O que a branquitude e a oficialidade fingem não saber, por Dani Balbi

Jada está tragicamente espremida entre uma Academia que se diversifica na superfície, mas que celebra homens negros ridicularizando situações dolorosas que atravessam as vidas de mulheres negras e permite que nós nos embatamos em público para a diversão dos salões da branquidade

Jada Smith é uma atriz, apresentadora e produtora norte-americana de sucesso. Como mulher negra, sua capacidade, competência e suas realizações sempre estiveram à sombra de camadas de exotificações que impactam objetivamente o alcance e a estabilização de sua carreira. Como se fosse pouco, nos últimos anos Jada foi acometida por uma alopecia, uma condição dermatológica que acarreta a perda de cabelo no couro cabeludo; corajosa como sempre e sem outra alternativa que não a força, ela assumiu a careca com a dignidade de poucos. Não esqueçamos que estamos tratando de uma mulher negra em um país que se construir pela segregação racial. Pois bem. E o que Jada Smith fazia ali, no Oscar?

Eu tenho muitas coisas para dizer sobre essa cerimônia em particular e, principalmente, sobre as escolhas dos membros de uma academia que nos últimos anos se esforçou em se diversificar… Mas só superficialmente. Vitórias como a de Parasita em 2020 são importantes, mas não apagam o horror que a propaganda racista de Green Book significou no ano anterior. Chloé Zhao e DeBose significam muito para as mulheres lgbtis e racializadas, e Jane Campion arrancou seu prêmio à unha, provando que qualidade técnica e viés de gênero são sinônimos. Contudo, o fato de Belfast ter levado melhor roteiro original, mais do que um contrassenso técnico – um filme sem roteiro -, é uma prova de que a Academia, na sua essência, permanece um grupo de homens brancos que se sensibilizam e se inclinam em reconhecer e premiar a manifestação de uma compreensão infantilizada, romanceada e eurocêntrica do todo complexo que são as relações sociais e humanas.  Da mesma forma, Coda está longe de ser sublime: até a questão da inclusão de pessoas com deficiência me parece ser lateralizada em suas implicações políticas para desaguar no melodrama adolescente de uma jovem sem deficiência como protagonista. Ataque dos Cães é o melhor filme da temporada porque não podemos fugir do seu motivo estruturante, e ele incomoda demais: a relação entre misoginia e LGBTfobia como expressão negativa da cumplicidade masculina. Por isso ele não ganharia; porque sua qualidade narrativa o direciona inescapavelmente para o trato político dessas questões.

Mas o que a Jada Smith tem a ver com tudo isso?

Enquanto mulher negra trabalhadora da indústria do entretenimento, Jada está tragicamente espremida entre uma Academia que se diversifica na superfície, mas que celebra homens negros ridicularizando situações dolorosas que atravessam as vidas de mulheres negras e permite que nós nos embatamos em público para a diversão dos salões da branquidade; Jada é a acompanhante sem indicações de seu marido,  companheiro e amigo que formou uma família e construiu cotidianamente mecanismos de resistência ao seu lado, mas sabe que ela é capturada em sua força por uma estrutura machista e misógina que ameaça a sua própria reação; espera-se que Jada sorria das ofensas contra si com ternura, suporte o companheiro, aplauda a glória dos “gênios” do cinema e se cale.

Para um cinema plural, uma cerimônia melhor e uma experiência estética que valha a pena, é importante que assistamos, ouçamos e aplaudamos mais Jadas como protagonistas reais de todo o processo, e não como peças decorativas.

Autor