MEC tem caixa zerado, universidade pode parar e bolsistas não receberem

Problemas incluem falta de recursos para livros didáticos, pagamento de bolsas e possível apagão no Enem, Sisu e Fies. Universidades estão sem dinheiro para despesas básicas

Estudantes e professores de institutos federais e universidades fazem manifestação contra o bloqueio de verbas da educação (2019) | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O governo de Jair Bolsonaro (PL) ainda não acabou, mas seu Ministério da Educação (MEC) já está encerrando as atividades. O atual ministro da pasta, Victor Godoy, afirmou que não tem como pagar em dezembro os 14 mil médicos residentes de hospitais federais e os 200 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) após novo congelamento de verbas decretado pelo presidente na última semana.

A lista de problemas, que vai muito além, foi apresentada no final da tarde desta terça-feira (6) pelo GT da Educação da equipe de transição do governo eleito após reunião com a atual gestão do MEC.

O coordenador dos grupos de trabalho, o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante, fez um resumo das emergências identificadas e disse que o quadro da educação é talvez o mais grave entre outras áreas em situação crítica. Ele lembrou que da educação dependem diversos outros setores, além do futuro do país e foi enfático em relação à responsabilidade do atual governo. “Jair Bolsonaro quebrou o país. Tudo bem que teve pandemia, guerra. Mas também má gestão. Neste período eleitoral, Bolsonaro furou o teto em R$ 800 milhões. Perto da eleição, havia 2,5 milhões de “famílias” unipessoais (ou seja, de uma única pessoa) recebendo auxílio, que eles reconhecem agora. A Caixa liberou R$ 4 bilhões de crédito consignado para 2 milhões de pessoas que a partir de janeiro vão perder seu auxílio. Aí teve subsídio para combustível para motorista de caminhão. Um represamento durante anos e, na véspera da eleição, romperam a comporta e não tem dinheiro para pagar”, disse.

A Capes, fundação ligada ao MEC que atua, entre outras frentes, no financiamento de pesquisas de graduação e pós-graduação, confirmou ainda nesta terça, por meio de nota oficial, o atraso no pagamento de 200 mil bolsas de estudo para este mês. A instituição diz que foi pega de surpresa pelos cortes e não sabe dizer quando a situação será normalizada.

“A Capes foi surpreendida com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro (Anexo II), impondo idêntica restrição a praticamente todos os Ministérios e entidades federais”, diz trecho da nota.

“Isso retirou da Capes a capacidade de desembolso de todo e qualquer valor – ainda que previamente empenhado – o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas, cujo depósito deveria ocorrer até amanhã, dia 7 de dezembro”, completou a instituição.

Situação é “inacreditável” e “inédita”

O novo bloqueio ocorre em um período no qual as universidades já enfrentavam grandes dificuldades para o pagamento de compromissos assumidos, devido à retirada de R$ 438 milhões realizada em junho deste ano. O presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), reitor Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR), em vídeo publicado na última sexta-feira (2), afirmou que é “inacreditável” que o governo tenha bloqueado os recursos, seis horas depois de ter liberado, e classificou a situação como “absolutamente inédita”.

“De maneira inacreditável, as universidades e os institutos federais viram acontecer uma reviravolta na questão do bloqueio de seus recursos. De um lado o Ministério da Educação restituiu os limites dos nossos gastos, de outro, o Ministério da Economia simplesmente retirou os recursos. É uma situação absolutamente inédita, e nos deixa sem recursos e sem possiblidade de honrar os gastos das universidades, inclusive bolsas, conta de luz e água, coleta de lixo, e nossos terceirizados”, afirmou.

Ele explica ainda que compromissos como bolsas assistenciais para estudantes em vulnerabilidade, segurança, limpeza entre outras áreas de serviços ficam completamente comprometidas. “São pessoas humildes, podem passar o Natal com a possibilidade de não receber. Também luz, água, retirada de lixo e outros projetos devem ser retirados nesse caos orçamentário”, lamenta o presidente da associação.

Universidades não terão dinheiro para despesas básicas

Olgamir Amancia, Decana de Extensão da UnB

Ao Portal Vermelho, Olgamir Amancia, Decana de Extensão da Universidade de Brasília (UnB), relata que é um “absurdo” ter que testemunhar tamanha irresponsabilidade. “Nós nunca tínhamos vivido isso porque não é só o bloqueio dos nossos recursos, a redução dos recursos, mas é também a retirada de orçamento impedindo que as universidades cumpram aquilo que elas já haviam se colocado. Agora nós não temos orçamentário para cumprir com os nossos compromissos. O que vai inviabilizar em certa medida ou comprometer muito a nossa atuação.”

Olgamir afirma que, mesmo com o contingenciamento dos recursos, a UnB “resistirá e continuará fazendo o trabalho” buscando chamar a atenção da sociedade para a gravidade da situação. “Nossa posição é de manter o funcionamento da universidade. Nós vamos ter que chamar atenção da sociedade para o que está acontecendo. Porque esse não-recurso para a universidade ele tem um impacto. Por exemplo, em relação a UnB, são R$ 11,5 milhões de reais que deixarão de circular em Brasília nos próximos dias. São recursos que estavam empenhados para pagar bolsa de estudantes, pagar restaurante, pagar limpeza, segurança, água, energia… e tudo isso não será pago, mas a universidade não encerrará as suas portas, ela resistirá e continuará fazendo o trabalho.”

A decana disse ainda que para reverter a “posição absurda do Governo Federal” será preciso enfrentar algumas “batalhas”, sendo uma no campo jurídico, onde “nossos parlamentares podem contribuir acionando a justiça, para que a gente, de fato, reverta essa situação. Então tem que trabalhar nessa raia, da reversão por meio da ação judicial, e aí todos aqueles que tem condições de acionar para isso, devem fazer. As organizações, os partidos e a mobilização social.”

E outra, considerada fundamental, “é que nossos estudantes, associações docentes, sindicatos dos trabalhadores da educação, e a sociedade como um todo, se mobilizem no sentido de defender a sua instituição.” Segundo Amancia, “a universidade pública é uma instituição da sociedade. Ela é fundamental para essa sociedade e para o projeto de desenvolvimento que nós queremos para o Brasil.”

Amancia cita ainda o papel fundamental das universidades no enfrentamento da Covid-19, quando a pandemia estava no auge, enquanto o país era deixado à mercê pelo seu próprio governo. “Foram as universidades que deram as respostas no momento que o governo virava as costas para a grave crise que o povo brasileiro atravessava. Então, não-funcionamento da universidade, ou um funcionamento capenga, repercute sobre os interesses da sociedade. Por esse motivo, é preciso fazer um movimento no sentido de que a sociedade compreenda o significado desses cortes, dessa retirada do orçamento. E a repercussão disso sobre a vida das pessoas no seu cotidiano.”

Situação vexatória

Raimundo José de Araújo Macêdo, presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC)

Já o presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Raimundo Macêdo, disse ao Portal Vermelho que os cortes têm implicações imediatas na manutenção das universidades e institutos federais, em seus compromissos rotineiros, como pagamento de água, energia, limpeza e segurança. “São despesas, em geral, já empenhadas, que deixam essas instituições em situação vexatória. Mais ainda, o sistema brasileiro de pesquisa e pós-graduação está ameaçado pelo não pagamento de bolsas a estudantes de pós-graduação, no Brasil e exterior. Muitos desses estudantes dependem desses recursos para sua subsistência. Outros fizeram a opção pela carreira acadêmica, renunciando a outras possibilidades profissionais. É necessário muito tempo para se construir e consolidar um sistema nacional de pós-graduação. Medidas como esses cortes abruptos causam uma desmobilização e desmotivação geral nos jovens pesquisadores, que tendem a buscar outras alternativas profissionais, saindo, inclusive, do país.”

Macêdo enfatiza o caso, em particular, da Computação. “O mercado de trabalho está bastante aquecido. Fazemos um grande esforço nas universidades e institutos federais para manter esses jovens, que facilmente encontrariam alternativas profissionais. Sem estabilidade e planejamento de longo prazo no financiamento de pesquisa e pagamentos de bolsas, todo nosso sistema está ameaçado, comprometendo o desenvolvimento social e econômico de nosso país.”, conclui.  

Mobilização Nacional

Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG

Para o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG, Vinícius Soares, os cortes na Educação são consequência direta da “devassa” que Bolsonaro realizou nas contas públicas a fim de garantir a reeleição. “Os estudantes estão tendo que pagar a conta. Trabalhamos mais horas por dia em benefício do Brasil do que ele [Bolsonaro] e Paulo Guedes no mês inteiro, e mesmo assim estamos recebendo calote.” Além disso, “milhares de pós-graduandos possuem a bolsa como única fonte de renda e todos estão angustiados, pois precisam das bolsas para comer, se locomover e pagar contas.”

De acordo com Vinicius, a entidade começou a mobilizar as pessoas, ainda nesta terça, a reivindicarem o pagamento imediato das bolsas de estudos. “A ANPG convocou uma paralisação nacional, que já tem tido apoio de diversas entidades, para pressionarmos o governo federal a liberar o financeiro para que as universidades e a Capes possam cumprir suas obrigações orçamentárias.”, disse. “Já não bastasse os 75% de desvalorização das bolsas de estudos, temos essa instabilidade de pagamentos. Não é justo com quem se dedica com afinco diariamente pelo país. Os pós-graduandos são trabalhadores da ciência e merecem ser pagos.”, completou.

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