Resenha. “Uma Economia Política da Grande Crise Capitalista (2007-2017). Ascensão e o ocaso do neoliberalismo”

Veja a resenha do professor Marcelo Pereira Fernandes sobre o livro Uma Economia Política da Grande Crise Capitalista (2007-2017). Ascensão e o ocaso do neoliberalismo

O livro, Uma Economia Política da Grande Crise Capitalista (2007-2017), já chama a atenção pelo título. Sim, porque a obra não aborda uma crise qualquer como tantas outras que atingiu o capitalismo desde os seus primórdios. Trata-se de uma crise que começou em 2007, primeiramente restrita ao mercado de hipotecas subprime dos EUA, atingindo o mundo todo em outubro de 2008. A partir de 2010 adveio a crise das dívidas soberanas na Europa, e quando parecia que o mundo ensaiava uma recuperação aconteceu a pandemia da Covid-19.

Além da Introdução e um post scriptum, o livro possui quatro capítulos; sem contar um prefácio e uma apresentação primorosos dos professores Luiz Gonzaga Belluzzo e José Carlos Braga. No primeiro, Espectros da grande crise global, Barroso discute a expressão “Grande recessão”, demonstrando sua insuficiência enquanto categoria cujo efeito seria dissimular a responsabilidade da chamada economia neoclássica pela depressão. Antes da crise, lembra Barroso, Ben Bernanke, alçado à presidência do todo poderoso Fed escreveu o livro “A grande moderação”, insinuando que a política monetária teria atingido um grau de sofisticação capaz de eliminar as crises severas. Passou despercebido a Bernanke o “sistema financeiro sombra” e todo tipo de “instrumentos financeiros exóticos” que Barroso examina no primeiro capítulo. A crise de 2007-2008 poderia ser apontada como pior do que a de 1929-1933, e se a economia não caiu em profunda depressão é porque, ao contrário de 1929, os bancos centrais e governos em geral atuaram ativamente para que isso não ocorresse.

No segundo capítulo, “Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da construção da crise global”, o autor analisa o processo de transformação do capitalismo após o fim dos acordos de Bretton Woods em 1971 e o advento do neoliberalismo até a grande crise de 2007-2008. Este capítulo remete o leitor a um apêndice com a formulação de diversos autores (83 autores, exatamente) que buscam elucidar a evolução do capitalismo neoliberal. Momento importante ocorre com a decisão unilateral do presidente do Fed, Paul Volcker, em elevar as taxas de juros em outubro de 1979 para forçar a recomposição do dólar no sistema monetário internacional. Tal decisão custou ao mundo uma severa recessão e a crise da dívida da América Latina nos anos 1980, com impactos também nos EUA que passaram da situação de credor para devedor internacional.

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A década de 1990 foi marcada pelo processo de liberalização das finanças. Um conjunto de novos instrumentos financeiros teria alterado o antigo sistema de intermediação financeira, criando nova era de instabilidade. A liberalização dos fluxos de capitais criaria um “mercado unificado de dinheiro e ativos financeiros em escala global, sob o comando do sistema financeiro estadunidense” (p.69). Esse padrão de acumulação financeirizado, em que o capital fictício se agigantou, criaria um nível de consumo descolado da renda em razão do chamado “efeito riqueza”. Sob o neoliberalismo a tendência à superacumulação de capital se reafirmaria com o aumento da instabilidade derivada de inovações financeiras. O “sistema financeiro sombra”, que se constituiu sob o beneplácito dos bancos centrais das economias desenvolvidas, pode ser considerado um símbolo dessa época.

A crise se tornou mundial porque as hipotecas subprime se disseminaram nos mercados financeiros do mundo todo com todas as conexões possíveis. A consequência foi a falência do Lehman Brothers no dia 15 de setembro quando literalmente o sistema financeiro parou. Dois dias depois foi a vez da AIG, a gigante dos seguros, mas desta vez as autoridades estadunidenses resolveram agir socorrendo com uma linha de crédito de US$ 85 bilhões.

A instabilidade financeira veio colado com uma condição intrínseca ao funcionamento do capital: as fraudes e das trapaças. Estas ilegalidades ganharam contornos monumentais no neoliberalismo; e isso não seria por acaso, pois faz parte do modo de operação da grande finança. Uma lembrança curiosa que Barroso não deixa escapar: em 2009, Paul Vocker, “foi ressuscitado” no governo Barack Obama com a proposta que ficaria conhecida como lei Dodd-Frank. Justamente aquele que contribuiu para moldar a estrutura das finanças com sua atuação no Fed no começo dos anos 1980 foi chamado para colocar “ordem na casa”.

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No capítulo 3, A grande crise e as tendências do capitalismo contemporâneo, Barroso começa discutindo o conceito de neoliberalismo, definindo “como um programa (deformado) da economia política neoclássica da era do capitalismo financeirizado” (p.80). O autor faz uma radiografia da resposta das autoridades econômicas à crise, explicitando como elas colocaram o neoliberalismo de lado e iniciaram uma intervenção sem precedentes nos mercados, convertendo “bancos centrais de emprestador de última instância a ‘compradores de última instância’”(p.94).

Ainda no capítulo 3, Barroso explica a dimensão financeira das crises. Não se poderia separar as crises do capitalismo da sua dinâmica própria. Porém, a crise iniciada em 2007 seria decorrente de um padrão de acumulação financeirizado que se institucionalizou, fazendo proliferar numa escala jamais vista de capital fictício.

No capítulo 4, Crise, estagnação e crescimento no capitalismo dos monopólios: a crítica marxista de Lenin, Barroso refuta a tese fatalista de que na crise de 2007-2008 o capitalismo alcançou o seu “limite histórico”, assim como a noção “estagnacionista” bastante propalada entre alguns marxistas. Para isso utilizará como base teórica os escritos de Lenin que ele discute o desenvolvimento do capitalismo. Por exemplo, no texto A propósito do chamado problema dos mercados, Lenin destacaria que no capitalismo os meios de produção crescem mais rapidamente que os meios de consumo. O capitalismo é progressivo e não existiria problema de realização por falta de consumo. Daí a oposição de Lenin ao estagnacionismo e subconsumismo antes mesmo destas ideias entrarem na moda pela influência de autores marxistas, como Harry Magdoff. Essas “deformações siameses”, diz Barroso, no fundo veriam as crises como fenômenos que ocorrem fora da produção, e não nas condições da produção. Isso não significa que existiria contradição entre produção e consumo, mas apenas o sentido subalterno do consumo precisa ser destacado. São estas teses que, segundo Barroso, entendem como estagnação – o capital preso em uma “armadilha” –, aquilo que é o movimento estrutural do capitalismo monopolista, isto é “instabilidade-crise-expansão-instabilidade”. Os estagnacionistas não entendem que o funcionamento do capitalismo abaixo do seu pleno emprego não significa estar preso numa “armadilha”, mas sim o funcionamento de um sistema que tem como missão a produção pela produção e não para atender as necessidades dos trabalhadores.

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O livro possui muitos méritos. O leitor poderá constatar a ampla bibliografia utilizada, com autores das mais diversas correntes teóricas em que Barroso se debruça para entender as causas da crise e suas consequências. Embora tenha como fio condutor a crítica de Marx e Lenin sobre o funcionamento do modo de produção capitalista, Barroso não se prende a repetir as visões desses autores, mas tenta atualizá-las para encarar os dilemas do capitalismo atual.

O mundo está mudando velozmente. Até o presidente Joe Biden resolveu pedir aos empresários que enterrem o neoliberalismo. Mas a plutocracia em todo mundo e os Estados que a sustentam não parecem estar conformados com tal conselho. Isso é sinal de que podemos esperar por novas turbulências econômicas e políticas, quiçá mais desafiadoras e perigosas. Boa leitura!

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