Líder do MST diz que trabalho análogo ao escravo é síntese do agronegócio 

João Paulo Rodrigues critica setor por desrespeitar direitos e o meio ambiente e defende que áreas flagradas com trabalho escravo sejam destinadas à reforma agrária

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Embora tenha chocado a opinião pública, o caso dos mais de 200 homens explorados em trabalho análogo à escravidão na Serra Gaúcha não é raro e, na opinião de João Paulo Rodrigues, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), simboliza o espírito que move o agronegócio brasileiro. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele destacou: “Isso é o agro em sua síntese, o agro é pop e o agro é tec, o agro é trabalho escravo. E não estou falando de trabalho escravo em áreas de carvoarias do Maranhão. É trabalho escravo em Ribeirão Preto, na Serra Gaúcha, assim por diante”. 

Rodrigues disse ainda que para acumular riqueza, o agro ignora duas importantes questões, a ambiental e os direitos dos trabalhadores. “O agro não tem nenhum tipo de cuidado em dois grandes aspectos para a acumulação da riqueza. Primeiro, na questão ambiental. Eles vão desmatar, vão usar veneno, porque é assim que aumentam a taxa de lucro deles. E a segunda grande frente deles é na geração de empregos precarizados. O agro é campeão nisso”. 

Para o dirigente do MST, “se pegar e fiscalizar o agro brasileiro, vai achar diversas áreas muito parecidas com a que foi encontrada na vinícola agora. E o que nos preocupa é a invisibilidade do trabalho precário no campo em todo o país, com uma média salarial muito baixa e poucos direitos. E isso foi muito referendado pelo governo Bolsonaro e pela proposta da reforma trabalhista”. 

Nesse cenário, ele defende a revogação da reforma e que as áreas flagradas com trabalho análogo à escravidão ou que desrespeitem as normas ambientais sejam disponibilizadas para a reforma agrária. “O que manda a Constituição é que essas áreas que tiveram trabalho escravo deveriam ser destinadas para a reforma agrária, e não só ter uma multa. A lei diz isso. Não respeitou a lei trabalhista, não respeitou a questão ambiental, tem que ser destinado para a reforma agrária”. 

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João Paulo Rodrigues também comentou a colocação feita pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIG-BG), cidade onde houve o flagrante de trabalho semelhante ao escravo. A entidade atribuiu ao pagamento de benefícios pelo governo a escassez de mão de obra na região que teria levado à contratação dos trabalhadores de fora do estado. “É parte da estratégia, dentro da narrativa deles, de tentar achar uma forma de justificar o que fizeram”, disse o líder sem-terra. 

Rodrigues acrescentou ainda que “todos nós sabemos que tem 12 milhões de pessoas desempregadas e estas 12 milhões não estão passando fome graças ao auxílio emergencial do Bolsa Família, que dá R$ 600 para essas famílias. Essas famílias estão tentando achar algum tipo de trabalho para complementar sua renda e quando vão procurar, encontram esse tipo de empresário, que oferece a sua ‘bondade’, que é o trabalho análogo à escravidão. Esse é o Brasil do agro, isso é o Brasil bolsonarista que estamos encontrando e vamos ter que lidar pela frente”. 

Flagrante na Serra

No dia 22 de fevereiro, uma operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e as polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) resgatou 207 homens, a maioria oriunda da Bahia, submetidos a condições degradantes de trabalho em Bento Gonçalves (RS). Os trabalhadores eram terceirizados da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA e prestavam serviço para três das maiores vinícolas do estado: Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi. 

A operação aconteceu após três trabalhadores procurarem a PRF, em Caxias do Sul. Os resgatados relataram ter sofrido diversos tipos de maus tratos, como tortura — inclusive com choques elétricos e spray de pimenta —, alimentação estragada, alojamento inadequado e ameaças, além de jornadas exaustivas, uso de vales, multas e descontos nos salários das despesas que eram obrigados a fazer para sua sobrevivência, com a cobrança de preços abusivos por itens básicos, situação que demonstra a exploração perpetrada. Os trabalhadores retornaram às suas casas. 

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Ao G1, Vanius Corte, gerente regional do MTE em Caxias do Sul, falou sobre a responsabilidade das empresas para além da contratação da terceirizada. “Tu tens que saber quem tu estás contratando, tu tens que ter essa responsabilidade de examinar se ele oferece as condições [adequadas] e os direitos [legais]”. 

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) feito pelo MPT estabeleceu que a empresa deverá comprovar os pagamentos devidos aos trabalhadores sob pena de ajuizamento de ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido. O cálculo total das verbas rescisórias ultrapassa R$ 1 milhão até agora.

(PL)

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