Variante P1 tem mais “chaves” para entrar na célula

Pode ser que a variante viral, em si, não seja mais letal. Apenas infecta mais e, com o descontrole da pandemia e condições precárias do sistema hospitalar, acaba gerando mais mortes.

Novo Coronavírus SARS-CoV-2 Micrografia eletrônica de varredura colorida de uma célula (vermelha e azul) infectada com partículas do vírus SARS-COV-2 (verde), isolada de uma amostra de paciente. Imagem capturada no NIAID Integrated Research Facility (IRF) em Fort Detrick, Maryland. Crédito: NIAID

O governo brasileiro tem demonstrado nenhuma capacidade de se antecipar ao surgimento de variantes do novo coronavírus, dependendo da reação internacional para isso. Temos uma péssima vigilância genômica para detectar as novas mutações, e os países terão que isolar o país para evitar que as mutações que surjam contaminem suas fronteiras.

O governo Bolsonaro faz tudo que pode para garantir o contágio generalizado da população, sob a alegação de que quer conseguir imunidade coletiva, portanto, não vai se preocupar com a disseminação internacional do vírus. Por outro lado, a variante P1, surgida em dezembro, em Manaus, só foi descoberta, porque a vigilância genômica do Japão foi capaz de detectá-la, em janeiro, em viajantes vindos da Amazônia.

Pouco conhecida, a P1 provoca alerta no mundo por ter se provado mais contagiosa, levando vários países a suspender os voos procedentes do Brasil, considerado o epicentro mundial da pandemia.

Mesmo depois de identificada a origem da variante e sua alta capacidade de contágio, os governos mantiveram a circulação do vírus, evitando lockdown e transferindo pacientes de Manaus para outros estados, conforme os hospitais locais entravam em colapso. Isso levou ao descontrole total da circulação da P1 por todo o território nacional, chegando a pelo menos dez países do mundo, que começam a suspender voos do Brasil.

Contágio

Assim como a variante sul-africana, a mutação na P1 demanda mais anticorpos para resistir ao vírus. Além disso, tem muitas variações na proteína Spike, através da qual o vírus entra nas células para infectá-las.

“É como se tivesse uma chave-mestra que abrisse várias portas ao mesmo tempo”, observa Jesem Orellana, pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), em entrevista à AFP.

“Se as autoridades brasileiras tivessem sido responsáveis, teriam fechado Manaus, como a China fez com Wuhan. Ao invés disso, enviaram pacientes para outras regiões do país, com acompanhantes, alguns deles também infectados pela variante P1”, lamentou Orellana.

“Se o governo brasileiro fosse mais responsável, teria fechado as fronteiras, para evitar que essa variante chegue a outros países, alguns mais pobres, como o Peru”, acrescentou.

Letalidade

Por enquanto, nenhum estudo concluiu que a P1 seja mais letal. Em pesquisas preliminares, Orellana constatou que a P1 não aumentou a taxa de mortalidade em hospitais de Manaus, em comparação com a primeira onda da pandemia, em abril de 2020.

Esta análise coincide com dois estudos publicados na terça-feira, segundo os quais a variante britânica não provoca casos mais graves de covid-19.

“Do ponto de vista epidemiológico, parece ainda mais claro que é mais propensa a causar desestabilização em cenários com pouco controle da circulação viral, causando problemas médicos hospitalares, principalmente em relação à estrutura de superlotação dos hospitais”, como aconteceu em Manaus, onde dezenas de pessoas morreram em janeiro por causa da falta de oxigênio.

Por isso, ele acredita que a escalada de mortes por covid no Brasil nas últimas semanas se deve ao colapso de hospitais “provavelmente associado à maior infectividade da P1 e ao relaxamento generalizado (…) com esse cansaço da população com a quarentena e a falsa sensação de que a pandemia estava perto do fim”, acrescentou Orellana.

Uma boa notícia diante deste panorama é que estudos preliminares demonstraram que a vacina chinesa CoronaVac, a mais usada no Brasil, é eficaz contra a P1, assim como os imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca.

Disseminação

A variante P1 se espalhou por quase todo o território nacional, embora faltem dados que permitam medir em qual porcentagem é responsável pelos contágios em cada região.

“A vigilância genômica do Brasil é uma das piores do mundo” em termos de sequenciamento das novas cepas, “e não foi à toa que descobrimos a P1 com quase 60 dias de atraso, no Japão”, contou Orellana.

A circulação descontrolada do vírus deu lugar a novas mutações, com variantes da mesma cepa, como a P2, que circula no Rio de Janeiro, ou a P4, detectada recentemente em Belo Horizonte.

“Assim como Manaus em janeiro, o Brasil se tornou um laboratório de variantes a céu aberto”, aponta Orellana.

Para evitar a circulação destas variantes, os epidemiologistas consideram ideal que a vacinação rápida e em massa fosse associada a um lockdown simultâneo, como foi feito na Inglaterra e em Israel. Em vez disso, não temos nenhuma das duas estratégias por falta de uma coordenação nacional do governo Bolsonaro. Tanto a decisão sobre vacinas, como sobre medidas restritivas de quarentena, ficam a cargo de prefeitos e governadores.

Com informações da AFP

Autor