Peru e Bolívia começam 2023 sob distúrbios do golpismo
Conflitos entre forças políticas de esquerda e direita se intensificam no Peru e na Bolívia. Na Colômbia, Petro se desentende com guerrilheiros
Publicado 05/01/2023 17:01 | Editado 05/01/2023 17:50
São onze governos de esquerda contra sete de centro e direita na América Latina, agora que Lula assume no Brasil. Um cenário inédito se considerarmos que as maiores economias latino-americanas estão sob o comando de governos democráticos e progressistas. No entanto, 2023 começa com o terrorismo de extrema-direita e os golpistas cobrando a fatura por sua derrota, ao menos no Peru e na Bolívia.
Os distúrbios que ocorrem na Bolívia e no Peru são novos conhecidos dos brasileiros, desde que Jair Bolsonaro saiu derrotado das eleições de outubro. São bloqueios e manifestações violentas motivadas por conflitos golpistas provocados pela elite de direita desses países.
Na Colômbia, por sua vez, o governo de Gustavo Petro foi constrangido após anunciar cessar-fogo bilateral entre guerrilhas, que não havia. O primeiro governo de esquerda no país ainda não reduziu a desconfiança da esquerda armada que ainda resiste em alguns territórios.
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Protestos à esquerda
As situações mais graves, no entanto, se observam no Peru e na Bolívia. No Peru, diversas organizações sociais, sindicais e movimentos em favor de indígenas e camponeses do Peru iniciaram nesta quarta-feira (4) uma nova onda de manifestações contra o governo da presidente peruana Dina Boluarte.
A mobilização de todas essas entidades tem três demandas em comum, sendo a principal delas a realização de novas eleições no país ainda no primeiro semestre de 2023, como forma de solucionar a crise política que se instalou no país desde a destituição do presidente de esquerda Pedro Castillo, em dezembro. Castillo foi preso após reagir às inúmeras tentativas de destituição pelo Congresso que impedia, também, sua governabilidade.
Outras reivindicações importantes são a realização de uma assembleia constituinte no país, para substituir a atual carta magna imposta em 1993 pelo então ditador Alberto Fujimori, e uma investigação para apurar as responsabilidades políticas sobre as 22 mortes de manifestantes ocorridas durante os protestos de dezembro.
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Protestos à direita
Na Bolívia, os protestos iniciados em Santa Cruz, Departamento mais rico do país, em 28 de dezembro, depois da prisão do governador Luis Camacho, se intensificaram nesta terça-feira (3). Centenas de caminhões bloquearam rodovias na região e estradas em outras regiões, segundo levantamento da agência Reuters.
Conservador de direita e opositor do governo do socialista Luis Arce, Camacho foi preso por acusações de “terrorismo” relacionadas ao golpe de 2019 contra o então presidente, Evo Morales. Desde o retorno da esquerda ao poder, o líder da elite conservadora de Santa Cruz tem sido acusado de sustentar grupos terroristas que causam distúrbios na região para enfraquecer o governo Arce. Ele faz isso desde 2019, quando houve a derrubada de Evo Morales com muitas mortes e violência.
Agora, seus apoiadores bloqueiam novamente ruas e rodovias com pneus, galhos e pedras, exigindo a libertação de Camacho. Os bloqueios formam longas filas na fronteira com o Brasil, e ameaçam as entregas de grãos e alimentos em todo o país. Com isso, tanto a população boliviana, quanto caminhoneiros brasileiros estão sob fogo cruzado de uma disputa política.
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Nova e velha esquerda
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, encerrou o ano anunciando um “cessar-fogo bilateral” com o Exército de Libertação Nacional (ELN), dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e grupos paramilitares. A pausa nos confrontos começaria em 1º de janeiro de 2023 e ficaria em vigor inicialmente a até 30 de junho.
Mas o ELN o contradisse três dias depois, alegando que não havia concordado com nenhuma trégua. Petro se manteve em silêncio, mas porta-vozes do governo tentaram apagar o incêndio suspendendo, na quarta-feira, o cessar-fogo com a guerrilha.
O comandante do ELN, Antonio García, acusou Petro de agir como “os governos tradicionais”, com os quais não assinou a paz.
Petro é parte de uma esquerda resistente aos inúmeros governos autoritários de direita que comandaram a Colômbia, desde sempre. No entanto, o presidente depôs as armas e optou pela disputa democrática. Com isso, vem defendendo essa posição para desmobilizar tanto o que restou das guerrilhas, quanto as milícias de direita que mantém ativos os conflitos em regiões mais pobres do país.
Com o constrangimento do gesto de governo que dá a largada em 2023, o maior desafio agora será como o governo reconquistará a confiança do ELN, sendo que a retomada do diálogo será mais difícil. Em governos anteriores, como o de Ivan Duque, os acordos de país que desmobilizaram as Farcs foram sucedidos de perseguição e prisão de ex-guerrilheiros, o que intensificou a desconfiança e mobilizou novos guerrilheiros.
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Lula e as relações bilaterais
Depois que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência, gerou enorme expectativa pela importância que o Brasil tem para a integração do continente. Seu primeiro dia de expediente foi marcado por encontros bilaterais com seus colegas colombiano, Gustavo Petro, e Boliviano, Luis Arce. Do Peru veio o presidente do Conselho de Ministros da República, Luis Alberto Otárola Penaranda.
As conversas trataram com interesse a defesa e o desenvolvimento da Amazônia, a maior região de floresta tropical do planeta Terra, dividida entre Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, que durante o governo do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, foi ameaçada por uma exploração descontrolada, sem cuidado com a preservação da região.
Petro conversou com Lula para revisar a agenda bilateral, que, além do pacto para cuidar da selva, contempla a interligação elétrica da região com energia limpa, modificações na política antidrogas, e o papel brasileiro nas negociações de paz na Colômbia com a guerrilha do Exército de Libertação Nacional ( ELN).
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Diante disso, os dois presidentes concordaram em convocar uma Cúpula da Amazônia a ser realizada na fronteira entre a Colômbia e o Brasil, seja na cidade de Letícia, do lado colombiano, ou de Tabatinga, do lado brasileiro.
No encontros com o presidente da Bolívia, ele fez um pedido especial ao brasileiro, a respeito de um processo judicial que envolve a oposição boliviana e o agora ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro.
Em entrevista exclusiva à Folha de São Paulo, Arce revelou que fez um pedido a Lula, para que o novo governo brasileiro ajude a investigar as possíveis ligações entre Bolsonaro e os líderes golpistas bolivianos, especialmente Camacho.
Arce apontou que um dos indícios da participação brasileira no golpe de 2019 na Bolívia é “o novo contrato de gás que fizemos, totalmente favorável ao governo brasileiro, e também as declarações [de Bolsonaro] de apoio a [Jeanine] Áñez, além da história dos aviões que sugerem um encontro dos dois no Brasil durante a armação da operação”.
Em março de 2021, a Justiça da Bolívia decretou a prisão preventiva de Áñez, também em função das investigações sobre os políticos envolvidos no golpe. Ela se encontra presa desde então. O ex-presidente brasileiro Bolsonaro usou o caso dela várias vezes, em declarações dadas durante o ano de 2022, para dizer que temia que poderia ter o mesmo destino caso não conseguisse sua reeleição.
Uma matéria da Revista Fórum, em novembro de 2019, revelou que Camacho também esteve em Brasília antes do golpe contra Morales, e foi recebido pelo chanceler Ernesto Araújo – em reunião que contou com a presença da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).
Como Dina Boluarte está mergulhada em uma crise de legitimidade após a destituição recente de Pedro Castillo, acabou sendo a única chefe de estado sul-americana que não compareceu à posse de Lula. O novo presidente brasileiro chegou a cumprimentar a nova presidenta do Peru, antes vice-presidente de Castillo, que durou um ano e quatro meses no cargo.
Segundo fontes do jornal O Globo, havia a intenção de uma reunião bilateral entre Lula e Boluarte, “para analisar maneiras em que o Brasil poderia colaborar com a estabilidade política no Peru”. Na nota de Lula sobre a deposição de Castillo, ele lamentou “que um presidente eleito democraticamente tenha esse destino”.