A luta contra o racismo é parte fundamental da luta de classes

O Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional está debatendo os diversos aspectos da luta antirracista. Palestrantes destacam que há no Brasil um verdadeiro genocídio contra o povo negro.

Edson França, Olívia Santana e Nádia Campeão na abertura do seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional

A história do racismo é a história da construção da desigualdade. Ele foi acalentado, recebido de bom grado na formação da República e fundamental para a estruturação do Estado. A sociedade se moldou a partir da desigualdade racial. Por isso, “quando falamos da luta antirracista, estamos falando de estruturação de projetos nacionais, de um futuro”. A explanação de Wlamyra Albuquerque dá bem a medida da importância que o tema tem ganhado nas diversas esferas, da academia ao debate dos partidos políticos. Ela foi uma das convidadas do Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional promovido pelo PCdoB, Fundação Maurício Grabois e Instituto Castro Alves, realizado de forma online nos dias 3 e 4 de junho.

Wlamira Albuquerque , Júlio Vellozo e Francisco Teixeira

O debate do qual participou Wlamira Albuquerque tratou da formação da nação, do povo e das classes sociais no Brasil, desde a escravidão ao trabalho assalariado. Além dela, que é doutora em História Social da Cultura pela Unicamp, Julio Vellozo, pós doutor pela Faculdade na Direito da Universidade de Salamanca e Francisco Teixeira, professor da UFRJ também falaram aos mais de 300 inscritos no seminário.

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Velozzo destacou que o racismo é uma tecnologia fundamental no capitalismo, “não é um resto, um pedaço do passado; é cada vez mais importante para esse sistema, e oferece um critério objetivo para o descarte de populações inteiras”. Por isso, completou, “o racismo tende a ser cada vez mais importante e cada vez mais necessário, infelizmente, para a gestão da crise do capitalismo”.

Ele afirma que no Brasil houve um espalhamento da escravidão por todo tecido social e todo território. “Isso trouxe uma situação especial no caso brasileiro de termos um amplo pacto em torno da defesa da manutenção da escravidão”. E acrescentou que, ao contrário do que se pensa, o trabalho escravo está presente em vários setores da economia e envolve pequenos e grandes proprietários. “Esse pacto é responsável pela formação de uma ideologia em torno da escravidão”, acredita.

O professor Francisco Teixeira salientou que, diferentemente do Haiti, por exemplo, país em que aconteceu uma revolução, no Brasil não houve de fato uma solução para a escravidão. “Isso é uma questão básica do ponto de vista mental e ideológico”, disse. O racismo, apontou, tornou-se um elemento hierarquizante a partir do fim da escravidão, uma ferramenta útil na reorganização do mundo e para o apagamento da escravidão. 

Francisco Teixeira salientou que, na ausência de uma revolução, “a repressão surge como resposta possível para colocar essas pessoas ´libertadas´ dentro desse novo mundo do trabalho que emerge”. E há, desde então, uma guerra aos negros que “sobram” nesses espaços. “Isso vai culminar na exigência de apresentação da Carteira de Trabalho para não ser considerado vadio, ainda no Estado Novo”, lembrou.

Segundo ele, esse processo contribuiu para a incorporação da ideia do trabalhador como homem de bem versus “a vadiagem”, “o marginal”, divisão que passa a permear a estrutura mental do brasileiro e que determina quem pode ser preso, espancado, torturado e morto, como há poucos dias ocorreu com Genivaldo Santos. 

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O professor avalia que há uma “guerra subterrânea que se trava constantemente nas comunidades contra os setores subalternos, alvos constantes das forças de segurança que podem agir livremente nessas comunidades desvinculadas do mundo branco, ‘de bem’, criando-se, assim, um processo fascistizante das estruturas de segurança. “O fascismo brasileiro escolheu os negros marginalizados, desde sempre”, pontuou.

Seminário foi realizado no formato online

Há um genocídio negro no Brasil

Ao abrir os debates do seminário, a deputada estadual da Bahia e secretária nacional de Combate ao Racismo do PCdoB, Olívia Santana, afirmou a importância de os partidos pautaram o debate sobre o racismo estrutural. Para ela, é crucial que o tema seja não apenas da militância negra, mas de todos. Além de Olívia, abriram os trabalhos Edson França, membro do Comitê Central do PCdoB, e Nádia Campeão, secretária de Organização. 

A presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, em vídeo, lembrou a chacina da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e o assassinato de Genivaldo Santos, em Sergipe, como reflexos da dramática situação do genocídio negro no país. “Estes não são fatos isolados”, afirmou. 

Luciana Santos, presidenta do PCdoB

Luciana fez um retrospecto das contribuições do PCdoB na luta contra o racismo, lembrando desde a candidatura do operário comunista Minervino de Oliveira, em 1930, primeiro candidato negro à presidência da República, até a obra de Clóvis Moura, a participação na organização da Unegro e na formulação de políticas públicas.

A dirigente lembrou que é fundamental derrotar Bolsonaro nas eleições de outubro e colocar aluta antirracista em outro patamar. 

Para além dos impactos da pandemia, Luciana lembrou que o desgoverno Bolsonaro impôs à população a fome, a miséria, a inflação, o desemprego, sentidos especialmente pelos mais pobres e os negros. “O risco da fome atinge patamar recorde e ameaça 36% das famílias”, destacou. Ela lembrou que o bolsonarismo tornou-se a expressão política do reacionarismo e do autoritarismo, da cultura da violência e da impunidade. 

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Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, fez um rico resgate histórico sobre como se estabeleceu e se desenvolveu a estrutura escravocrata no Brasil e apontou a luta contra o racismo como aspecto fundamental da luta de classes. Ele lembrou que a tese liberal de que a luta de classes é estranha ao Brasil e de que os escravos eram passivos sempre teve espaço na sociedade; a avaliação da história pelos marxistas deu outro sentido para a luta de classes. Ele citou a obra de Clovis Moura, em especial Rebeliões na Senzala, lembrando que luta de classes ocupa papel central nessa obra, com a resistência dos quilombos, a participação dos negros em diversas revoltas e as insurreições urbanas. 

Renato Rabelo, presidente Fundação Maurício Grabois

Rabelo explicou que a denúncia do racismo feita por Clovis Moura está baseada no domínio de classes e no papel do proletariado e dos negros na luta contra esse domínio. Neste sentido, apontou que Moura foi um dos que colocaram a história do escravo em seu justo lugar na história de luta do povo contra a opressão e não como luta de um segmento. 

Trazendo o debate para a atualidade, salientou que o antirracismo tem papel estrutural na construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento e da via socialista. Apontou as mortes de Genivaldo, de tantos negros e negras nas periferias e as várias chacinas como reflexo desse racismo estrutural e da degradação do país hoje. 

A vice-presidenta do PCdoB, Manuela d’Ávila destacou que o país carrega, em seu âmago, um dos mais violentos processos de escravização do mundo. “Nosso desafio é muito grande porque é impossível pensar um projeto de desenvolvimento que não tenha, em seu centro, a luta contra o racismo”. Manuela também reforçou a grave situação de genocídio da juventude negra. “Como pensar numa nação que desenvolve suas potencialidades em diversas áreas sem imaginar que jovens podem dar sua contribuição”, questionou. 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Considerando estas questões e outras que atingem sobretudo a população negra — a violência policial, a atuação de milícias, o desemprego e a miséria, entre outros — Manuela enfatizou ser imprescindível colocar o racismo no centro do debate para a reconstrução do país.