Margareth Dalcolmo: Vacinar e evitar 1 milhão de infecções por dia no Brasil

Usemos a racionalidade para nos nutrir com a melhor informação e confiar na ciência, não como uma abstração, mas como fonte da melhor informação.

E vamos acumulando casos de Covid-19, neste momento em franca curva de ascensão da cepa Ômicron, dominante em todo o mundo, e inclusive entre nós. Podemos antever, sem exagerar a expectativa de que cheguemos até cerca de um milhão de casos por dia no Brasil. Assim, que sentimentos habitam o nosso inconsciente coletivo? Surpresa, quando desafiamos o bem senso e nos aglomeramos em festas e celebrações de fim de ano? Frustração, porque estamos vacinados, e mesmo assim nos contaminamos? Ou nos sentindo enganados, porque a decantada imunidade de rebanho já se perdeu como possibilidade epidemiológica?Angústia de que possamos regredir no controle epidêmico? Medo de que a nova variante possa se tornar mais grave e letal? Ou a tão necessária esperança de que novas cepas possam arrefecer a morbiletalidade da pandemia e oferecer luz no fim desse longo túnel? Creio que em proporções diferentes, essa mistura de sentimentos nos contagia, mesmo que efemeramente, a exigir que usemos a racionalidade para nos nutrir com a melhor informação e confiar na ciência, não como uma abstração, mas como fonte da melhor informação.

Nessa aluvião de notícias e descobertas publicadas mereceu registro no Jornal Times do Reino Unido, o belo trabalho capitaneado pela professora Mayana Zatz, da USP, sobre os chamados “casais discordantes” tentando explicar, através de características genéticas porque um cônjuge de alguém contaminado por Covid19 não se contagia. Com isso se gera a hipótese de que essas pessoas “resistentes” possam contribuir para o arrefecimento da pandemia. Alguns genes relacionados às células imunológicas denominadas “natural killers” fazem parte do sistema imune inato e podem jogar um papel nessa proteção.

Simultaneamente outros grupos de pesquisadores no Instituto La Jolla, na California, buscam explicar esse mesmo fenômeno de “proteção individual” através de outra arma imunológica, como as células T, às quais se atribui um papel determinante na proteção contra a variante Ômicron e eventuais futuras outras. O fato é que, de par com o grande número de estudos de possibilidades terapêuticas atuais e das boas perspectivas nesse campo com os novos antivirais de uso oral e imunomoduladores, muitas linhas de investigação tentam responder sobre o a relevância da genética e o comportamento da doença no homem e suas consequências.

O Brasil ganhar autonomia na produção de vacinas com a aprovação regulatória para a produção do IFA da plataforma da AstraZeneca na Fiocruz é outro passo de extraordinária magnitude nesse momento. Com a perspectiva de entrega dos primeiros 22 milhões de doses ao Ministério da Saúde, produzidas em BioManguinhos, asseguramos capacidade para suprir o país e cooperar com outros.

Não é difícil para a opinião pública brasileira observar que a despeito do grande impacto da nova variante, e tendo alcançado uma boa taxa de imunização, o resultado constatado é o aumento exponencial de casos, porém sem repercussão de mortes ou ocupação de leitos de terapia intensiva até agora. Mesmo sabendo que pode haver pressão sobre o sistema de saúde por demanda de emergências e de internações em enfermarias, a nossa preocupação maior hoje é a paralisação de serviços pelo imenso número de infectados e afastados do trabalho ao mesmo tempo. Esse fenômeno hoje se revela de modo flagrante em países europeus e América do Norte.

Felizmente entre nós, não viceja a mobilização anti-vax, com retórica de liberdade individual irrestrita. Tem sido frustras por aqui as tentativas e bravatas se aproveitando das crianças, no óbvio apelo que essas despertam. Na França, ao contrário, se chega ao cúmulo de deputados que defendem a política de vacinação encontrarem na entrada de suas casas, bonecas vudu deformadas, e com bilhetes violentos, colocadas por grupos anti vacina. Mesmo que torpes e anônimos, são facilmente identificáveis, em clara ameaça às famílias contra o que esses chamam de “ditadura sanitária”. Inacreditável, no berço do Iluminismo.

Publicado originalmente em O Globo

Autor