dos pais não possibilita. “Os professores têm técnica e um saber fazer que lhes foi dado na sua formação, que não lhes permite ser dominados pelas paixões no momento da didática. Os professores ensinam melhor porque fazem isso às vistas de todos.

E deixa ainda uma questão para o ministro da Educação: “A quem as crianças que estudam em casa recorreriam quando eventualmente forem constrangidas, moral ou fisicamente, pelos próprios pais que as ensinam? Se elas aprendem em casa, quem controla esses pais?” indaga ela ao ministro, considerando que o home schooling pode mais prejudicar do que ajudar.

Edição de entrevista à Rádio USP

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