São Paulo aprova Requalifica Centro sem transparência e consulta

Programa prevê endividamento de R$ 8 bilhões sem destinação e renúncia fiscal de R$ 200 milhões sem critérios claros

Prédio que desabou no centro de São Paulo era apenas um de centenas que estão abandonados pelos proprietários e poderiam ser requalificados para moradia social.

A Câmara Municipal de São Paulo está em recesso, desde a semana passada, mas durante a madrugada aprovou vários projetos de interesse do Executivo. Foi o caso do substitutivo ao PL (Projeto de Lei) 447/2021, que institui o Programa Requalifica Centro, já sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O Programa Requalifica Centro foi elaborado com a finalidade de requalificar prédios antigos localizados na região do Centro da capital paulista e transformá-los em edifícios habitacionais e comerciais. Esse conceito é conhecido como retrofit. A iniciativa visa aumentar a oferta de moradias na área central, permitindo que as edificações sejam adequadas seguindo as normas de segurança, salubridade, acessibilidade e sustentabilidade. 

A ideia pode ser boa mas não da forma como foi aprovado. Segundo a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, foram “várias isenções fiscais, como o perdão da dívida de imposto predial de prédios que serão reformados, cujo valor da dívida é maior que o valor do prédio” e poderiam ser desapropriados. Além disso “houve redução do ISS, redução de IPTU por três anos com expectativa de descontos nos próximos cinco anos, entre outros.  

Não foram apresentados estudos de “quem, como, e por quê” sobre o destino desses prédios, principalmente neste momento em que a cidade de São Paulo recebe vários “fundos imobiliários” que trazem a proposta de fazer moradia estudantil ou locação corporativa e empresarial.

Raquel alerta que “não tiveram a análise necessária para garantir a habitação de interesse social, já que não existe contrapartida obrigatória para o uso desses edifícios”. O arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, também considera que a aprovação “foi muito pouco discutida pela cidade e pelos especialistas”.

De acordo com o urbanista que já coordenou o Plano Diretor da Cidade, a gestão municipal não deveria acelerar o processo de aprovação, já que a legislação e o Plano Diretor estabelecem que esse tipo de projeto exige consultas públicas e maior debate entre especialistas, a sociedade, os movimentos sociais e movimentos de preservação. Ele lembra que o projeto foi protocolado no dia 6 de julho, votado dois dias depois em primeiro turno, passou por uma única audiência no dia 10 sem participação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano ou da Habitação, sem o Compresp (conselho de patrimônio) e votado em segundo turno no dia 16.

Iniciativas como o retrofit de edifícios obsoletos são ações que dialogam com diversos dos objetivos do Plano Diretor, incluindo combater os imóveis ociosos e subutilizados, reabilitar os bairros centrais, produzir habitação em áreas consolidadas e aproximar a moradia das oportunidades de trabalho, enumera o especialista.

Na opinião do professor, era necessário “ouvir especialistas, sociedade, movimentos sociais, movimentos de preservação e inúmeros segmentos que precisam ser ouvidos na hora de se definir um projeto com essa importância”.

Um dos critérios questionado por ele foi a ampliação do perímetro alcançado pelos benefícios do programa, sem discussão e transparência ao beneficiar proprietários.

Para ele, também seria preciso diferenciar estímulos e acordos fiscais, conforme os objetivos do retrofit para habitação social e objetivos comerciais.

Para atrair investimentos, promover o desenvolvimento e o adensamento da região central, o Programa Requalifica Centro propõe incentivos fiscais com a remissão e isenção de impostos e taxas municipais, além da redução e aplicação de alíquotas progressivas de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços). 

Conforme o texto aprovado pela Câmara e sancionado pelo prefeito, poderão ser requalificados os prédios construídos até 23 de setembro de 1992 ou os edifícios licenciados com base no Código de Obras e Edificações da época (revogada Lei nº 11.228/1992). 

Durante a audiência virtual da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, em conjunto com a Comissão de Finanças e Orçamento, para debater os PLs que institui o Programa Requalifica Centro, e que autoriza uma operação de crédito para financiar os investimentos.

Os trabalhos foram conduzidos pelo presidente da Comissão de Política Urbana, vereador Paulo Frange (PTB), e pelo presidente da Comissão de Finanças e Orçamento, vereador Jair Tatto (PT).

Participaram os vereadores André Santos (REPUBLICANOS)Aurélio Nomura (PSDB)Delegado Palumbo (MDB)Dr. Sidney Cruz (SOLIDARIEDADE)Edir Sales (PSD)Ely Teruel (PODE)Fabio Riva (PSDB)Felipe Becari (PSD)George Hato (MDB)Isac Félix (PL)Janaína Lima (NOVO)Juliana Cardoso (PT)Marcelo Messias (MDB)Milton Ferreira (PODE)Rodrigo Goulart (PSD) e Silvia da Bancada Feminista (PSOL).

Programa Requalifica Centro 

Primeiro projeto a ser debatido na audiência desta sexta-feira, o PL 447/2021, que institui o Programa Requalifica Centro, foi elaborado com a finalidade de requalificar prédios antigos localizados na região do Centro da capital paulista, e transformá-los em edifícios habitacionais e comerciais. Esse conceito é conhecido como retrofit. 

Com o objetivo de aumentar a oferta de moradias na área central, o Projeto de Lei permite que as edificações sejam adequadas seguindo as normas de segurança, salubridade, acessibilidade e sustentabilidade. 

Para atrair investimentos, promover o desenvolvimento e o adensamento da região central, o Programa Requalifica Centro propõe incentivos fiscais com a remissão e isenção de impostos e taxas municipais, além da redução e aplicação de alíquotas progressivas de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços). 

De acordo com a Prefeitura de São Paulo, poderão ser requalificados os prédios construídos até 23 de setembro de 1992 ou os edifícios licenciados com base no Código de Obras e Edificações da época (revogada Lei nº 11.228/1992). Ainda segundo o governo municipal, o Programa vale para as edificações localizadas em um perímetro aproximado de 2,1 km² da região central. 

No início da audiência, o secretário municipal de Urbanismo e Licenciamento, Cesar Azevedo fez um breve resumo do Programa Requalifica Centro e destacou o objetivo da Prefeitura com a iniciativa. “O retrofit faz parte de um grande plano de requalificação do Centro. Se a gente quer requalificar o Centro – e isso é um senso comum, a necessidade de a gente requalificar o Centro – é através de ações como essa. Nós já tivemos a reforma do Anhangabaú, em curso a reforma e requalificação do Centro novo e Centro velho, o Minhocão, que a gente está abrindo aos finais de semana com mobiliário, a concessão do edifício Martinelli, são uma série de ações trabalhadas de maneira pontuais, mas que a gente consegue ir trabalhando e construindo uma requalificação do Centro, para a gente devolver o Centro de São Paulo para a sociedade, tornando ele um Centro acolhedor, seguro, habitável e atrativo para que as pessoas venham morar aqui e possam participar desse novo Centro de São Paulo”, defendeu.

“A proposta inicial, não só do retrofit, como também da revisão do Plano Diretor, é a gente conseguir adensar a região central, trazer as pessoas para morarem aqui. Porque a gente sabe que, quem mora na periferia de São Paulo, a expectativa de vida é de 11 anos a menos do que aqueles que moram na região central, na região com melhor infraestrutura. Ou seja, é cruel morar fora. Quem mora na periferia de São Paulo leva um terço de sua vida se deslocando para trabalhar, gasta 25% do seu salário com transporte público. E pensando em ajudar quem mais precisa, o mais vulnerável, é que nós estamos propondo essas ações de requalificação do Centro e do retrofit”, completou Azevedo.

Respondendo ao questionamento do vereador Aurélio Nomura sobre como se dará a requalificação em ambiente de interesse histórico, o secretário de Urbanismo e Licenciamento explicou que a aprovação do PL trará celeridade ao processo de análise das intervenções por parte da Prefeitura. “Na medida que essa lei seja aprovada e sancionada, a gente vai  publicar um decreto imprimindo um rito especial para análise desses projetos todos de retrofit. Esse rito vai estipular prazo para todos os atores que fazem parte desse processo de licenciamento venham a se manifestar, assim como é feito com o Aprova Rápido”, afirmou Azevedo, acrescentando que a expectativa é de que, com o novo rito, os projetos de retrofit sejam avaliados entre 60 a 90 dias no máximo.

Também representaram o Executivo na audiência o secretário municipal de Cultura, Alê Youssef; o presidente do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico), João Cury Neto; o diretor presidente da COHAB-SP (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), Alexsandro Peixe Campos; o secretário adjunto de Habitação, Alcides Fagotti Junior; e o secretário adjunto de Mobilidade e Transportes, Hugo Koga.

Operação de crédito

Na sequência da Audiência Pública desta sexta-feira, foi debatido o PL 445/2021, que pede autorização para o município contrair empréstimo de aproximadamente R$ 8 bilhões. Na justificativa do projeto, o Poder Executivo menciona que, diante da crise provocada pela pandemia na cidade de São Paulo, é preciso realizar investimentos em diferentes setores da cidade.

“Para alavancar os investimentos na cidade, destaca-se a pretensão de realizar investimentos nas áreas habitacional, inovação e tecnologia, drenagem, ambiental, cultura e lazer, bem como intervenções na área de mobilidade urbana, investimentos estes a serem oportunamente definidos considerando as prioridades setoriais previstas pelo Programa de Metas”, descreve o texto, em um dos trechos do PL. 

Na abertura do debate sobre a autorização da operação de crédito, o secretário municipal da Fazenda em exercício, Luis Felipe Vidal Arellano, defendeu a importância da proposta. “O endividamento público, se por um lado ele pode ter uma conotação relativamente negativa, e a gente está acostumado com essa conotação negativa na medida que pode importar um ônus futuro quando eu me endivido, por outro lado ele é uma oportunidade de distribuir no tempo, de maneira mais equilibrada, os ônus dos investimentos públicos, sobretudo aqueles investimentos que têm um prazo de amadurecimento mais longo. Porque a alternativa que haveria ao investimento público seria financiar, no momento presente, 100% da infraestrutura que se deseja realizar, com o pagamento de tributos, o que naturalmente oneraria de forma demasiada uma única geração de cidadão com a produção de uma infraestrutura que vai ser usufruída por gerações futuras”, argumentou.

“A gente busca sempre, na proposição de novas autorizações para operação de crédito, assegurar que aqueles limites que estão sendo propostos sejam limites que sejam compatíveis com a responsabilidade fiscal, sejam compatíveis com a sustentabilidade das finanças públicas, não apenas no curto prazo, mas em especial no médio e no longo prazo. Feitas as verificações técnicas aqui na Secretaria da Fazenda, verifica-se que a autorização a ser concedida neste projeto não compromete de maneira alguma a sustentabilidade das finanças do município. Pelo contrário, contribui para que a gente consiga estimular a melhorar a qualidade de vida, no meio desses investimentos, da população de São Paulo. Estimular, inclusive, a atividade econômica do município e, consequentemente, até aumentar futuramente a atividade econômica na cidade, gerando benefícios inclusive em termos de arrecadação por parte da prefeitura”, acrescentou Arellano.

Em sua fala, o secretário da Fazenda ainda destacou a importância da aprovação da Câmara para a operação de crédito. “O processo de contratação de uma operação de crédito já é, em si, complexo. E o pedido de autorização legislativa é uma dessas fases [de contração]. E é justamente uma das fases mais determinantes, inclusive, para demonstrar para os eventuais interessados em emprestar recursos para Prefeitura que o nosso pedido de proposta é sério. Porque, se se a gente vai até o mercado e se verifica que nem sequer nós temos a autorização por parte do Poder Legislativo, representando aqui toda a sociedade paulistana, do outro lado o que a gente transmite para os eventuais emprestadores é que a nossa promessa eventualmente seja vazia e que não há, de verdade, o interesse em captar aqueles recursos”, completou.

Participante da audiência, o auditor fiscal do TCM-SP (Tribunal de Contas do Município de São Paulo), Thulyo Tavares, apresentou as considerações do tribunal sobre o projeto. “Com relação a especificamente aos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelas resoluções do Senado Federal, há bastante folga, há espaço para a realização de mais operações de crédito por parte do município São Paulo. Especificamente sobre o PL 445/2021, as informações estão genéricas, não encontrei informações específicas sobre o que será feito com os R$ 5,5 bilhões de operações de crédito interno e os 500 milhões de operações externas. Encontramos apenas designação genérica, financiamentos diversos ou financiamentos adicionais. Mas, como explanado pela Secretaria da Fazenda, esse detalhamento será feito em outros projetos de Lei, em outros instrumentos, notadamente na Lei Orçamentária Anual, que deve ter esse detalhamento de como será gasto esses recursos e a fonte de custeio das operações de crédito”, destacou.

“Gostaria também de chamar atenção sobre as operações de crédito externas. Quando o município de São Paulo, que arrecada em reais, possui receita em reais e ativos em reais, quando o município faz uma operação de crédito em dólar, tomando uma dívida em dólar, ocorre um descasamento entre os ativos e passivos do município. E o município não tem por prática realizar essa operação de proteção cambial, então o município acaba ficando exposto a uma variação do câmbio. Mas nós verificamos as taxas de juros e elas parecem boas taxas, dado o risco de crédito do município e também considerando as garantias da União, e também a questão da competição, então acho que isso é algo muito bom. Mas tem essa questão do descasamento quando é feita a operação de crédito externo”, finalizou Tavares.

Durante o debate, o secretário municipal de Esportes e Lazer, Thiago Martins Milhim, respondeu ao vereador Paulo Frange sobre como os recursos provenientes da operação de crédito seriam investidos pela pasta. “Nós estamos aqui participando da Audiência Pública que discute o projeto 445/2021, que traz no escopo e implantação de equipamentos esportivos e culturais. De fato, no nosso Plano de Metas, o apoio é exclusivo para custeio. Talvez o ambiente e a intenção, quando da citação da Secretaria de Esportes, foi também permitir que, nesse crédito, tenha condições de investimento. Porque a busca é a realização de equipamentos novos”, comentou.

A íntegra da Audiência Pública desta sexta-feira está disponível neste link.

Com entrevistas da Rádio USP

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