Em agonia, indústria brasileira “pegou uma beirada na festança global”

Setor agoniza e perde capacidade de produção há pelo menos três décadas – mas o problema se agravou nos últimos meses

Em meio à pandemia de Covid-19, o Brasil enfrenta uma outra crise que comprometerá seu futuro: o avanço da desindustrialização. Conforme lembra o jornalista Pedro Cafardo, em sua coluna no Valor Econômico publicada nesta terça-feira (30), a indústria brasileira agoniza e perde capacidade de produção há pelo menos três décadas – mas o problema se agravou nos últimos meses.

A desindustrialização, segundo analistas, é um processo mundial – e geralmente natural – de transição da economia industrial para a de serviços. Só que, “no caso brasileiro, é acelerado e se dá antes de o País atingir a maturidade no setor”. Cafardo recorda os últimos anúncios vindos da indústria: “A Ford, há um século no País, vai embora. A Mercedes suspende a produção de sua fábrica no Brasil. A Sony sai correndo de Manaus”.

A indústria nacional perde espaço tanto no PIB (Produto Interno Bruto) do País quanto na concorrência internacional: “A fatia brasileira na indústria mundial – que chegou a 2,8% em 2005 – recuou para 1,8% agora. E a indústria tem hoje participação no PIB nacional de 11% – tinha 17,8% em 2004 e 35% em meados dos anos 1980”.

De acordo com o economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), a desindustrialização teve início na “década perdida” (anos 1980), quando a crise da dívida e a hiperinflação impediram o setor de incorporar novas tecnologias da 3ª Revolução Industrial. O Plano Real, lançado em 1994, no governo Itamar Franco, livrou a economia da hiperinflação – mas foi feita com a “combinação perversa de câmbio valorizado e juros estratosféricos”. Com isso, a indústria deixou de acompanhar transformações globais em várias áreas.

Nos anos 2000, com a expansão sino-americana e a demanda de commodities, a indústria brasileira “pegou uma beirada na festança global”, segundo Belluzzo. O superávit comercial da indústria subiu de US$ 29,8 bilhões em 2006 para US$ 48,7 bilhões em 2011. Em 2014, porém, esse resultado já havia involuído para US$ 63 bilhões de déficit. Em 2020, o resultado negativo foi de US$ 35,3 bilhões.

A comparação com a China mostra o impacto da desindustrialização brasileira. No fim dos anos 1970, produção e exportação de manufaturados brasileiros eram próximas ou superiores às de concorrentes asiáticos. Em 1980, o Brasil exportou US$ 9,028 bilhões em manufaturados, mais que a China, que vendeu US$ 8,712 bilhões. Hoje, a distância entre os dois países é estratosférica. O Brasil exportou, em 2020, US$ 60,7 bilhões em manufaturados, e a China, US$ 2,47 trilhões.

Belluzzo observa que o Brasil perdeu a corrida para a China por mérito do “adversário”, mas também por fatores internos. Ele cita a valorização cambial, a “reprimarização” da pauta de exportação, os bloqueios à diversificação da estrutura industrial e a permanência de uma organização empresarial defensiva e frágil. Para piorar, essa fragilização industrial ocorre em um momento de intenso movimento de fusões e aquisições das cadeias produtivas globais.

Para Belluzzo, a reindustrialização não pode reproduzir hoje as orientações do “período nacional-desenvolvimentista” e, muito menos, promover abertura comercial sem uma política industrial e financeira ajustada aos tempos atuais. A literatura sobre processos de industrialização mostra a importância da ação do Estado no financiamento, na educação, na criação de sistemas de inovação e nas políticas comerciais, conforme ocorreu na Alemanha, no Japão, na Coreia do Sul, na China e nos Estados Unidos.

A manutenção do câmbio real competitivo é condição necessária, mas não suficiente. Precisa ser complementada por ações governamentais, como a escolha das cadeias prioritárias e a adoção de parcerias público-privadas. O salto tecnológico e de escala da indústria brasileira não vai ocorrer sem políticas que estimulem o mercado de capitais. A experiência histórica demonstra que isso exige a constituição de bancos universais de grande porte, regulados e supervisionados, capazes de desenvolver instrumentos financeiros para crédito de longo prazo.

É necessário lembrar também que a indústria sofreu um baque com a Operação Lava Jato. A despeito do necessário combate à corrupção, as punições deveriam atingir mais as pessoas e menos as empresas. Em 1945, após a rendição japonesa, o general Douglas MacArthur chamou o imperador Hirohito para conversar no QG americano. E o imperador, envergonhado, fez apenas um pedido: “General, peço que qualquer punição seja a mim, não ao Japão”.

Com informações do Valor Econômico