Ministério da Desigualdade

Temos visto se sucederem como ministros da educação, sujeitos caricatos e desprovidos de formação minimamente aceitável e respeitabilidade para o cargo. Apesar das peculiaridades (para não dizer bizarrices) de cada um, uma grande afinidade entre eles é o discurso convicto e insistente a favor da desigualdade

Ministro da Educação participa de entrevista coletiva sobre o primeiro dia de provas do Enem Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

O governo Bolsonaro tem trabalhado arduamente para aprofundar a miséria e a desigualdade social no Brasil. Atua nesse sentido com ímpeto e em várias frentes, mas não restam dúvidas que o Ministério da Educação, aquele mesmo que costumava trabalhar a favor da melhoria do acesso à educação, é o principal órgão governamental de promoção das desigualdades.

A essa altura do século 21, ninguém mais tem dúvidas de que o acesso à educação é a porta (estreita para a maioria das pessoas) para a melhoria da vida de qualquer ser humano em qualquer parte do mundo. A vida melhora com mais acesso à educação não apenas pela qualificação técnica para o trabalho, mas, sobretudo, pelo desenvolvimento pessoal em diversas capacidades, pela melhoria da compreensão do mundo real, e pela formação cidadã, razão pela qual o acesso à educação não traz benefícios apenas individuais, mas para toda a sociedade. A educação no século 21 deveria ter como principal meta formar seres humanos melhores para o enfrentamento de inúmeros e preocupantes desafios globais como lidar com as mudanças climáticas, superar a intolerância e a violência nas suas diversas formas, viver na diversidade em paz, frear a destruição da natureza, valorizar a democracia e a cooperação, e, definitivamente, superar as profundas desigualdades sociais.

Também não é mais novidade que a universidade brasileira sempre foi uma benesse para poucos filhos da elite e da classe média, e que a classe média e a elite são o que são exatamente pelo seu acesso diferenciado à educação. Ocorre que de um século de ensino superior no Brasil, tivemos apenas uma década de políticas mais contundentes de promoção do acesso popular ao ensino superior, como é o caso das políticas de cotas para negros e estudantes de escolas públicas, as bolsas e financiamentos para o acesso ao ensino superior privado e para a permanência no público, e a expansão das vagas nas universidades e institutos federais, a partir do REUNI e da interiorização dos campi.

Mas os ministros da educação de Bolsonaro não concordam com nada disso, muito pelo contrário. Em uma sequência digna de um filme de terror, temos visto se sucederem como ministros da educação, sujeitos caricatos e desprovidos de formação minimamente aceitável e respeitabilidade para o cargo. Apesar das peculiaridades (para não dizer bizarrices) de cada um, uma grande afinidade entre eles é o discurso convicto e insistente a favor da desigualdade, como pode ser confirmado por palavras proferidas por eles mesmos:

Ricardo Vélez (2018-2019): “A ideia de universidade para todos não existe”; “Universidade, do ponto de vista da capacidade, não é para todos. Somente algumas pessoas que têm desejos de estudos superiores e que se habilitam para isso entram na universidade”.

Abraham Weintraub (2019-2020): “Não existe ensino público gratuito. Quem paga as universidades federais são os pagadores de impostos”; “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”.

Milton Ribeiro (2020-?): “Universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”; “Tem muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda muito grande”.

Guardados os absurdos preconceitos pessoais de cada um – contra crianças com deficiência, Paulo Freire ou até mesmo os próprios brasileiros – o discurso dos ministros é o mesmo, sempre em torno de desconstruir o avanço, ainda longe de ser suficiente, no aumento de vagas no ensino superior, e de reduzir o papel da formação superior para o mero atendimento às demandas do mercado de trabalho.

Já seria muito triste percebermos essa defesa da desigualdade como uma consequência da visão estreita desses ‘gestores’. Mas a verdade é muito mais revoltante na medida que é o reflexo do que desejam de fato, e do que sempre foi defendido por essa “classe dominante ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa, que não deixa o país ir pra frente”, como já nos alertava Darcy Ribeiro em um outro século não muito distante.

Essa gente se incomoda muito em ver o povo acessando qualquer migalha daquilo que entendem ser o ‘seu espaço’. Por outro lado, o sofrimento ou a miséria alheia não a incomodam nem um pouco. E não é só. A elite brasileira não tem interesse algum no desenvolvimento do país, que pode continuar a ser um grande latifúndio produtor de soja, exportador de madeira e minérios, pária mundial, como nos ‘bons e velhos’ tempos da colônia. Para os senhores e senhoras da elite, o Brasil não precisa de cultura, ciência, tecnologia, saúde ou educação. Não há problema algum que o país seja precário e atrasado, desde que estejam no topo da pirâmide, e possam continuar usando outros países para guardar seu dinheiro e curtir temporadas divertidas com as suas digníssimas famílias, enquanto mantém seus privilégios por aqui, e exigem serem servidos pela esmagadora maioria da população.

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