Sob ameaça de privatização, Correios dobram ganhos e lucram R$ 3,7 bi

Para presidente da estatal, melhoria de gestão resultou em ganhos, embora admita os resultados superiores de encomendas na pandemia

© José Cruz/Agência Brasil

Os Correios registraram lucro de R$ 3,7 bilhões em 2021, valor que representa o dobro do registrado em 2020 e representa o melhor resultado nos últimos 22 anos. Esse foi o terceiro ano seguido de ganhos na estatal, que aumentou o volume de operações e receitas durante a pandemia de covid-19. Apesar disso, a empresa continua sob ameaça de privatização no Governo Bolsonaro.

Os números foram apresentados hoje (17) pela estatal. Segundo o presidente dos Correios, Floriano Peixoto, a melhoria nos resultados decorreu do saneamento financeiro e das medidas de sustentabilidade econômica executadas nos últimos anos. Mas ele admite que a empresa absorveu um volume de encomendas de comércio eletrônico inédita durante a pandemia.

“Os números confirmam o papel estratégico da estatal para o segmento logístico e reforçam a importância de a sociedade dispor de uma empresa financeiramente viável e robusta para absorver, com qualidade, a alta demanda”, diz a empresa.

Um dos argumentos mais usados em favor da privatização dos Correios, uma das prioridades da agenda econômica do governo de Jair Bolsonaro, é a questão da lucratividade da estatal. A empresa ficou “no vermelho” por quatro anos consecutivos, registrando prejuízo entre 2013 e 2016. Essa melhora recente levantou questionamentos, principalmente entre a oposição, sobre a real necessidade de se privatizar a empresa. E contribuiu para emperrar as discussões no Senado, para onde foi o projeto de privatização após ter sido aprovado pela Câmara, no início de agosto. Segundo o governo, só será possível vender a estatal em 2022 se o Congresso aprovar a operação em definitivo até abril.

Na apresentação dos números, o militar evitou comentar o processo de privatização dos Correios, para não melindrar o ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor da venda da empresa. Apenas disse que a empresa hoje tem condições de competir no mercado, numa clara demonstração de que a empresa não é deficitária ou ineficaz.

No entanto, em entrevista à imprensa, disse que “esse resultado financeiro compõe um conjunto de ações imprescindíveis para o sucesso da privatização do setor postal, garantindo, ainda, a constante evolução dos serviços disponíveis ao mercado de logística”. Segundo Floriano Peixoto, “infelizmente, e por diversas razões, a estatal não tem condições de competir em nível de equivalência com o setor privado.

“Embora a saúde financeira da estatal hoje esteja em melhor situação que a verificada há três anos e ainda não tenha atingido o patamar necessário para garantir a perenidade dos negócios, é possível afirmar que o alcance de taxas de crescimento equivalentes ou superiores às do mercado se dará com mais rapidez”, declarou.

Austeridade fiscal

“As medidas adotadas ao longo dos dois últimos anos e meio, mesmo sendo consideradas austeras, além de necessárias, se comprovaram eficazes. Elas possibilitaram priorizar objetivos, reformular serviços, reduzir despesas e aumentar receitas”, disse Peixoto, em cerimônia de apresentação do balanço da estatal no ano passado.

O presidente dos Correios ressaltou que a empresa conseguiu crescer, apesar dos obstáculos impostos pela pandemia. “Consideremos que, em 2021, ocorreu a maior Black Friday dos últimos anos no que se refere ao volume de encomendas. Mesmo com as dificuldades inerentes à pandemia, toda a demanda decorrente do aumento de transações no período foi absorvida pelos Correios”, destacou.

Peixoto comparou a evolução da empresa desde o início da gestão, em junho de 2019. Na época, disse ele, a empresa corria o risco de tornar-se dependente do Tesouro Nacional. Como medidas para recuperar as finanças da companhia, ele citou ajustes na direção da administração central e das superintendências estaduais, planejamento econômico para sanear a empresa em seis meses, suspensão de contratos de consultoria e revisão dos maiores contratos.

Ele também mencionou a reavaliação das condições das diretorias e o estreitamento do contato com órgãos federais, como Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, entre outros.

Em relação aos gastos com pessoal, a empresa ressaltou que as mudanças no acordo coletivo de trabalho dos empregados proporcionaram economia de cerca de R$ 1,3 bilhão ao ano. A estatal emprega mais de 98 mil funcionários.

A estatal travou batalhas na Justiça do trabalho para reduzir benefícios dos trabalhadores, especialmente aqueles que já eram aposentados, os chamados benefícios pós-emprego. Além disso, os dois planos de demissão incentivada efetuados durante a gestão atual resultaram em economia de R$ 2,1 bilhões na folha de pagamento.

A empresa apresentou metas de médio e longo prazo, apesar do programa de privatização em curso. Nos próximos cinco anos, a estatal quer dobrar o volume de encomendas, o resultado da receita, triplicar o patrimônio líquido; manter em dois dígitos a margem Ebtida (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). No ano passado, os Correios registraram Ebtida de R$ 3,1 bilhões, crescimento de 113% em relação a 2020.

Omissões do sucateamento

A Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), no entanto, considera que o general Peixoto omite alguns fatos que levaram aos prejuízos em anos anteriores e, agora, permitem lucratividade. Em nota, a entidade menciona auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) que já apontavam como motivos para os resultados da companhia a redução da atividade econômica, a defasagem tarifária e a elevada transferência de dividendos para a União entre os fatores responsáveis pela deterioração dos resultados dos Correios.

No período, em que o estatuto da companhia já limitava o pagamento obrigatório de dividendos a 25% do lucro líquido apurado no exercício, a União recolheu R$ 6 bilhões em dividendos, descapitalizando a empresa e dificultando sua capacidade de investimento. Anos depois, a companhia cobrou da União a devolução de R$ 3,2 bilhões, o que não ocorreu.

Um terceiro motivo que explica a situação econômico-financeira da companhia no período, segundo a ADCAP, seriam as mudanças nos critérios contábeis dos Correios a partir de 2013, que determinaram o provisionamento para a cobertura dos benefícios de empregados aposentados, como serviços de saúde e previdência complementar.

Esses critérios seguem parâmetros internacionais e foram introduzidos no país por meio da norma 33 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). A associação defende que a empresa não recebeu a atenção necessária do governo para se preparar para o impacto econômico que a medida provocaria.

Segundo a ADCAP, o desempenho da empresa poderia ser ainda melhor “com uma gestão técnica, que pudesse trabalhar sem que o acionista tentasse, a todo momento, macular a imagem da organização, como tem feito o governo federal”.

Autor