Justiça reage a “confissão” de Bolsonaro e afasta presidente do Iphan

Pedido para afastar Larissa Dutra foi feito após Bolsonaro afirmar que demitiu profissionais da instituição por paralisação em obras de loja comercial do empresário Luciano Hang.

Marido de Larissa Dutra era segurança de Bolsonaro, que a indicou ao Iphan sem qualquer das qualificações exigidas.

A Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou, neste sábado (18), o afastamento da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, por favorecer interesses pessoais do presidente Jair Bolsonaro.

A decisão foi baseada no pedido do Ministério Público Federal (MPF) e do secretário municipal de Governo e Integridade Pública do Rio de Janeiro e deputado federal licenciado Marcelo Calero (Cidadania-RJ).

A fala de Bolsonaro no evento da Fiesp foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou uma notícia-crime na Corte por prevaricação e advocacia administrativa. A deputada Natália Bonavides (PT-RN) também protocolou uma ação sobre o mesmo tema.

O senador Randolfe considera o presidente “réu confesso”. “Acionamos após o Presidente confessar que interveio no Iphan para atender interesses pessoais. Agora, o MPF pede o afastamento da atual presidente do Iphan. Bolsonaro não pode sair impune!”, declarou o senador.

O pedido foi feito após o presidente Jair Bolsonaro fazer uma espécie de “confissão” durante evento na Federação das Indústrias do Estado de São (Fiesp), no último dia 15, quarta-feira. Na ocasião, Bolsonaro disse ter “ripado” funcionários do instituto que interditaram uma obra do empresário Luciano Hang, um dos principais apoiadores dele.

Larissa Dutra, que tomou posse na presidência do Iphan em junho do ano passado, teria sido colocada no posto após reclamação de Bolsonaro sobre a atuação do órgão. O presidente afirmou no evento da Fiesp ter feito a mudança no instituto para “não dá mais dor de cabeça pra gente”.

“Também, há pouco tempo, tomei conhecimento que uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta [e perguntei]: ‘que trem é esse?’. Porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça pra gente [risos]”, disse o presidente.

A paralisação feita pelo instituto nas obras de uma loja comercial de Hang, no Rio Grande do Sul, ocorreu no final de 2019, após um artefato arqueológico ter sido encontrado nas escavações.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem por função “promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional”.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) também considera o presidente “mandante” de um crime contra a administração pública. “Genocida confessou crime contra a administração pública em evento na Fiesp. Agora falta cair o mandante”, afirmou o deputado no Twitter.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) considerou a “confissão” de Bolsonaro um escândalo. “Bolsonaro confessou que mudou a direção do IPHAN por causa de reclamação de empresário amigo. Mais uma prova do desprezo do presidente pela cultura e de sua obsessão por favorecer os seus. Um escândalo na administração pública!”

Crime de funcionário público

Segundo o Código Penal brasileiro, o crime de prevaricação ocorre quando um funcionário público “retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Já o delito de advocacia administrativa ocorre quando um servidor público defende interesses particulares, junto ao órgão da administração pública onde exerce suas funções

A decisão deste sábado, assinada pela juíza Mariana Tomaz da Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determina o afastamento de Larissa da presidência do Iphan até pelo menos o julgamento do mérito do caso.

Nesta sexta-feira, o ministro do STF André Mendonça, recém-empossado após indicação de Bolsonaro, foi sorteado para ser relator do caso.

O currículo de Larissa

Em junho do ano passado, a Justiça suspendeu provisoriamente a nomeação de Larissa como presidente do Iphan, depois que o MPF considerou haver “nulidade do ato administrativo por desvio de finalidade e falta de capacitação técnica”.

A ação popular foi proposta também por Marcelo Calero, deputado federal licenciado, atual secretário municipal de Governo e Integridade Pública do Rio de Janeiro e ex-ministro da Cultura no governo de Michel Temer.

O MPF apurou que o marido de Larissa, Gerson Dutra, foi integrante da equipe de segurança particular do presidente da República durante a campanha eleitoral. Isso, afirma o órgão, indicaria “possível desvio de finalidade na nomeação de pessoa não qualificada para a função pública”.

Para o MPF, Larissa não atende a requisitos estabelecidos em decretos que exigem dos nomeados “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo”, além de “experiência profissional mínima de cinco anos em atividades correlatas e título de mestre ou doutor na área de atuação”.

A mulher é graduada em turismo e hotelaria pelo Centro Universitário do Triângulo, e cursa atualmente pós-graduação lato sensu em MBA executivo em gestão estratégica de marketing, planejamento e inteligência competitiva, na Faculdade Unileya.

A União recorreu da decisão,. No dia 16 de junho de 2020, o desembargador Guilherme Diefenthaeler, da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, suspendeu a liminar da Justiça Federal do Rio de Janeiro que impedia a nomeação de Larissa para a presidência do Iphan, e ela pôde assumir imediatamente.

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