Pedro Castillo: uma nova liderança do Peru

A violência da mídia, bem como a unificação de atores historicamente opostos, foi um reflexo da percepção da ameaça de uma possível vitória de Castillo, que chegou com uma proposta central: refundar o país através de um processo constituinte.

Pedro Castillo, professor e líder sindical, deverá ser o próximo presidente do Peru

O Peru vive um momento histórica. Pedro Castillo, um homem do país invisível, rural, pobre, com um chapéu branco e uma liderança em ascensão, pode tornar-se o próximo presidente. Isto é indicado pelos números que o Gabinete Nacional de Processos Eleitorais (Onpe) publica em seus informes e que todos seguem em rádios, televisões, redes sociais, vendo como Castillo, progressivamente, está à frente do seu adversário, Keiko Fujimori, que tem poucas hipóteses de vitória.

A tendência parece difícil de inverter. Fujimori afirmou na segunda-feira (7) à noite que os votos vindos do estrangeiro poderiam “nivelar” o resultado, e denunciou a existência de “indícios de fraude nas mesas de voto (…) planejados e sistemáticos”. O anúncio da candidata Fuerza Popular ocorreu quando Castillo estava à sua frente por 90.000 votos, com 94,47% dos contos, tanto no Peru como no estrangeiro, contados.

Isto não é apenas mais uma eleição: o resultado dirá não só quem será o próximo presidente, mas também que modelo econômico e político tentará construir e que conflitos existirão num país em prolongada crise política. Castillo, que durante o primeiro turno das eleições estava na categoria “outros” nas pesquisas eleitorais, e era conhecido principalmente pela sua liderança na greve dos professores de 2017, emergiu como resultado dessa crise e dos seus sucessos.

A transcendência da eleição foi clara desde o momento em que se soube que o professor camponês, candidato do partido Peru Libre, mas sem sair da sua estrutura, iria enfrentar Fujimori no segundo turno. A ameaça percebida pelo status quo peruano, os poderes empresariais, os meios de comunicação, os partidos de direita, foi proporcional à campanha de medo, muitas vezes terror, que foi lançada contra Castillo e o que um governo sob a sua presidência significaria.

Campanha de Castillo ganhou grande expressão popular

A ofensiva contra o candidato de esquerda foi esmagadora, no contexto de um país com uma forte concentração mediática nas mãos do grupo El Comercio e dos meios de comunicação aliados. Os principais jornais e canais de televisão começaram a afirmar dia após dia que a sua vitória levaria o país ao comunismo, a uma crise econômica, com um aumento do dólar, desemprego, roubo de poupanças, expropriações maciças. Essa ameaça, no contexto de um país atingido pela pandemia e pela recessão, foi acompanhada por outro: as pontes que existiriam entre Castillo e o terrorismo.

Este último procurou ativar as fontes de medos, traumas e dor ancorados na sociedade peruana, de uma forma diferente no interior do país do que na capital, Lima. Castillo era terruqueado, palavra usada na política peruana para acusar alguém de ser um terruco, ou seja, um terrorista ou próximo do Sendero Luminoso. O dispositivo do medo procurou assim ligar o candidato presidencial à crise econômica e à violência, dois fantasmas profundamente enraizados da história recente do Peru.

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A campanha midiática do medo foi acompanhada por um processo de construção de uma imagem democrática e maternal de Keiko Fujimori. Uma das expressões mais simbólicas desta operação foi o papel desempenhado por Mario Vargas Llosa no apoio ativo a Fujimori. O laureado com o Nobel da literatura inverteu completamente a sua posição de trinta anos. Em 2016, por exemplo, quando Keiko Fujimori chegou à segunda volta e finalmente perdeu por 40.000 votos para Pedro Pablo Kuczynski, declarou: “Keiko Fujimori é Fujimori, tudo o que Fujimori representou está vivo na candidatura de Keiko Fujimori e seria uma grande reivindicação de uma das ditaduras mais corruptas e sangrentas que já tivemos na história do Peru”.

Um dos pontos altos desta reviravolta ocorreu durante o comício de encerramento de Fujimori, na quinta-feira(3) antes das eleições. Aí, no meio de repetições da campanha, “hoje enfrentamos uma séria ameaça, temos de vencer contra o comunismo”, Álvaro Vargas Llosa, filho de Mario, subiu ao palco para abraçar Keiko e afirmar que “a causa da liberdade hoje é Keiko Fujimori”.

A violência da mídia, bem como a unificação de atores historicamente opostos, foi um reflexo da percepção da ameaça de uma possível vitória de Castillo, que chegou com uma proposta central: refundar o país através de um processo constituinte. O candidato do Peru Libre colocou em cima da mesa a necessidade de desmantelar a Constituição elaborada em 1993 sob Alberto Fujimori e recuperar a soberania sobre os recursos estratégicos minerais e energéticos, centrais para a economia peruana.

A rapidez com que a sua liderança emergiu pode ser explicada pela existência de um profundo descontentamento social nas esferas econômica e política. Um dos últimos acontecimentos que evidenciou esta situação foram as mobilizações maciças em novembro de 2020, que ocorreram após o impeachment do Presidente Martin Vizcarra pelo Congresso, seguido da nomeação de Manuel Merino como chefe do Executivo. Este último permaneceu na presidência durante cinco dias até se demitir, devido à magnitude dos protestos.

Este evento mostrou três elementos centrais. Em primeiro lugar, a decomposição política, partidária e institucional num país onde todos os presidentes desde 2001 foram acusados de corrupção – tal como Keiko Fujimori – e o anterior, Alberto Fujimori, foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade. Em segundo lugar, a magnitude de uma mobilização que não tinha sido vista em Lima desde a marcha dos quatro, em 2000, contra Fujimori. Em terceiro lugar, a falta de organização dos que se mobilizaram, a falta de capacidade dos sindicatos, partidos e movimentos no país.

Castillo é uma liderança surgida no meio do povo peruano

A liderança da pessoa que lidera as sondagens e poderia ser o próximo presidente emerge deste contexto político, e numa situação de profunda desigualdade social entre as províncias e a capital, e dentro da própria Lima, como mostra, por exemplo, o contraste entre a zona de Miraflores e as colinas de Villa María del Triunfo.

A dimensão do que está em jogo pode influenciar o tempo necessário para que um resultado oficial seja anunciado. A acusação de fraude de Fujimori, previsível no caso de um resultado adverso como o que foi apresentado durante a recontagem, pode afetar este processo. Quanto a Castillo, que está em Lima, demonstrou que mobilizou o apoio popular, algo que poderia ser decisivo no caso de um braço de ferro antes do anúncio do resultado final.

Fonte: Pagina 12 (Tradução: Iñaki Haritza)