29M tira de Bolsonaro o “monopólio das ruas” e fortalece CPI da Covid

Ações de rua deixaram de ser evidência de uma suposta legitimidade do presidente para radicalizar o governo

29M no Rio de Janeiro - Foto: Pedro Rocha

As manifestações populares de sábado (29) mobilizaram centenas de milhares de brasileiros num contundente protesto contra o governo genocida e autoritário de Jair Bolsonaro. Além de expor a crescente rejeição ao presidente, o 29M tirou do bolsonarismo um de seus trunfos mais emblemáticos: o “monopólio das ruas”.

Foi a primeira vez, desde o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, em março de 2020, que um número significativo de manifestantes contrários à atual gestão tomou as ruas, rompendo um longo período marcado por atos realizados apenas por simpatizantes do governo. Segundo os organizadores, os atos do 29M aconteceram em ao menos 213 cidades, de todos os estados brasileiros, mostrando a ampla diversidade geográfica na parcela da população anti-Bolsonaro.

Em outras palavras, as ações de rua deixaram de ser evidência de uma suposta legitimidade do presidente para radicalizar o governo. “Agora, ele não pode mais falar que o povo está na rua em seu apoio. Aquela ideia de ‘eu autorizo, presidente’ (slogan usado por manifestantes governistas) não é mais tão simples”, diz à BBC News Brasil o cientista político Carlos Melo, professor do Insper. “Tivemos um contingente grande de pessoas dizendo que não autorizam o presidente.”

Segundo Melo, o 29M foi um tiro bem-sucedido na narrativa governista. “Bolsonaro vinha até aqui com uma certa tranquilidade em mencionar essa figura abstrata chamada ‘povo’, porque havia uma situação em que apenas os seus apoiadores iam para a rua. Agora, ele perdeu o monopólio da mobilização popular e da manifestação.”

Para Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital e professor da USP (Universidade de São Paulo), os protestos também aumentam a pressão pelo impeachment no Congresso. “O tamanho da manifestação e sua difusão pelo território nacional colocam de novo no horizonte um impeachment que parecia um pouco ‘enterrado’ pela persistência da aprovação do Bolsonaro”, avalia.

Na opinião de Carlos Melo, “o impeachment é sempre algo que depende muito mais da insatisfação popular e da mobilização de massas do que da vontade dos atores pura e simplesmente”. Esses elementos estavam presentes nos casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff. “Não quero dizer que vai ter impeachment, mas não posso afirmar de forma alguma que simplesmente não vai ter porque o establishment não quer. Não é assim que a coisa ocorre.”

Já Claudio Couto, cientista político e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), julga que o impeachment volta como uma bandeira de mobilização, mas não necessariamente como “um item real do cardápio”. A seu ver, são duas as razões para isso: a proximidade das eleições de 2022 e o fato de o vice-presidente Hamilton Mourão não se apresentar como uma alternativa confiável.

Com ou sem impeachment, o bolsonarismo se desidratou. “A reeleição depende de uma série de fatores, inclusive da aprovação de medidas na Câmara e no Senado. As manifestações enfraquecem a agenda do governo dentro do Congresso”, diz Melo. “O governo tem desempenho frágil e é pouco realizador – não à toa Bolsonaro tem inaugurado ponte de madeira. Enfrenta o problema seríssimo da pandemia, com 460 mil mortos até agora, e uma economia com milhões sem emprego. Nada disso ajuda.”

As manifestações de rua da oposição acontecem num momento em que Bolsonaro se vê pressionado pela queda de sua popularidade nas pesquisas de opinião mais recentes e pelo avanço das investigações da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19. Desde 27 de abril, o Senado investiga, formalmente, as omissões do governo Bolsonaro no combate à pandemia.

“A manifestação demonstra que há um grande descontentamento – que esse setor que não gosta do Bolsonaro está com muito ímpeto. Isso dá mais respaldo para o bloco de oposição da CPI, porque ele se sente simbolicamente apoiado pela população”, afirma Ortellado. Segundo o professor da USP, isso também deve permitir aos políticos não identificados com a oposição serem mais críticos – caso do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Carlos Melo avalia que o clamor das ruas também pode retrair parte da base de apoio ao governo. “Não acho que o Fernando Bezerra [senador pelo MDB-PE e líder do governo no Senado] amanhã estará intimidado, ou que o Flavio Bolsonaro estará intimidado. Mas uma série de nomes na CPI que andam ali no fio da navalha, fazendo discursos ambíguos, terão um pouco mais de cuidado.”

Para Claudio Couto, mais do que as ruas empoderarem a CPI, são os achados da CPI que podem ajudar a esquentar a temperatura das ruas. “A tendência é muito mais esse tipo de mobilização ser alimentada pela CPI do que o oposto. Mas é claro que isso também legitima a atuação da CPI – produz um efeito favorável no sentido de facilitar que a comissão avance no seu trabalho.”

Com informações da BBC Brasil