Lula voltará à COP levando o Brasil como protagonista

Para além dos compromissos de mitigação e adaptação, Conferência deve discutir investimentos efeitos da mudança climática

Foto: UN Climate Change

No segundo dia da COP27 (27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em Sharm el-Sheikh, no Egito, o Brasil foi mencionado pelo ambientalista Al Gore, ex-vice presidente dos Estados Unidos, quando disse que o país “escolheu parar de destruir a Amazônia”. De forma indireta, celebrou a vitória do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ou a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL), pelo desmonte de políticas de proteção aos biomas brasileiros.

Segundo ele, a mudança de poder no Brasil é um motivo de esperança. “Nós precisamos de mais, mas temos a base para a esperança. Apenas dias atrás, o povo do Brasil escolheu parar com a destruição da Amazônia”, afirmou em discurso na COP27.

Al Gore discursa na COP27

Gore também citou a vitória do Partido Trabalhista na Austrália e a implementação nos EUA “da maior e mais ambiciosa legislação ambiental da História do mundo”. No caso dos Estados Unidos, Al Gore se referiu ao pacote trilionário apresentado pelo atual presidente, Joe Biden, para uma transição climática. 

Bolsonaro não deve aparecer na cúpula, devido ao isolamento que tem sofrido nos últimos eventos. Enquanto isso, Lula viaja ao Egito no dia 15, pois foi convidado pelo presidente do Egito, Abdel Fattah El Sisi, para falar na COP. 

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A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP), tem dito que o Brasil volta como protagonista nas discussões ambientais, “não mais como chantagista”. Os ministros de Bolsonaro frequentemente falavam em compromissos ambientais somente se os países estrangeiros pagassem por eles.

Perdas e danos

Por mais de uma década, as nações ricas rejeitaram as discussões oficiais sobre “perda e dano”, o termo usado para descrever as nações ricas que pagam fundos para ajudar os países pobres a lidar com as consequências do aquecimento global, pelas quais têm pouca culpa.

Mas o que tem chamado a atenção do mundo é o modo como a cúpula começa impor, desde os primeiros dias, o debate da compensação dos países ricos pelas perdas e danos dos países em desenvolvimento, com a crise climática. Delegados de quase 200 países iniciaram a cúpula climática com um acordo sobre o tema controverso, que entrou na agenda pela primeira vez desde que as negociações climáticas começaram décadas atrás.

As recentes inundações que deixaram um terço do gigante asiático Paquistão debaixo d’água, impuseram o drama sobre o debate, assim como muitos outros eventos climáticos graves que atingem todo o mundo. As chuvas causaram perdas econômicas de mais de 30 bilhões de dólares e deixaram centenas de milhares de desabrigados.

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Desta forma, a agenda que já vinha avançando com o debate sobre mitigação das mudanças climáticas, com redução de emissões de gases de efeito estufa, e adaptação, com medidas preventivas para proteger as comunidades, agora começa se abrir para a possibilidade de recuperar condições adequadas para comunidades já atingidas pela violência do clima.

Na COP26 do ano passado em Glasgow, nações de alta renda, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia, bloquearam uma proposta de um órgão de financiamento de perdas e danos, apoiando um diálogo de três anos para discussões de financiamento.

Dois trilhões de dólares

Países em desenvolvimento e emergentes, excluindo a China, precisam de investimentos bem acima de US$ 2 trilhões por ano até 2030 se o mundo quiser deter o aquecimento global e lidar com seus efeitos, de acordo com um relatório apoiado pelas Nações Unidas.

O tratado climático de Paris pretende limitar o aumento das temperaturas globais abaixo de dois graus Celsius e em 1,5°C, se possível. O aquecimento além desse limite, alertam os cientistas, pode levar a Terra a um estado de estufa inabitável.

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Um trilhão de dólares deve vir de países ricos, investidores e bancos multilaterais de desenvolvimento, disse a análise encomendada pelo Reino Unido e pelo Egito, anfitriões respectivamente da cúpula climática da ONU de 2021 em Glasgow e do evento COP27 desta semana em Sharm el-Sheikh.

“Suicídio coletivo”

O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, e chefes de Estado de países como Alemanha, França e Itália também participaram no primeiro dia. 

Guterres fez um discurso de alerta para a urgência no controle global do clima. Em seu pronunciamento, ele pediu esforço dos países ricos e instituições privadas para reduzir danos ao planeta e evitar um “suicídio coletivo”. 

“A humanidade tem uma escolha a fazer: cooperar no clima ou morrer, caminhar para a solidariedade no clima ou o mundo corre o risco de suicídio coletivo”, afirmou Guterres, na COP27.

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Venezuela de volta

A retomada de relações entre a França e a Venezuela também foi expressada simbolicamente pelo rápido encontro surpresa de Emmanuel Macron e Nicolás Maduro. Macron convidou o líder venezuelano a “realizar um trabalho bilateral útil” para a América Latina. 

A França está entre os países que não reconhecem a reeleição do presidente da Venezuela. Na prática, os 50 países estão retomando as relações com o país, em meio a crise energética e inflacionária provocada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. Com isso, o líder de oposição venezuelano Juan Guaidó tem sido solenemente ignorado por sua irrelevância política. 

Em seu discurso oficial, Macron cobrou medidas dos EUA e da China no combate às mudanças climáticas, já que, segundo ele, os países europeus “são os únicos que pagam” para que os países pobres reduzam emissões. No entanto, a China é o único país com tratamento diferenciado pelo modo como trata o tema. Sua economia – a segunda maior do mundo – está em muitos aspectos avançada, e Pequim se posicionou como um grande investidor internacional por direito próprio, por meio de sua Iniciativa do Cinturão e Rota e da promoção do investimento “Sul-Sul” em todo o mundo em desenvolvimento.

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O presidente francês afirmou que as nações emergentes “têm que abandonar rapidamente” fontes de energia como o carvão.

Extrema-direta italiana

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, eleita para o cargo no final de outubro, disse que o país “continua fortemente convencido do compromisso com a descarbonização, em conformidade com os objetivos da COP de Paris”, e ressaltou que é necessário “desenvolver a energia diversificando-a em estreita colaboração com os países africanos”. 

Meloni chegou à COP27 em meio a críticas por ter defendido novas concessões para perfurações de poços de gás e petróleo no Mediterrâneo. 

O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, falou em metas de energia renovável, mas não deixou de lembrar do cenário desfavorável da guerra entre Rússia e Ucrânia. A Alemanha tem sofrido com a queda na importação do gás russo e acabou reabrindo usinas de carvão.

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“Não pode haver um renascimento mundial dos combustíveis fósseis. Em relação à Alemanha, eu posso dizer: não haverá”, garantiu Scholz.

Compromissos urgentes

Os trilhões necessários para investimentos têm destino certo. Seis compromissos imediatos a serem implementados nesta COP27 são:

  • Transição para uma agricultura sustentável e resiliente ao clima que pode aumentar os rendimentos em 17% e reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no nível da fazenda em 21%, sem expandir as fronteiras agrícolas e melhorando os meios de subsistência, incluindo os pequenos agricultores
  • Proteger e restaurar cerca de 400 milhões de hectares em áreas críticas (ecossistemas terrestres e de água doce) apoiando comunidades indígenas e locais com o uso de soluções baseadas na natureza para melhorar a segurança hídrica e os meios de subsistência e transformar 2 bilhões de hectares de terra em gestão sustentável.
  • Protegendo 3 bilhões de pessoas instalando sistemas inteligentes e de alerta antecipado
  • Investir US$ 4 bilhões para garantir o futuro de 15 milhões de hectares de manguezais por meio de ações coletivas para deter a perda, restaurar, dobrar a proteção e garantir financiamento sustentável para todos os manguezais existentes.
  • Expandir o acesso à cozinha limpa para 2,4 bilhões de pessoas por meio de pelo menos US$ 10 bilhões/ano em financiamento inovador.
  • Mobilizar USD 140 a USD 300 bilhões necessários em fontes públicas e privadas para adaptação e resiliência e estimular 2.000 das maiores empresas do mundo a integrar o risco climático físico e desenvolver planos de adaptação acionáveis