Mobilização de massa na Colômbia gera novas posições, por Hector Mondragón

“Tanto nos partidos de governo como no centrão liberal e na oposição, a greve de massas, que se expressou ativamente por dois meses desde o dia 29 de abril, impactou provocando posicionamentos diferentes”

Colombianos derrotam reforma tributária de Duque e exigem basta à política fascista e neoliberal

Na Colômbia, no feriado de independência do dia 20 de julho, grandes mobilizações novamente aconteceram. Atenderam à convocatória do comitê nacional de greve, que chamou para apoiar os projetos de lei das organizações de massas que esse dia foram apresentados pelos parlamentares da oposição no novo período de sessões do Congresso.

Tanto nos partidos de governo como no centrão liberal e na oposição, a greve de massas, que se expressou ativamente por dois meses desde o dia 29 de abril, impactou provocando posicionamentos diferentes. Por uma parte, o governo agudizou sua resposta repressiva com normas e projetos destinados a criminalizar os cortes de vias e a posse de objetos para defesa dos ataques da polícia, como capacetes, óculos de proteção e escudos. Por outra parte, o governo deu sinais de querer fazer concessões econômicas.

Um exemplo da orientação econômica que resultou da greve, é o novo projeto de reforma tributária. O anterior, que foi o estopim dos protestos e teve que ser retirado, estava ditado pelo dogmatismo neoliberal e descarregava sobre a classe média e o povo pobre as isenções feitas por reformas anteriores em favor dos grandes capitais e as transnacionais, bem como as medidas que beneficiaram aos bancos.

No projeto oficial, incluem-se três medidas que não são tributárias, mas sim diretamente relacionadas com os grandes protestos: aumento da quantidade e cobrimento do minúsculo auxílio emergencial entregue até agora; um subsídio estatal para pagar os salários de novos empregos para jovens; e a matrícula zero nas universidades públicas. No tributário, se aumentam os impostos a utilidades das empresas e bancos por expressa proposta da associação dos industriais ANDI que, como parte do milagre de abril, modificou seu discurso sobre estímulo do investimento com baixos impostos, política totalmente fracassada.

É uma viragem morna do governo e dos empresários, pois não se derruba a regressiva reforma de 2019 que favorece a investidores transnacionais. Também não financia devidamente as universidades para a matrícula zero. Falta definir o imposto de renda das pessoas para saber se a classe média vai ser aliviada ou não. As organizações sociais do país têm elaborado um projeto de renda básica com que a oposição vai cobrar melhores auxílios emergenciais.

Porém, do lado dessa virada econômica fraca e real, o governo continua negando a letalidade da repressão que tem ordenado contra os protestos e tratou a convocatória para o dia 20 nos bairros populares com a mesma cólera repressiva que em abril-junho.

Em ações de “contra-protesto preventivo”, líderes dos jovens e integrantes das Primeiras Linhas, os centros da resistência popular, em diferentes cidades, foram presos acusados de terrorismo e ouros delitos, ilustrando as capturas com fotos na imprensa que apresentavam capacetes, escudos, luvas e panfletos como armas perigosas. Uma advertência clara, especialmente direcionada aos jovens das favelas, para que não retomassem as ruas.

Porém, as marchas foram enormes, especialmente em Bogotá. Mas o governo planejou como apresentar o dia para a imprensa: Permitiu o desenvolvimento das marchas e das concentrações no centro das cidades. Em Bogotá foi fechada a Praça de Bolívar por ordem do governo “para segurança do Congresso” e os manifestantes se concentraram a 5 quadras, em frente a governação e depois assistiram a um concerto multitudinário.

Mas a repressão se executou sincronizada contra os eventos nos bairros populares de tarde. Às 15h foram atacados o ato artístico cultural na famosa Loma da Dignidade em Cali, o concerto no Portal de Usme, no sudeste de Bogotá, e o encontro da Guarda Indígena com as Primeiras Linhas no Portal da Resistência (Américas) na zona oeste da capital. Também foram atacados os manifestantes na cidade de Popayán, ao sul do país e um concerto sinfônico em Manizales, localizada no centro da Colômbia.                                                                                                                    

Estes ataques policiais sincronizados foram realizados sem nenhuma provocação prévia pelos manifestantes e no caso de Cali um civil que estava perto da polícia atirou contra os assistentes no ato cultural. Os eventos atacados fazem parte de um programa de fortalecimento político e cultural dos bairros, direcionado pelos jovens que têm protagonizado as mobilizações. É claro que havia ordem de não permitir aos moradores das favelas continuar o importante processo de organização massiva ao qual o partido de governo e a elite política temem como à morte.

Este cenário foi a continuidade do show político no Congresso. Pela primeira vez na história foi proibida a entrada de jornalistas na sessão de abertura. Os únicos vídeos que saíram daí foram os das câmeras oficiais que só focavam os congressistas partidários do governo, de modo que quando o presidente Duque terminou seu discurso: “todos os parlamentares aplaudiam”; “uma ovação”. Mas em seguida chegou a parte principal do cardápio: a evidência de divisão da oposição.

De acordo com a lei sobre a oposição, a segunda vice-presidência do senado deve ser ocupada por um parlamentar da oposição. Mas, se há mais de um partido de oposição, o que já ocupou o cargo não pode repetir no período seguinte. Como o Partido Verde estava no período passado, correspondia a Colômbia Humana. Mas, a maioria governista desconheceu o direito de este partido e votando em branco descartou o candidato. Tanto os parlamentares do movimento atingido como vários parlamentares se retiraram em protesto. Porém, foi candidato e depois eleito ilegalmente um integrante da ala direita do Partido Verde, proposto por alguns integrantes de seu partido.

A convergência entre o partido de governo, o centrão e uma parte dos Verdes, foi a consequência de duas causas: primeiro, o fortalecimento do movimento denominado “Pacto Histórico” proposto pela Colômbia Humana e a União Patriótica – CH-UP-, indígenas e quilombolas que procura uma consulta para um candidato à presidência a partir de um programa comum. As pesquisas por agora acham no candidato do Pacto um possível triunfador da eleição de 2022. Em segundo lugar, as contradições crescentes entre a Colômbia Humana e a União Patriótica, por um lado, e a prefeita de Bogotá, do Partido Verde.

Desde antes de sua eleição, a prefeita negou-se a retomar o projeto de metrô subterrâneo, aprovado e adiado várias vezes pela pressão dos grandes proprietários de ônibus urbanos. Quando ia ser começada sua construção, o prefeito anterior, de direita, a suspendeu e dedicou os orçamentos a ampliar as vias de ônibus para o monopólio Transmilênio. No final de seu mandato aprovou só uma linha de um metrô elevado (trem). A nova prefeita continuou com estes planos de seu predecessor. Também, apareceram debates no começo da pandemia pela negativa da prefeita em reabrir o principal hospital público da cidade.

O bico do enfrentamento político da prefeita de Bogotá com a CH-UP foi causado pelo comportamento frente à greve de massas de abril-junho e à repressão policial. Aparentemente a prefeita garantia o direito a protestar, mas a polícia, sob seu comando, atacava todas as noites as manifestações dos jovens dos bairros. Pelo menos três jovens foram mortos pela polícia, outros ficaram sem um dos seus olhos, dezenas foram feridos e dois dos desaparecidos foram encontrados afogados em córregos. O encarregado de direitos humanos do distrito renunciou porque a prefeitura se negava a defender os direitos dos manifestantes.

Enquanto o governo nacional e a prefeita criminalizavam os cortes de vias que aconteceram em todo o país como “violentos”, um senador da Colômbia Humana fez uma vaquinha para coletar dinheiro para os capacetes, óculos e escudos das Primeiras Linhas. O partido do governo e a prefeita acharam que o senador cometeu um delito, pois para eles se tratava de “comprar armas”. Foi precisamente o senador que foi escolhido pelo seu movimento político e aliados no Congresso para representar a oposição no senado, e o qual foi substituído por manobra do partido de governo por um Verde, em contra do que parte dos mesmos Verdes protestaram.

Um dos mais fortes enfrentamentos na cidade de Bogotá, aconteceu no dia 28 de junho em Usme, quando os pequenos proprietários de ônibus cortaram as vias em protesto pelas medidas da prefeitura para impor o Transmilênio como monopólio na zona. Os moradores apoiaram o protesto porque significava para muitos aumentar os custos do transporte diário. O resultado da repressão policial nesse dia foi de um morto e muitos feridos.  Em 20 de julho novamente, a repressão atacou a população de Usme, esta vez um concerto.

O discurso “contra os bloqueios” de vias que tem feito retroceder políticas oficiais e o medo ao Pacto Histórico, tem alinhado uma parte dos Verdes e todo o centrão com o governo. A capacidade unitária desse Pacto depende se a convergência da direita consegue manter seu domínio político e regime antidemocrático ou se é possível unir a maioria dos colombianos para que o processo de greve de massas iniciado em novembro e dezembro de 2019, expressado em setembro e outubro de 2020 e retomado desde abril deste ano, culmine numa mudança política e social para que abra o caminho em 2021 à paz e a uma democracia onde a participação decisiva da população das favelas e das comunidades rurais seja um fato.

Hector Mondragón é Professor universitário, nos últimos anos lecionou na Colômbia, Brasil e Portugal. Assessor de organizações camponesas, indígenas e afrodescendentes na Colômbia. Autor do livro “Ciclos económicos en el capitalismo”.

Autor