Executivo precisa planejar ações de combate à Covid-19 em 2022

Especialistas alertam que, depois do atraso na tomada de decisão sobre a compra de vacinas em 2020, o baixo montante destinado no PLOA à aquisição de imunizantes no ano que vem – R$ 3,9 bilhões – pode sinalizar subdimensionamento da demanda

A redução de 85% na verba prevista para a compra de vacinas em 2022 apontado no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), entregue pelo governo ao Congresso no final de agosto, pode ser um mau indicativo sobre o planejamento do Executivo para o combate à Covid-19 no ano que vem, afirmam especialistas ouvidos pelo Blog da Conjuntura Econômica. Depois do atraso na tomada de decisão sobre a compra de vacinas em 2020, o baixo montante destinado à aquisição de imunizantes no ano que vem – R$ 3,9 bilhões, equivalentes à compra de 140 milhões de doses de Astrazeneca, por exemplo – pode sinalizar subdimensionamento de uma demanda ainda difícil de prever, dadas as condições mundiais para o desenvolvimento de novas variantes, por vezes mais contagiosas, como o caso da Delta.

“Precisamos de mais recursos para comprar vacinas. As doses que temos encomendadas e que ainda estão por chegar – incluindo as 215 milhões que a Fiocruz deve terminar de entregar em fevereiro – não serão suficientes para concluir a vacinação em adultos e jovens e aplicar doses de reforço. E acho que, depois da terceira dose, ainda vamos descobrir que precisaremos de uma quarta”, diz Gonzalo Vecina, professor da USP, ex-presidente da Anvisa, reforçando o cenário indefinido frente a um vírus em contínua mutação. “Teremos o Butantan produzindo Coronavac ou Butanvac, a Fiocruz com a Astrazeneca, e espero que tenhamos a Eurofarma fabricando Pfizer. Além disso, entretanto, é preciso disposição do Ministério da Saúde de planejar uma linha de ação, e ao que parece ainda estamos sem essa fase”, diz. O resultado, aponta Vecina, é um cenário que ele considera preocupante, com os estados já planejando a compra de imunizantes fora do Plano Nacional de Imunização (PNI). “Não deveríamos partir para uma solução de abastecimento de estados e municípios que não fosse dentro do PNI. É preciso criar um caminho de diálogo para preservar esse arranjo, pelo SUS, pelos brasileiros”, defende Vecina.


Paulo Almeida, diretor executivo do Instituto Questão de Ciência (IQC), também afirma ser pouco prudente desconsiderar no orçamento de 2022 a demanda por doses de reforço. “Já há indicadores claros de queda na proteção vacinal com o tempo. Frente a um contexto de incertezas, o mais adequado seria garantir fundos tanto para a aquisição adicional de imunizantes existentes quanto de potenciais novos que se tornem disponíveis”, diz. “O custo das vacinas é muito baixo comparado com os gastos de saúde e os problemas econômicos causados pela Covid-19”, completa Thomas Conti, CEO da AED Consulting, professor do Insper. “E, caso se prove necessário o reforço vacinal de todos, estaremos novamente disputando por doses em posição desfavorável, ante outros países possivelmente mais precavidos”, afirma.


Para Vecina, o atual quadro de queda nas mortes por Covid-19, com média móvel de sete dias abaixo de 600 casos, não significa que o país esteja isento do risco de repetir o quadro do Rio de Janeiro, onde a variante Delta fez aumentar contágio –  e que, no fim de agosto, chegou a concentrar uma em cada seis mortes pela doença em todo país -, ainda que não tão grave como se registra no sudeste asiático. “Nos países daquela região, o número de casos de Covid-19 tinha sido relativamente baixo até agora. Juntamente com uma baixa cobertura vacinal, isso abriu espaço para a Delta”, descreve. No Brasil, que já registrou picos importantes de casos e óbitos, com importante papel da variável Gama este ano, o quadro com a Delta tende a ser mais ameno. “Mesmo assim, até final de setembro poderemos ter em outros lugares do país uma explosão de casos da Delta, tal como aconteceu no Rio de Janeiro. E se as consequências não forem tão ruins, devemos a alguma cobertura vacinal com duas e uma dose.”


Conti lembra que, para a pandemia ser contida, com número de casos baixo o suficiente para levar as sociedades a uma vida normal sem medo de retrocesso, é preciso que um percentual muito alto da população mundial esteja vacinado, e isso ainda está longe de acontecer. “Como estamos vendo nos Estados Unidos, bolsões com alta proporção de pessoas não vacinadas já são suficientes para o vírus se instalar principalmente entre elas. O país que saiu na frente nos testes para o imunizante contra o novo coronavírus está registrando 1,5 mil mortes de covid por dia (resultado de 5 de setembro, na média móvel de sete dias), praticamente todas de pessoas não-vacinadas, apesar da ampla oferta de doses. É uma tragédia que poderia ser completamente evitada”, lembra Conti. Almeida, por sua vez, lembra que o país não tem poupado recursos nessa empreitada. Como exemplo, o orçamento para o ano fiscal de 2022 do Departamento de Saúde americano (HHS, na sigla em inglês), prevê um montante 22% maior que em 2021 para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos voltados à contenção de futuras pandemias, totalizando US$ 905 milhões.


Vecina alerta que, apesar de o Brasil já estar vacinando a população abaixo de 18 anos, ainda há um grupo importante de pessoas que não cumpriram a imunização e que precisam ser estimuladas a fazê-lo. “Estima-se que somente entre pessoas acima de 60 anos há mais de 20 milhões que não foram vacinadas. Qual o problema? Comunicação, já que aparentemente não temos tantos negacionistas quanto nos Estados Unidos”, diz, insistindo que a descida da escala etária na imunização tampouco será tão efetiva se deixarmos esses buracos para trás. “Sem cobrir a população que deveria ser coberta, o vírus continuará circulando. E agora temos a recomendação de reforçar a vacina, de preferência em todo mundo, começando com as que têm comorbidade e os mais idosos”, enumera, reforçando a necessidade de se perseverar no combate à Covid-19.

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