A manipulação liberal e a insatisfação popular com o Serviço Público

São tantos conflitos, prejuízos, incertezas, abusos, impotências que parecem não haver salvação. Afinal, quem deve segurar este “B.O.”?

Marcello Casal - Agência Brasil

Por Thiago Augusto de Carvalho Cruz

“Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele.” (Martin Luther King Jr.)

Certa vez, na repartição pública onde sou servidor, ouvi de um usuário que o pobre sobrevive ao serviço público não é porque gosta, mas por ser teimoso e pirracento. Diz o ditado que a necessidade faz o homem, por isso não discordo totalmente dessa pessimista teoria. Naquela hora, confesso que até achei graça, mas o assunto é sério e carece de reflexão.
Nos dias de hoje, é indiscutível que a maior parte das pessoas tem críticas e nutre profunda resistência ao serviço público no Brasil, independentemente da idade que possui ou classe social. Aliás, a cena mais comum que temos assistido nos noticiários tem sido de ocorrências policiais em locais públicos, especialmente nas unidades de saúde. Deste modo, sobram reclamações e raros são os elogios nas ouvidorias dos governos. Em algumas áreas, o inconformismo popular alcança situações extremas onde os trabalhadores chegam a ter a honra reduzida por estarem na linha de frente da prestação do serviço estatal. Aos que sofrem (ou já sofreram) agressões físicas, verbais, preconceitos e injúrias no exercício da função pública, certos traumas causados chegam a ser perpétuos. Lado outro, aparenta-nos uma conivência da Administração Pública, talvez pela certeza de que mudar o quadro requer ousadia para se “pegar o boi pelo chifre”.
Nem todos sabem, mas ao Estado incumbe prover o bem-estar da população brasileira. Assim, reza o art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. No mesmo norte, o restante do texto constitucional descrito no art. 5º também consagra uma proteção social que, em tese, deveria proporcionar segurança e reconhecimento à importância das instituições prestadoras de serviço público. Contudo, além dos problemas relativos a uma inegável gestão deficitária, vem crescendo uma organização de forças que propõe a extinção do serviço público brasileiro, propagando ilações e meras conjecturas a fim de deturpar sua imagem perante os administrados, especialmente dos eleitores ativos.
Desde meados de 2016, um minúsculo, mas incômodo, grupo político que costuma apresentar-se vestindo camisetas alaranjadas (ou mesmo gravatas), vem patrocinando o estabelecimento de um novo formato de gestão pública. Não se trata de uma oposição ao ônus estatal supra mencionado, propriamente dita, mas sim uma pseudo militância camuflada de justiceiros que defendem o fim das obrigações de Estado como solução ao mau uso da máquina e do erário público. Em sua maioria, esses “alaranjados” são pessoas abastadas economicamente e que, muito possivelmente, nunca utilizaram o Poder Público como provedor de necessidades básicas. O raso discurso que move os ditos novos liberais serve para aclarar um ambiente de desigualdade social, uma vez que transfere o ônus constitucional ao povo, suscitando a tão malfadada “meritocracia”. No final das contas, essa nova perspectiva desestimula o controle estatal apenas para viabilizar o lucro para a iniciativa privada com base na expropriação de direitos fundamentais da maioria da população. Assim sendo, constata-se que o chamado “Estado Mínimo” não passa de um engodo para atrair a aceitação daquele eleitor frustrado, insatisfeito (ou incompreensivo, porque não?) com as incessantes agruras que o serviço público suporta desde muito antes da redemocratização do país.

O pior, é que partindo do resultado apurado das urnas em 2018 e do que se observa no cenário político de lá pra cá, não se pode negar que essa enganosa ideia ainda tem potencial de expansão, inclusive, dentre as pessoas mais vulneráveis, apesar das escolas apodrecendo, cadeias lotadas, hospitais sem leitos, polícia matando pobre, juízes ladrões, banquete com picanha e cerveja nos quartéis e outras diuturnas mazelas.

Ora, há que se admitir que justa razão assiste ao que espera dos governos, até porque, falando francamente, o Estado Brasileiro não presta sequer o mínimo exigido constitucionalmente aos seus cidadãos, salvo em poucas exceções!
Sem pudor algum, o governo de Jair Bolsonaro, através das ações criminosas de seu ministro da economia, Paulo Guedes, vem promovendo o fim do bem-estar social, criminalizando suas idéias e práticas. Aliás, nunca antes na nossa história, o Estado foi tão demonizado e subjugado como um fardo aos pagadores de impostos, sobretudo quando o alvo das políticas é a população mais necessitada.

Segundo amplamente noticiado na imprensa, para Guedes, os servidores são parasitas, assaltantes e preguiçosos. A pequenez do caráter do ministro Paulo Guedes dispensa qualquer contra-ataque a tais ofensas, pois se trata de um ser humano que verbaliza a intenção de destinar sobras de comida aos pobres como política contra a fome. Mas o verdadeiro cerne da questão é que a propaganda desse governo enfraquecendo a relevância do serviço público para se manter a lisura e o equilíbrio dos poderes, ludibria o cidadão apresentando um discurso mentiroso, prometendo “modernidade” na gestão pública, omitindo, dolosamente, as danosas consequências que as privatizações e terceirizações impõem. A postura desidiosa do governo Bolsonaro durante a pandemia e os escândalos administrativos apurados pela CPI no Senado refletem o espírito negligente com a imunização dos brasileiros, tornando-o responsável diretamente por grande parte das mortes de centenas de milhares de brasileiros.
Outro “calo” que vem apertando o sapato do pobre é a adesão das casas legislativas à gestão de Guedes e seus planos de desestatização geral. Por ora, a “menina dos olhos”, ou seja, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, também chamada de Reforma Administrativa, que altera e modifica substancialmente o serviço público no Brasil, tem sido impedida de avançar graças a luta de parlamentares, servidores, sindicatos e associações de classe. Ainda assim, é uma missão hercúlea tentar impedir a disseminação de mitos acerca do famigerado “Estado Mínimo”, considerando que o discurso de hipocrisia dos adeptos dessa fraude é covardemente atraente, tentador e por vezes, estimula o ódio contra as instituições e seus agentes.
Enfim, são tantos conflitos, prejuízos, incertezas, abusos, impotências que parecem não haver salvação. Afinal, quem deve segurar este “B.O.”? Ou se preferirem, como diriam no saudoso seriado mexicano “Chapolin Colorado”, “quem poderá nos defender?”.
Nessa história triste e real, não existem heróis e o sangue é de verdade. A resposta para o nosso pedido de socorro pode até parecer inalcançável, mas por incrível que pareça, não é: a solução para todo esse caos está estampada na nossa história, no espelho da sua casa e no olhar dos nossos filhos! Lembremos que não foram notinhas de repúdio virtuais que fizeram com que o Brasil se organizasse politicamente para sepultar a imundície da ditadura militar. Apesar da atuação legítima, foi preciso suportar a clandestinidade, a tortura e o exílio para alcançarmos a glória. Basta de golpes à democracia!
Portanto, irmãs e irmãos, que permaneçamos unidos e atentos, pois a besta que emergiu em 2018 está para voltar de onde veio, para ser julgada no momento oportuno, com os rigores cabíveis. Até lá, não abdiquemos de nossas fundamentais instituições de Estado, pois são elas que nos protegem dos verdadeiros homens maus.
VIVA O PODER POPULAR! AVANTE!

Thiago Augusto de Carvalho Cruz é advogado, sindicalista e membro do Comitê Municipal do PCdoB – BH