Bolsonaro corta Farmácia Popular em 65% e deixa de atender milhões de pessoas

Proposta orçamentária de 2023 previu R$ 1 bi para o programa, que tinha R$ 3,1, com Dilma, e R$ 2,5 em 2022. Este é o menor orçamento do programa em 10 anos

O orçamento do programa Farmácia Popular para 2023 está defasado em quase R$ 1,8 bilhão, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Saúde e Assistência Farmacêutica (Ibsfarma), também chamado de “Cuida Brasil”.

Para 2023, a proposta orçamentária previu R$ 1,018 bilhão para o programa de subsídio a medicamentos. É o menor valor previsto para o programa na série histórica do Ibsfarma, que começa em 2013.

Segundo a conselheira nacional de Saúde (CNS), Débora Melecchi, este é mais um grande retrocesso do Governo Bolsonaro, que terá inúmeras consequências graves para a população, como ela pontua. “É um grave problema de saúde pública que gera uma bola de neve, em que a pessoa sem atendimento piora seu estado, precisa de internação, sobrecarregando o sistema, que já foi desmontado nos últimos anos”, afirmou em entrevista ao Portal Vermelho. Ela ainda lembrou que a sobrecarga de hospitais pela covid voltou, nas últimas semanas. 

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Queda no número de atendimentos

No ano passado, o programa Farmácia Popular atendeu cerca de 20 milhões de pessoas. Já foram quase 9 milhões de atendimentos a menos do que o número registrado em 2015 – ano com o maior volume de recursos. A queda nos recursos começou após o impeachment de Dilma.

Com o corte para o ano que vem, vai ser preciso reduzir mais da metade das pessoas atendidas. “Sabemos que o próximo governo Lula vai ter o programa Farmácia Popular como prioridade, porque já tratou assim. O problema é que as pessoas já estão sofrendo com isso”, lamentou. Ela mencionou que ainda há o agravante de falta de medicamentos básicos em farmácias privadas, devido a falta de insumos para fabricação.

A defasagem orçamentária no Farmácia Popular pode impor aos usuários do programa a indisponibilidade de medicamentos importantes, como os voltados ao tratamento de diabetes, asma e hipertensão.

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Débora também explicou que, sem o subsídio do Farmácia Popular, além do paciente não poder retirar o medicamento gratuitamente, também passará a pagar mais caro do que pode pagar, hoje, numa farmácia privada. Medicamentos mais comuns para diabetes e hipertensão costumam custar centavos, com o subsídio. Sem ele, passam a pagar o preço da tabela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que é o maior valor previsto.

Na modalidade de copagamento, em que o governo subsidia parte do preço do remédio e o paciente paga outra parte, a defasagem orçamentária pode significar a indisponibilidade de medicamentos destinados ao tratamento de dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma e anticoncepção, bem como de fraldas geriátricas para a população necessitada.

Outra consequência grave do desmonte do Farmácia Popular, de acordo com a conselheira, é que sem a compra pública do programa do governo, a indústria tem menos interesse em fabricar medicamentos baratos. Com isso, ou há falta do produto ou ficará muito mais caro. “É o efeito bola de neve, novamente.”

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Negociação com novo governo

A proposta de Orçamento para 2023 foi enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso em agosto. Ainda está em tramitação e, portanto, deve sofrer mudanças.

O Ibsfarma pretende entregar o estudo e as sugestões de melhorias ao programa Farmácia Popular à equipe de transição do governo eleito e ao relator do orçamento, o senador Marcelo Castro (MDB-PI).

Débora explicou que a Sindusfarma e a Abrafarma, ligadas ao Cuida Brasil, fazem essa abordagem ao governo de transição com uma lógica mercadológica. “A preocupação deles é garantir o mercado de medicamentos para si. Sem o orçamento do Farmácia Popular, eles perdem muito lucro”, observou. “Para isso, eles usam o mesmo discurso nosso, numa disputa conceitual, de preocupação com o Sistema Único de Saúde, embora seus interesses sejam outro”. 

Além da recomposição orçamentária, o Ibsfarma, a iniciativa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), defende que o programa passe por “melhorias”, que deixam Débora em alerta.

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Uma delas é a implantação de um prontuário eletrônico único do Sistema Único de Saúde (SUS) que integre as farmácias cadastradas no Farmácia Popular aos demais programas e profissionais de saúde. “Eles querem se apropriar dos valiosos dados dos pacientes do SUS para uso privado”. 

De acordo com o secretário-executivo do Cuida Brasil, a ideia é que, quando alguém for atendido em uma unidade básica de saúde, por exemplo, as informações resultantes dessa consulta sejam compartilhadas com as farmácias. Desta forma, segundo Pires, o farmacêutico consegue auxiliar no acompanhamento do paciente.

Integrantes do governo de transição já afirmaram que uma das prioridades é recompor a verba para o Farmácia Popular.

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A minuta da chamada PEC da Transição, apresentada pelo governo de transição para tirar o programa Bolsa Família do teto de gastos, pode abrir um espaço de R$ 105 bilhões no orçamento de 2023 com essa manobra.

Com o espaço fiscal que ficará disponível, caso a proposta avance nesses termos, o governo eleito poderá financiar novas ações. Porém, a lista de prioridades que a equipe de transição cita como possíveis destinações é grande na área da saúde, da renda, da segurança alimentar, da educação, da moradia, da ciência e tecnologia e da cultura.