As ruas ressurgem com força no cenário europeu

Trabalhadores europeus protestam contra a carestia e perda de direitos. Em 23 de março último manifestação em Paris terminou com grande violência policial.

Por toda França, milhões protestam.

Dois fatores fundamentais encorajam milhões de cidadãos e cidadãs na Europa nos últimos anos a ganhar as ruas com protestos gigantescos e greves de trabalhadores. A primeira questão é a ameaça de perda de direitos conquistados duramente por décadas a fio especialmente no pós Guerra a partir de 1945. A chamada política do Estado de Bem-estar Social (ou Welfare State) que era destinada a enfrentar a Guerra Fria para combater as conquistas trabalhistas da União Soviética, foi abandonada com o fim do Socialismo na Europa do Leste e com a introdução de políticas neoliberais capitaneadas principalmente por Margareth Thatcher, na Inglaterra e Ronald Reagan, nos Estados Unidos.

O segundo problema que tem fomentado estas manifestações são as condições concretas da vida das pessoas de nível médio na maioria dos países do continente, principalmente dos trabalhadores e trabalhadoras que enfrentam alta inflação e carestia de vida. As greves sempre foram instrumentos importantes de pressão política e econômica na região.

A França, em 2020, registrou a mais longa greve de sua história: o país parou praticamente por 42 dias. Até os advogados pararam contra a reforma do sistema de pensões protagonizado por Emmanuel Macron, seu atual presidente. Os protestos continuam até hoje contra a iniciativa recente de Macron de passar por cima da votação da Câmara Baixa utilizando uma brecha constitucional.

Em 23 de março último ocorreu uma grande manifestação em Paris, que terminou com grande violência policial que não se via há anos. O movimento foi tão forte que forçou o governo de Macron a pedir o adiamento da visita marcada do Rei Charles, da Inglaterra, fazendo com que o trono inglês mudasse o rumo de sua viagem para a Alemanha.

A Inglaterra também foi palco no dia primeiro de fevereiro passado da maior greve no país em 11 anos, com paralisações em diversos setores unificados pela reivindicação por melhores salários e contra uma inflação em torno de 10% em média. 20 mil escolas na Inglaterra e no País de Gales foram paralisadas por 7 dias de greve convocadas em fevereiro e março por professores do ensino fundamental.

Os protestos em Israel contra a proposta de Reforma da Justiça liderada pelo Primeiro-Ministro Netanyahu mobilizaram cerca de 7 % da população do país e até soldados e a unidade de pilotos especial do Exército israelense declararam que não se apresentariam para o serviço se essa mudança passasse no Parlamento. Tal foi a amplitude das manifestações que o governo foi obrigado a suspender a tramitação da medida até o dia 30 de abril, quando o Knesset retoma seus trabalhos. Cálculos realizados por economistas independentes calculam que esse movimento pode provocar uma queda de 2,8% no PIB de Israel.

As manifestações ganham força com as lutas contra a carestia

Alguns ensaios de greves pan-europeias já haviam ocorrido há dez anos, quando em 2012 no dia 14 de novembro – pela primeira vez na história da União Europeia – se realizou uma greve geral de protesto contra as políticas neoliberais de “austeridade” de Bruxelas em vários países da União como a França, a Itália, Chipre, Malta, Grécia e Portugal.

Trabalhadores em greve na Alemanha / Foto: via Verdi NRW

Em geral os preços dos alimentos têm aumentado de 15 a 20% em praticamente todos os países europeus. Influenciados mais recentemente pelas políticas adotadas pelos Estados Unidos em função de seus interesses próprios, como foi o caso da intervenção na política e na economia da Alemanha, antes a economia mais dinâmica da região.  Os EUA obrigaram a Alemanha a romper os acordos que tinham com os russos na área de energia com o Nord Stream I e Nord Stream II, chegando ao ponto de organizar clandestinamente a explosão do gasoduto subterrâneo que aliás é propriedade de uma empresa mista, russo-alemã. O fato é que a grande indústria alemã está profundamente prejudicada pelas sanções impostas à Rússia no plano geral da OTAN de conter o desenvolvimento da Federação Russa.

Com o objetivo de conter a alta do custo de vida, os governos europeus têm tomado medidas contra sua própria política neoliberal. Exemplos disso na França são pressões junto aos supermercados para que reduzam as margens de lucro temporariamente. Na Suécia o governo intensificou a fiscalização de preços nos supermercados. Portugal, com a alta de preços que chegou a 20% em relação ao ano anterior, reduzirá por algum tempo a zero o imposto sobre o valor agregado. A Polônia planeja manter também em zero o imposto sobre os alimentos até o final de junho. E inclusive na Hungria de Orbán o governo também é obrigado a tomar medidas para conter a alta dos preços.

Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) já está preocupado e tem se colocado contra as políticas de mitigação e de amortecimento do impacto dos aumentos de preços em geral. Na Suécia e na Noruega os governos estão sendo obrigados a fazer um tipo de tabelamento de preços para conter o aumento dos preços.

A atividade industrial voltou a dar sinais de enfraquecimento. Nos Estados Unidos o crescimento do setor manufatureiro atingiu o nível mais baixo desde 2020, com taxas de juro em crescimento. Da mesma forma na Região do Euro a atividade industrial caiu com o aumento do custo de vida. A Alemanha tem assistido protestos frequentes organizados pelo sindicato IG Mettal que ano passado foi vitorioso conquistando 8% de aumento salarial, o maior desde 2008 para quase 4 milhões de metalúrgicos. Em Portugal as greves também são frequentes. Em janeiro e fevereiro o país tem sido marcado por greves diárias dos professores, dos trabalhadores do setor de transporte, enfermeiros e médicos.

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