O direito de Renato Rabelo à resistência contra a ditadura 

Em depoimento de 2012, Renato contou sua trajetória pessoal articulada com a resistência à ditadura militar. Os anos cruciais de 1960 a 1985, em que militou clandestinamente, inclusive na luta armada, testemunhando a revolução cultural na China e exilando-se na França, em meio ao massacre promovido pelo regime brasileiro à direção do PCdoB.

Num raro registro de sua trajetória pessoal, Renato Rabelo fez, em 2012 um longo depoimento ao Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois. Trechos do depoimento compõem o livro de 2013, Repressão e direito à resistência: os comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985), da editora Anita Garibaldi, em coedição com a Fundação Maurício Grabois.

A publicação fez parte do projeto Marcas da Memória, vinculado à Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, presidida, então, por Paulo Abrão, um dos grandes entusiastas do restabelecimento da verdade sobre os fatos ocorridos no período da ditadura militar entre 1964 e 1985.

Esta foi a oportunidade, portanto, para conhecermos melhor o discreto Renato Rabelo, sempre resistente em expor sua trajetória pessoal, para não estimular personalismos políticos. Na maior parte do tempo, seus textos, depoimentos e conferências resumem-se a análises e sínteses da conjuntura política, com pouco espaço para detalhes pessoais. 

Assim, neste depoimento, foi possível ouvir de sua própria boca sobre as origens de sua militância política estudantil e católica como parte da Ação Popular (AP), que se integrou ao PCdoB, durante a ditadura. Uma militância jovem batizada no choque do golpe de 1964, ainda na Bahia, como alvo número um da repressão. Em 1966, em fuga da polícia baiana, Renato luta pela sobrevivência da UNE, extinta por decreto. 

As dificuldades aumentavam apontando o rumo da luta armada. Foi quando Renato passou seis meses na China, em 1967, vendo de perto a anarquia destrutiva da Revolução Cultural Proletária e conhecendo pessoalmente Mao Tse-Tung. Testemunhou também como delegações do PCdoB eram recebidas oficialmente por Mao. Foi quando aprendeu com militares chineses sobre táticas de guerra, o que, até hoje, é um hobby particular. 

Ao voltar da China, descobre que a primeira filha com Conchita já tinha cinco meses, e ele nem sabia que era pai. A dureza do luta camponesa começou, para Renato e Conchita, em 1969 no interiorzão de Goiás, onde o trabalho militante não avançou pelas dificuldades enfrentadas. Foram sete meses até a desmobilização.

Enquanto isso, a disputa ideológica se intensificava na AP, que se tornava uma organização muito influente, se aproximando gradualmente do marxismo-leninismo do PCdoB e se afastava de visões trotskistas. Em meio a esse debate prolongado, a repressão brutaliza dirigentes do PCdoB e exige uma tomada de decisão: a integração da AP ao PCdoB em 1973.

Nesse período, o trabalho da Guerrilha do Araguaia já está montado e Renato ajuda a organizar a retaguarda dos guerrilheiros na região. Em 1974 vai para Goiânia e depois Belém, onde sofre por deixar a família na dureza, para participar, com João Amazonas, do Congresso do Partido do Trabalho da Albânia no final de 1976, após uma passagem pela França e Portugal. Nessa altura, a Guerrilha já havia sido massacrada. 

Em Tirana, o PCdoB se aproxima da posição crítica dos albaneses à visão chinesa de oposição à União Soviética e seu suposto “imperialismo socialista”. Os chineses convocam Amazonas para reconsiderar sua crítica ao PC chinês, e diante da resistência, são tratados friamente. Ainda em Pequim, Renato fica sabendo da queda da Lapa, a chacina e prisão da direção partidária em São Paulo, em dezembro de 1976. Segue para Paris.

De Buenos Aires, em setembro de 1977, reencontra Conchita que ficara nas condições duras de Belém. Em janeiro, por puro azar, é preso em Paris suspeito de terrorismo árabe, até que contou a verdade sobre a perseguição política no Brasil e fez a polícia rir, mas prendê-lo por um mês.

Depois disso, ainda em Paris, o Partido passa a existir fora do Brasil, com a A Classe Operária sendo impressa por portugueses e lida pela Rádio Tirana da Albânia, que chegava aos rincões do Brasil, mostrando que a direção do PCdoB estava viva. Renato trabalhava como enfermeiro em hospitais parisienses e continuava a faculdade de medicina, mantendo um bom padrão de vida, que foi abandonado quando chegou a Anistia e a família voltou ao Brasil em outubro de 1979. 

O PCdoB recomeça “do zero” mais uma vez, com muita disputa interna e rearticulação da militância dispersa, sob o comando de Amazonas. Ainda sob os olhares vigilantes da polícia política (até 1989), realizaram ao 6o. Congresso em 1983, enquanto a oposição fora vitoriosa nas eleições de 1982 e o movimento Diretas Já avançava pelo país, durante 1983.

Com a derrota das Diretas, Amazonas contribui para o convencimento de Tancredo Neves deixar Minas e disputar a Presidência da República no colégio eleitoral. Com a morte de Tancredo, Sarney assumiu com o compromisso de legalizar o PCdoB e sempre tratou os comunistas de forma avançada no governo. Quando foi legalizado em 1985, dirigentes de AP como Renato Rabelo ocuparam destaque na direção do partido. 

Leia a entrevista de Renato Rabelo, onde conta de própria voz esta trajetória

Trecho inicial do depoimento, em vídeo.

Trecho final do depoimento, em vídeo.