Luis Arce: “fortalecer com o Mercosul a integração e a independência”

“A integração subordinada aumenta as desigualdades sociais e nos deixa prisioneiros do conceito neoliberal de mercado e globalização”, afirmou Luis Arce Catacora, presidente da Bolívia

Luis Arce é presidente da Bolívia l Foto: Reprodução

Em sua intervenção nas comemorações dos 30 anos do Mercado Comum do Sul (Mercosul), ao qual a Bolívia aspira a ser membro pleno, o presidente do país andino, Luis Arce Catacora, conclamou dirigentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai a cumprirem com sua missão histórica. Arce afirmou que “não há integração se não há independência” e reiterou “a necessidade da construção de uma integração emancipadora, que é a única maneira para que sejam alteradas as relações centro-periferia”. “A integração subordinada aumenta as brechas entre as nossas nações do Sul com as do Norte, impede a diversificação de nossas economias, nos encerra em nossa condição de produtores de matérias-primas, aumenta as desigualdades sociais e nos deixa prisioneiros do conceito neoliberal de mercado e globalização”, destacou o presidente boliviano. “Em nosso continente temos o imperialismo mais poderoso que conheceu a humanidade e, ainda que sua hegemonia esteja em decadência, é uma ameaça real à democracia e à paz”, apontou Arce, lembrando como os bolivianos e bolivianas puderam sentir na própria pele, em novembro de 2019. Portanto, para que tenhamos “colaboração e respeito entre todos os países do continente, o que inclui os Estados Unidos”, frisou, é preciso que “consigamos uma espécie de equilíbrio de poderes e de respeito entre países” e, “para isso, a contribuição do Mercosul e de outros mecanismos de integração é fundamental”.

Boa leitura

Há alguns dias, na cúpula de chefes de Estado para celebrar os 30 anos da assinatura da criação do Mercado Comum do Sul, a Bolívia reiterou sua vontade e aspiração de ser membro do bloco de integração.

Agora, ao participar desta atividade da Bancada Progressista do Parlamento do Mercosul, quero incorporar alguns outros elementos adicionais que nos parecem fundamentais para avançar na materialização dos sonhos integracionistas que nos acompanham desde o amplo olhar dos povos indígenas e desde as históricas façanhas independentistas de nossos povos.

Não esquecemos que antes da chegada dos europeus esta parte do mundo se chamava abya yala e abrangia a todos os povos indígenas, desde o Norte até o Sul. E que, neste mesmo território, séculos depois, foram celebradas batalhas para alcançar a independência de todos os países que formam hoje a América Latina e o Caribe.

Por isso, a luta permanente pela integração forma parte da agenda pendente e urgente da América Latina e do Caribe.

Luis Arce e o vice, David Choquehuanca

Não há integração, se não há independência.

Portanto estamos falando da construção e desenvolvimento de uma integração substantiva e não retórica, de uma integração emancipadora e não subordinada, que é a única maneira para que sejam alteradas as relações centro-periferia. Para dar lugar a uma ordem mundial e continental que seja benéfica aos seres humanos e à natureza.

A integração subordinada aumenta as brechas entre as nossas nações do Sul com as do Norte, impede a diversificação de nossas economias, nos encerra em nossa condição de produtores de matérias-primas, aumenta as desigualdades sociais e nos deixa prisioneiros do conceito neoliberal de mercado e globalização.

A integração subordinada não mudou na essência nossas relações de dependência em distintos graus com os países do capitalismo central, seja no período do “velho regionalismo” e muito menos no período do “novo regionalismo”.

Por isso, aspiramos a uma integração emancipadora, substantiva e efetiva, na que não só se garanta a livre circulação do capital, mas que se deem plenas condições e garantias à livre circulação dos seres humanos. Ao avanço progressivo de um conceito de cidadania mais amplo, mais universal, em que se produzam relações de complementaridade, colaboração, amizade e reciprocidade, em todos os campos da vida: econômicos, políticos, culturais, sociais e outros.

Este tipo de independência é cada vez mais uma necessidade histórica para os Estados e povos enfrentarem em melhores condições as ameaças e desafios que impõem o capitalismo.

Além disso, somente este tipo de integração poderá conduzir as nações do Sul a enfrentarem favoravelmente os eventos econômicos e sociais gerados pela pandemia.

Observamos, impotentes, como enquanto na União Europeia finalmente se puseram de acordo para constituir um fundo de bilhões de euros para ativar sua recuperação econômica, e nos Estados Unidos sucede o mesmo, na América Latina e no Caribe cada país está à sua própria sorte e com o seu próprio esforço.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), que é bastante rápida quando se trata de atacar ou adotar planos de ingerência nos nossos países, não tomou qualquer iniciativa para que a situação dos seus Estados-membros seja menos vulnerável. Por isso, necessitamos a integração substantiva e efetiva o mais rápido possível.

Desde esta perspectiva, quero referir-me agora à importância do Mercosul como bloco regional e de como pensamos que deve constituir-se este bloco de integração, voltado ao futuro, que são as inquietudes principais deste encontro.

Primeiro: o Mercosul será importante na medida em que ofereça respostas reais e em condições de igualdade a todos os países-membros que o integram, pois disso depende a possibilidade de elevar o nível de vida material e fazer realidade os sonhos dos nossos povos.

De nada servirá que o Mercosul supere os 290 milhões de habitantes e que, depois de China e Índia seja a terceira maior população do planeta e represente um mercado imenso, se sua visão, suas estratégias e planos não se encaminhem para superar a extrema pobreza, a desigualdade social, as limitações à participação política e o desconhecimento da nossa diversidade cultural. Se não avançamos nesta direção, estamos ante um dado frio que nos diz pouco.

Segundo: o Mercosul será cada vez mais importante se desempenhar o papel de ponte com outros mecanismos de integração e concertação política que existem na América do Sul e em toda na América Latina e o Caribe.

Não é mal que existam vários mecanismos de integração que obedeçam a necessidades concretas e que surgiram em momentos específicos da nossa história. O mal é que esses mecanismos não dialoguem e não se articulem com outros similares que existem em um mesmo território, historicamente determinado.

E com modéstia e humildade, e ao mesmo tempo com convicção, a Bolívia pode ser uma contribuição efetiva nesta direção. Por um lado, pelo lugar privilegiado da região sul-americana. Por outro, pelo papel geopolítico que começamos a desempenhar desde janeiro de 2006, a favor da amizade, da paz, da colaboração e da complementaridade de nossos povos. A Bolívia como território de paz, segundo estabelece a nossa Constituição Política do Estado, aprovada em 2009, pode, deve e quer desempenhar um papel articulador nas relações entre o Mercosul e a Comunidade Andina das Nações (CAN).

Terceiro: o Mercosul deve constituir-se como um bloco que desde o seu interior e até fora reivindica a natureza diversa dos países que o integram. Isso implica se reconhecer como um Mercosul Plurinacional e, se o faz, será um grande passo para pensar primeiro na América do Sul, depois na América Latina e o Caribe como um território plurinacional.

Quarto: É pensar num Mercosul que em um âmbito mais reduzido materialize o que a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) aprovou em 2014, em Havana, ao declarar, por unanimidade, a América Latina e o Caribe como um território de paz. Daí a necessidade deste Mercosul que levante as bandeiras da integração, faça eco de aspirações similares de outros mecanismos de integração e concertação política como a CAN, o Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caricom) e, ojalá, com o impulso da União das Nações do Sul (Unasul).

Quinto: um Mercosul plural e democrático, que seja garantia, junto a outros mecanismos de concertação política e integração, dos princípios de não ingerência e de não intervenção. Em nosso continente temos o imperialismo mais poderoso que conheceu a humanidade e, ainda que sua hegemonia esteja em decadência, é uma ameaça real à democracia e à paz. Os bolivianos e bolivianas vivemos isso em novembro de 2019.

Nossa aspiração é ter uma relação de mútua colaboração e respeito entre todos os países do continente, o que inclui os Estados Unidos. Mas isso somente poderia ser uma realidade na medida que consigamos uma espécie de equilíbrio de poderes e de respeito entre países. Para isso, a contribuição do Mercosul e de outros mecanismos de integração é fundamental.

Para finalizar, quero referir-me muito brevemente à importância que tem o Mercosul para a Bolívia. Se a Bolívia chegar a ser membro pleno deste bloco, poderá ser parte dos projetos conjuntos de desenvolvimento, dos encadeamentos produtivos e comerciais, e superar os obstáculos não-tarifários que atualmente travam nossas exportações.

Da mesma forma, terá melhores condições para negociar e estabelecer acordos comerciais em conjunto com outros países, com a União Europeia, Ásia e Eurásia. Significará para todos um grande impulso ao projeto do corredor ferroviário bioceânico central, que fará realidade a articulação do Pacífico com o Atlântico, permitirá melhorar a logística do comércio exterior entre nossos países e seus potenciais sócios de fora do bloco.

E representará um verdadeiro aproveitamento da hidrovia Paraguai-Paraná como saída ao Oceano Atlântico. Por isso, estimados presidentes, ex-presidentes e parlamentares, tenham a plena segurança que a Bolívia quer ser parte do Mercosul, quer ser um elo mais da cadeia de Estados e povos que busca a integração substantiva e efetiva, a paz em todos os campos, o crescimento com justiça social e a democracia libertadora.

Muito obrigado.

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